Relatório final do Sínodo- Parte I

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Primeira parte do relatório apresenta situação da família no mundo de hoje
Publicado em: 06/11/2015 - 08:45
Créditos: Edição nº 3075 do Jornal O SÃO PAULO – página 22

O Sínodo dos Bispos sobre a família terminou no domingo, 25 de outubro. O relatório final - composto a partir das discussões e dos três relatórios de cada um dos 13 grupos de trabalho - foi redigido pela comissão escolhida pelo Papa Francisco e, apresentado aos bispos, foi votado ponto a ponto.

O relatório é composto por três partes. A primeira parte, ''A Igreja à escuta da família", lança um olhar sobre a situação da família no mundo de hoje. A segunda parte, ''A família no plano divino”, traz o ensinamento da Igreja sobre a família, conforme as Sagradas Escrituras e o Magistério. A terceira parte, ''A missão da família", trata concretamente da vida familiar e de seus desafios, desde a formação até a educação dos filhos, acompanhamento pastoral e missão evangelizadora.

O SÃO PAULO traz nesta semana uma síntese da primeira parte do relatório. Nas semanas seguintes, serão expostas as duas outras partes.

A IGREJA À ESCUTA DA FAMÍLIA

O relatório cita, logo na introdução, as palavras do Papa Francisco: "Deus não criou o homem para viver na tristeza ou para estar sozinho, mas para a felicidade”. A família se insere nesse plano e quando Deus Pai enviou seu Filho ao mundo "foi para uma família que ele o enviou”.

A primeira parte do relatório é uma espécie de diagnóstico da situação da família no mundo de hoje. Começa-se reafirmando que a família, "baseada no Matrimônio de um homem e de uma mulher, é o local magnífico e insubstituível do amor pessoal que transmite a vida" (em tempos de ideologia de gênero, o documento repete diversas vezes a expressão "entre um homem e uma mulher"). O relatório explica que o sacramento do Matrimônio "é o sinal sagrado no qual se torna eficaz o amor de Deus por sua Igreja" e que, por isso, a família é uma "Igreja doméstica".

O diagnóstico da situação é então apresentado em quatro capítulos: "contexto antropológico e cultural", "contexto socioeconômico”, "inclusão e sociedade" e "afetividade e vida".

CONTEXTO ANTROPOLÓGICO-CULTURAL

A primeira constatação é que hoje "os indivíduos recebem menos apoio das estruturas sociais do que [recebiam] no passado em sua vida amorosa e familiar”. Os padres sinodais identificam e denunciam o "desenvolvimento de um individualismo exacerbado, que corrompe a natureza dos laços familiares, dando a entender que cada um é construído segundo os seus próprios desejos”.

O segundo ponto identificado é que, "em algumas regiões do mundo, observa-se uma relevante contração da incidência religiosa no espaço social”, isto é, a religião tem sido banida do espaço público e restringida ao espaço privado e familiar. Para os padres sinodais, isso representa um obstáculo para "o testemunho e a missão da família cristã no mundo atual”.

O relatório também menciona a hesitação de muitos jovens, hoje em dia, para assumir o compromisso do casamento e a queda dos índices de natalidade em algumas partes do mundo, principalmente na Europa, poderíamos precisar). Essa é consequência de diversos fatores, entre os quais destacam-se "a revolução sexual, o temor de uma superpopulação, problemas econômicos e o crescimento de uma mentalidade contraceptiva e abortista”, bem como dos efeitos da sociedade de consumo, que leva as pessoas a priorizarem um certo estilo de vida em detrimento do número de filhos.

A ideologia de gênero também é mencionada: "um desafio de grande relevo da cultura odierna emerge da 'ideologia de gênero', que nega a diferença e a complementaridade natural entre o homem e a mulher" e que promove projetos educativos e leis que desvinculam a identidade pessoal da biológica, de "macho ou fêmea" Os padres lembram que "a diferença sexual humana porta em si a imagem e semelhança de Deus", como está escrito no livro do Gênesis (1, 26-27).

O relatório também menciona os conflitos sociais, o empobrecimento e as perseguições religiosas, bem como o consequente processo migratório como outros desafios à família, e pede uma luta pela defesa dos direitos humanos no mundo, principalmente no que se refere à liberdade religiosa e de consciência. O primeiro capítulo termina lembrando que a família, embora padeça gravemente com a atual crise social e cultural, guarda ainda uma grande força, fundada "em sua capacidade de amar e de ensinar a amar”.

CONTEXTO SOCIOECONÔMICO

O segundo capítulo trata do contexto socioeconômico da família atual e começa lembrando que a família é uma "escola de humanidade" e o "fundamento da sociedade”. O mundo vive hoje uma época de acentuada fragmentação da situação de vida, em que os laços familiares - sobretudo os que vão além do núcleo familiar imediato - embora tão importantes na educação dos filhos e na transmissão de valores, são cada vez mais enfraquecidos.

Os padres pedem o empenho das autoridades na defesa "deste bem social primordial que é a família" com políticas públicas que a fortaleçam, principalmente ajudando os jovens no seu projeto de fundar uma família e permitindo que possam passar tempo com seus filhos. Também chamam a atenção para as famílias marginalizadas - sejam imigrantes, ciganos, sem moradia, refugiados ou simplesmente pobres - e pedem por uma "ecologia integral”, como diz o Papa Francisco, "que inclua não apenas a dimensão ambiental, mas também humana, social e econômica para um desenvolvimento sustentável e a proteção da criação".

FAMÍLIA, INCLUSÃO E SOCIEDADE

O terceiro capítulo desta primeira parte trata de alguns grupos de pessoas que são muitas vezes excluídos ou enfrentam dificuldades especiais na sociedade ou na vida da fé, como os idosos, os viúvos, os deficientes, as pessoas que não se casaram, os imigrantes e refugiados, as famílias fundadas sobre casamentos mistos ou com disparidade de culto e as crianças, que muitas vezes sofrem violência, abuso e exploração sexual.

A exploração e a violência contra as mulheres também são mencionadas no relatório, fenômenos que muitas vezes incluem o aborto e esterilização forçada. Os padres sugerem que "uma maior valorização de sua responsabilidade na Igreja" pode contribuir para o reconhecimento de sua importância social. O texto também chama a atenção para o papel do homem na família, principalmente no que se refere à proteção e apoio à mulher e aos filhos, bem como para os problemas oriundos da ausência paterna - seja "física, afetiva, cognitiva ou espiritual”. Finalmente, os jovens que hesitam diante do casamento ou que decidem pôr fim a uma união conjugal são também mencionados.

FAMÍLIA, AFETIVIDADE E VIDA

Por fim, o último capítulo trata da afetividade e de sua necessária formação e maturidade para a vida conjugal. "Quem quer dar amor, deve também recebê-lo como dom”, lembram os padres sinodais, chamando a atenção para a necessidade de conhecer-se interiormente e abrir-se para relações afetivas de qualidade. "O compromisso pleno de dedicação exigido no Matrimônio cristão é um forte antídoto à tentação de uma existência individual voltada para si mesma”, afirmam.

É preciso uma educação para o dom de si, o que exige acompanhamento pastoral e instrumentos educativos adequados, tendo em vista valorizar "a virtude da castidade, entendida como integração afetiva que favorece o dom de si”. Contra essa necessidade, diversas tendências se opõem no mundo atual, o que parece favorecer uma sexualidade sem limites. Os padres denunciam "a grande difusão da pornografia e da comercialização do corpo" e a prostituição, por seus efeitos nocivos na família. O relatório também afirma que o declínio demográfico é devido a "uma mentalidade antinatalista e a promoção de uma política mundial de 'saúde reprodutiva’".

Outra preocupação dos padres sinodais é com as técnicas de reprodução artificial, que separam a concepção de um novo ser humano do ato conjugal e que transformaram a vida humana em uma "realidade que pode ser composta ou decomposta, sujeita ao desejo de uma pessoa solteira ou de um casal, não necessariamente heterossexual ou casado”. Os padres pedem uma atenção pastoral adequada para cada caso e lembram que "a primeira verdade da Igreja é o amor de Cristo. Desse amor, que leva ao perdão e ao dom de si, a Igreja se faz serva e mediadora junto aos homens”.

Felipe David