Regresso do exílio

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Na audiência geral o Papa Francisco pediu que pais e mães recuperem plenamente a sua função educativa
Publicado em: 25/05/2015 - 14:00
Créditos: Edição nº 21 do Jornal L’OSSERVATORE ROMANO – página 20

“Hoje, os pais correm o risco de se auto-excluir da vida dos próprios filhos. E isto é gravíssimo!”, disseo Papa Francisco na audiência geral de quarta-feira 20 de Maio, na praça de São Pedro. Dando continuidade às suas reflexões, o Pontífice falou sobre a missão educativa da família.

Estimados irmãos e irmãs, hoje quero dar-vos as boas-vindas porque vi entre vós numerosas famílias: bom dia a todas as famílias! Continuemos a meditar sobre a família. Hoje ponderaremos acerca de uma característica essencial da família, ou seja, a sua vocação natural para educar os filhos a fim de que cresçam na responsabilidade por si mesmos e pelo próximo. O que ouvimos do apóstolo Paulo, no início, e muito bonito: “Filhos, obedecei em tudo aos vossos pais, porque isto agrada ao Senhor. Pais, não irriteis os vossos filhos, para que eles não desanimem “ (Cl 3, 20-21) . Trata-se de uma regra sábia: o filho que é educado a ouvir e a obedecer aos pais, os quais não devem mandar de uma maneira inoportuna, para não desencorajar os filhos. Com efeito, os filhos devem crescer passo a passo, sem desanimar. Se vós, pais, dizeis aos vossos filhos: “Subamos por esta escada” e pegais na sua mão, ajudando-os a subir passo a passo, as coisas correrão bem. Mas se vós dizeis: “Sobe!” – “Mas não consigo” – “Vai!”, isto chama-se exasperar os filhos, pedindo-lhes aquilo que eles não são capazes de fazer. Por isso, a relação entre pais e filhos deve ser sábia, profundamente equilibrada. Filhos, obedecei aos vossos pais, porque isto agrada a Deus. E vós, pais, não exaspereis os vossos filhos, pedindo-lhes coisas que eles não conseguem fazer. É preciso agir assim, para que os filhos cresçam na responsabilidade por si mesmos e pelo próximo.

Poderia parecer uma constatação óbvia, e no entanto também na nossa época não faltam problemas. É difícil educar para os pais que se encontram com os filhos só à noite, quando voltam para casa do trabalho cansados. Aqueles que têm a sorte de dispor de um trabalho! É ainda mais difícil para os pais separados, sob o peso desta sua condição: coitados, enfrentaram dificuldades, separaram-se e muitas vezes o filho é tomado como refém; o pai fala-lhe mal da mãe, a mãe fala-lhe mal do pai, e assim ferem-se tanto. Mas aos pais separados digo: nunca tomeis o filhos como refém! Separastes-vos devido a muitas dificuldades e motivos, a vida deu-vos esta provação, mas os filhos não devem carregar o fardo desta separação, que eles não sejam usados como reféns contra o outro cônjuge, mas cresçam ouvindo a mãe falar bem do pai, embora já não estejam juntos, e o pai falar bem da mãe. Para os pais separados, isto é muito importante e deveras difícil, mas podem fazê-lo.

Mas sobretudo uma pergunta: como educar? Que tradição temos hoje para transmitir aos nossos filhos?

Intelectuais “críticos” de todos os tipos silenciaram os pais de mil maneiras, para defender as jovens gerações contra os danos – verdadeiros ou presumíveis – da educação familiar. A família foi acusada, entre outros, de autoritarismo, favoritismo, conformismo e repressão afectiva que gera conflitos.

Com efeito, abriu-se uma ruptura entre família e sociedade, entre família e escola; hoje o pacto educativo interrompeu-se; e assim, a aliança educativa da sociedade com a família entrou em crise, porque foi minada a confiança recíproca. Os sintomas são numerosos. Por exemplo, na escola comprometeram-se as relações entre os pais e os professores. Às vezes existem tensões e desconfiança mútua; e naturalmente as consequências recaem sobre os filhos. Por outro lado, multiplicaram-se os chamados “peritos”, que passaram a ocupar o papel dos pais até nos aspectos  ais íntimos da educação. Sobre a vida afetiva, a personalidade e o desenvolvimento, sobre os direitos e os deveres, os “peritos” sabem tudo: finalidades, motivações, técnicas. E os pais só devem ouvir, aprender a adaptar-se. Privados da sua função, tornam-se muitas vezes excessivamente apreensivos e possessivos em relação aos seus filhos, a ponto de nunca os corrigir: “Tu não podes corrigir o teu filho!”. Tendem a confiá-los cada vez mais aos “peritos”, até nos aspectos mais delicados e pessoais da sua vida, pondo-se de parte sozinhos; e assim, hoje, os pais correm o risco de se auto-excluir da vida dos próprios filhos. E isto é gravíssimo! Hoje existem casos deste tipo. Não digo que acontece sempre, mas existem. Na escola, a professora repreende a criança e manda uma nota aos pais. Recordo-me de uma anedota pessoal. Certa vez, quando estava na quarta classe, eu disse uma palavra feia à professora e ela, uma mulher boa, mandou chamar a minha mãe. No dia seguinte ela veio, falaram entre elas e depois chamaram-me. Diante da professora, a minha mãe explicou-me que aquilo que eu tinha feito era feio, algo que não se devia fazer; mas a minha mãe fê-lo com muita delicadeza, dizendo-me que devia pedir desculpa à professora à sua frente. Fi-lo e depois senti-me feliz e disse: a história acabou bem! Mas aquele era o primeiro capítulo! Quando voltei para casa, teve início o segundo... Imaginai hoje, se a professora faz algo assim; no dia seguinte encontra os pais ou um deles a repreendê-la, porque os “peritos” dizem que as crianças não devem ser repreendidas assim... A situação mudou! Portanto, os pais não devem auto-excluir- se da educação dos filhos.

É evidente que esta organização não é boa: não é harmoniosa, nem dialógica, e em vez de favorecer a colaboração entre a família e as demais agências educativas, as escolas, os ginásios... contrapõe-nas.

Como pudemos chegar a este ponto? Não há dúvida de que os pais, ou melhor certos modelos educativos do passado, tinham alguns limites, não há dúvida! Mas também é verdade que alguns erros só os pais são autorizados a fazê-los, porque podem compensá-los de um modo que é impossível a qualquer outra pessoa. Por outro lado, como bem sabemos, a vida tornou-se avara de tempo para falar, meditar, confrontar-se. Muitos pais são “raptados” pelo trabalho – o pai e a mãe devem trabalhar – e por outras preocupações, confusos pelas novas exigências dos filhos e pela complexidade da vida moderna – que é assim, devemos aceitá-la como é – e encontram-se como que paralisados pelo medo de errar. Mas o problema não é só falar. Aliás, um “dialogismo” superficial não leva a um encontro genuíno entre a mente e o coração. Ao contrário, perguntemo-nos: procuramos entender “onde” estão deveras os filhos no seu caminho? Sabemos onde realmente está a sua alma? E sobretudo: queremos sabê-lo? Estamos convictos de que eles, na realidade, não estão à espera de algo mais?

As comunidades cristãs são chamadas a oferecer ajuda à missão educativa das famílias, e fazem-no principalmente à luz da Palavra de Deus. O apóstolo Paulo recorda a reciprocidade dos deveres entre pais e filhos: “Filhos, obedecei em tudo aos vossos pais, porque isto agrada ao Senhor. Pais, não irriteis os vossos filhos, para que eles não desanimem” (Cl 3, 20-21). Na base de tudo está o amor, a caridade que Deus nos concede, a qual “não é arrogante, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor... Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1Cor 13, 5-7). Até nas melhores famílias é preciso suportar-se uns aos outros, e é necessária tanta paciência para isto! Mas a vida é mesmo assim. A vida não se faz no laboratório, mas na realidade. O próprio Jesus passou através da educação familiar.

Também neste caso, a graça do amor de Cristo cumpre aquilo que está inscrito na natureza humana. Quantos exemplos maravilhosos temos de pais cristãos cheios de sabedoria humana! Eles demonstram que a boa educação familiar é a coluna vertebral do humanismo. A sua propagação social constitui o recurso que permite compensar as lacunas, as feridas, os vazios de paternidade e maternidade que atingem os filhos menos felizardos. Esta irradiação pode fazer autênticos milagres. E na Igreja estes milagres acontecem todos os dias!

Faço votos a fim de que o Senhor conceda às famílias cristãs a fé, a liberdade e a coragem necessários para a sua missão. Se a educação familiar resgatar o orgulho do seu protagonismo, os pais incertos e os filhos decepcionados serão grandemente beneficiados. Chegou a hora de os pais e as mães voltarem do seu exílio – porque se auto-exilaram da educação dos próprios filhos – e recuperarem a sua função educativa. Oremos para que o Senhor conceda aos pais esta graça: a de não se auto-exilarem da educação dos seus filhos. E isto só pode ser feito com amor, ternura e paciência.