‘As reformas até agora introduzidas pelo Papa apontam para a simplicidade, sobriedade, verdade e caridade na vida eclesial’

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<p>Presente no consistório em que o Papa Francisco criou 15 novos cardeais eleitores,&nbsp;a reforma da Cúria Romana foi a pauta principal da reunião.&nbsp;</p>
Publicado em: 24/02/2015 - 08:15
Créditos: Edição nº 3039 do Jornal O SÃO PAULO – página 23

Presente no consistório em que o Papa Francisco criou 15 novos cardeais eleitores, alguns para países que nunca tiveram cardeais anteriormente, como a Etiópia, Vietnã, Nova Zelândia, Mianmar, Tonga e Cabo Verde; e no âmbito da qual a reforma da Cúria Romana foi a pauta principal da reunião do Papa com os membros do Colégio Cardinalício, o Cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo, em entrevista ao O SÃO PAULO, comenta a escolha dos novos cardeais e afirma: “Não creio que se devam esperar ‘novidades surpreendentes’ na reforma da Cúria. As reformas até agora introduzidas pelo Papa Francisco apontam para a simplicidade, a sobriedade, a verdade e a caridade na vida eclesial”.


O SÃO PAULO – A Igreja possui muitos nomes diferentes para reuniões de seus membros com o Papa: Concílio, Sínodo, Assembleia dos Cardeais, Consistório etc. Não raro, o público leigo e mesmo os jornalistas têm dificuldade de compreender a natureza desses encontros. Poderia explicar aos nossos leitores o que são e a relevância que essas reuniões têm para a vida da Igreja?

Cardeal Odilo Pedro Scherer – As reuniões de membros da Igreja podem ser de natureza muito diversa, dependendo dos Organismos e Instituições envolvidos nessas reuniões; daí também, os nomes diversos.

Concílio é a assembleia de todos os bispos da Igreja Católica; é sempre convocado e presidido pelo próprio Papa. Trata-se da reunião mais importante da Igreja;

Sínodo dos Bispos é um organismo consultativo da Igreja, instituído pelo Papa Paulo VI no final do Concílio Ecumênico Vaticano II (1965), para expressar a participação do episcopado nas responsabilidades pela vida e a missão da Igreja. O Sínodo dos Bispo promove assembleias ordinárias e extraordinárias, sempre convocadas e presididas pelo Papa, que também aprova o regulamento das Assembleias;

Colégio Cardinalício é o organismo que congrega todos os cardeais da Igreja. “Cardeais eleitores” do Colégio são aqueles que têm menos de 80 anos de idade;

Conclave é o nome dado à assembleia dos membros eleitores do Colégio Cardinalício, com o objetivo de eleger um novo papa;

Consistório é a reunião do Papa com os Cardeais; o próprio Papa convoca e preside os consistórios, que podem ser ordinários ou extraordinários, públicos ou reservados unicamente aos cardeais. Nos consistórios ordinários participam os cardeais que estão em Roma e essas reuniões acontecem com certa regularidade, quando o Papa consulta ou informa aos cardeais sobre questões ou decisões que está para tomar. Os consistórios extraordinários acontecem mais espaçadamente e a eles são convocados todos os cardeais; nessas ocasiões, o Papa promove alguma consulta mais ampla sobre assuntos da vida da Igreja e também faz novos cardeais.

Poderia nos contar um pouco do que foi refletido e decidido durante as reuniões do Papa com os cardeais que ocorreram ao longo deste consistório?

O tema principal da reunião com Papa Francisco com os membros do Colégio Cardinalício, nos dias 12 e 13 de fevereiro, foi a reforma da Cúria Romana. A “Cúria Romana” é o conjunto de pessoas, organismos e instituições que estão a serviço da missão do próprio Papa diante da Igreja no mundo inteiro. Trata-se, portanto, do corpo de colaboradores imediatos do Papa, em Roma e no Vaticano. Os organismos da Cúria também são chamados de Dicastérios: são as Congregações, os Pontifícios Conselhos, as Pontifícias Comissões, a Rota Romana, a Signatura Apostólica e a Penitenciaria Apostólica.

Na reunião havida, o Grupo de Trabalho, encarregado pelo Papa de elaborar uma proposta de reforma da Cúria, apresentou o seu trabalho e suas propostas. Houve, depois, ampla reflexão sobre essas propostas e sobre o significado e a orientação do trabalho da Cúria.

Evidentemente, houve muitos tipos de propostas para a reforma da Cúria: a principal refere-se à eventual criação de duas novas “Congregações”: para os leigos, família e vida; e para a caridade, a justiça, paz. Mas também se falou da possibilidade de reduzir o número de Dicastérios, de reorganizar as atribuições e a distribuição dos trabalhos da eventual inserção de mais leigos nos trabalhos da Cúria e de mulheres em postos de responsabilidade.

Como e quando essas mudanças acontecerão?

As mudanças na Cúria serão explicitadas na reformulação do atual “Regulamento” da Cúria, chamado “Constituição Apostólica Pastor bonus”, do Papa São João Paulo II, (1988). Antes de ser efetivado, isso ainda poderá necessitar vários momentos de consulta e reflexão. Enquanto isso, algumas decisões sobre as reformas parciais já poderão ser implementadas. O fato é que o Papa não pode ficar sem a sua cúria e seu corpo de colaboradores; da mesma forma como um Chefe de Estado ou de Governo não poderia ficar sem seu corpo de ministros e colaboradores.

A impressão que se tem a partir dos discursos do Papa Francisco é que mais do que uma reforma estrutural da instituição, ele insiste em mudanças de atitudes dos membros da Cúria e da hierarquia…

O trabalho da Cúria precisa ser orientado pela mística da vida cristã, que é o serviço generoso, e pela missão da Igreja. Portanto, a reforma da Cúria tem por objetivo a prestação de melhor ajuda possível ao Papa na sua missão de sucessor do apóstolo Pedro. Em vários momentos da nossa reunião, refletiu-se sobre o serviço humilde, competente e dedicado de todos os servidores da Cúria Romana. Não é questão de carreira, para a satisfação de vaidades, ou de exercício de poder, mas de serviço: e quem mais está “no alto”, mais ainda deve destacar-se pelo serviço à Igreja e sua missão.

O Papa Francisco, de fato, está procurando introduzir na Igreja toda, e na Cúria também, essa autenticidade evangélica: os cristãos devem deixar-se conduzir por critérios evangélicos, como a verdade, a honestidade, a caridade, a justiça, a misericórdia e assim por diante.

Devemos esperar por surpresas nessa reforma?

Não creio que se devam esperar “novidades surpreendentes” na reforma da Cúria. As reformas até agora introduzidas pelo Papa Francisco apontam para a simplicidade, a sobriedade, a verdade e a caridade na vida eclesial. É bem verdade que, mais que mudanças nas estruturas, o Papa Francisco deseja introduzir um “novo espírito” na vida da Igreja, pedindo novas atitudes, coerentes com a fé, a vida e a missão da Igreja. Vale para quem colabora na Cúria, a hierarquia e para todos os membros da Igreja.

O que achou das escolhas de Francisco dos novos cardeais?

Na escolha dos novos cardeais, ficou claro que o Papa Francisco deseja alargar mais a abrangência do Colégio Cardinalício, de maneira que também participem dele bispos de países “de missão”, ou de regiões onde o catolicismo é minoritário e periférico. Assim, ele escolheu, na América, o arcebispo de Montevideo e da cidade do Panamá, onde não havia cardeais antes; na Ásia, escolheu cardeais para o Vietnã, a Tailândia, o Mianmar, a Nova Zelândia e as Ilhas Tonga, onde os católicos são bem poucos. O Papa Francisco está olhando para “as perifeiras”…

Padre Michelino Roberto e Rafael Alberto

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