Para Educar a Afetividade

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Publicado em: 10/03/2015 - 07:45
Créditos: Edição nº 3041 do Jornal O SÃO PAULO – página 05

Para educar a afetividade corretamente é necessário primeiramente conhecer as emoções e os sentimentos. Isso não é óbvio? Sim, mas infelizmente as coisas mais básicas parecem ser as que menos damos atenção. A todo o momento somos movidos pelos nossos sentimentos, mas não temos consciência disso. Somos dominados por emoções que nos fazem agir impulsivamente e de maneira contraditória, ferindo pessoas e a nós mesmos. Não sabemos reconhecer os sentimentos alheios; incapazes de acolher as emoções das pessoas com quem nos relacionamos.

Se não queremos continuar vivendo como “analfabetos emocionais”, é preciso aprender a dar nome às emoções para ter consciência delas.

Retomo a metáfora do artigo anterior (cf. a metáfora da casa de dois andares: a vida sensitiva e a vida espiritual). É pela escada da afetividade bem educada que os sentimentos e emoções podem ser conduzidos ao andar de cima. Conhecer os sentimentos e emoções, saber os seus nomes é um pressuposto necessário para conhecer a si mesmo e aos outros.

Em si mesmos as emoções e os sentimentos não são nem bons nem maus. A alegria, enquanto sentimento ou emoção, não é nem boa nem má. A tristeza não é, em si mesma, boa ou má. É o que fazemos com tais sentimentos que determinam se eles são bons ou maus. Se eu me alegro com o sofrimento do outro, experimento uma alegria perversa. Se eu fico triste e com raiva, quando vejo uma injustiça cometida contra uma pessoa vulnerável, demonstro uma sadia reação emocional que está fundada em uma boa formação moral.

Para educar a afetividade é preciso integrar os sentimentos e emoções na prática do bem. “As emoções e os sentimentos podem ser assumidos em virtudes ou pervertidos em vícios” (Catecismo da Igreja Católica, 1768).

A afetividade educada é que me permite conhecer e aceitar que tenha sentimentos de raiva, ódio, cólera, tristeza. Ela conduz tais emoções para o andar de cima. E é no andar de cima que se dá o discernimento das motivações desses sentimentos. É no andar de cima que os sentimentos podem ser integrados na prática do bem.

Por fim, para educar a afetividade é necessário exprimir de maneira consciente e construtiva os sentimentos e as emoções. É a afetividade educada que conduz o que foi elaborado e integrado no andar de cima para o andar de baixo. Posso exprimir sentimentos de raiva ou de alegria se estes foram integrados na virtude.

Foi uma afetividade educada que permitiu que Jesus exprimisse toda a sua raiva e cólera de maneira justa e construtiva quando ele expulsou os vendilhões do templo. Ele exprimiu sua indignação quando enfrentou a hipocrisia dos doutores da lei. Foi também uma afetividade bem educada que fez com que a sua misericórdia se exprimisse em gestos afetivos de compaixão, de tristeza e de alegria. “Em Cristo, os sentimentos humanos podem receber sua perfeição na caridade e na bem-aventurança divina” (Catecismo da Igreja Católica, 1769).

A plena realização da pessoa humana não consiste somente em que ela seja movida ao Reino de Deus unicamente pela sua vontade mas também pelos seus sentimentos e emoções.

Educar a afetividade consiste em alcançar de maneira prática o ideal que é expresso no salmo 84,3: “Meu coração e minha carne exultam pelo Deus vivo”.

Dom Julio Endi Akamine
Bispo Auxiliar da Arquidiocese na Região Lapa

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