Obras blasfemas da Bienal não são artísticas

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<p>O Publicitário&nbsp;Sílvio Medeiros concede entrevista ao O SÃO PAULO&nbsp;</p>
Publicado em: 22/10/2014 - 10:30
Créditos: Edição nº 3024 do Jornal O SÃO PAULO – página 15

O diretor de arte e publicitário Sílvio Medeiros, profissional premiado com vários Leões de Ouro em Cannes, tem a convicção que as obras que vilipendiam a fé cristã em exposição na Bienal de São Paulo não são artísticas, mas se aproximam mais de peças publicitárias apelativas. Ao SÃO PAULO, Medeiros fala também sobre ética na propaganda e da participação dos cristãos na esfera pública.

O SÃO PAULO – O uso de elementos artísticos na publicidade é uma das principais características do seu trabalho. Como você define o substantivo “Arte”?
Sílvio Medeiros – Eu definiria arte como uma busca de redenção humana, partindo do que a realidade tem de caótico, fragmentado e imperfeito, harmonizando-a aos ideais de perfeição encontrados na ordem, na unidade, na verdade, na bondade e na beleza.

A atual Bienal de Artes de São Paulo chocou os cristãos com algumas obras que afrontam a fé das pessoas, como uma imagem da Virgem Maria coberta de baratas e Cristo retratado como transexual. Isso pode ser considerado arte?
Há quem o faça, especialmente dentro das escolas de arte moderna, em que o culto à destruição do padrão estético clássico é mais forte. Para mim, como muitas obras aclamadas nas últimas décadas, soam o clichê, cinismo e apelação. São incapazes de criar empatia com o homem comum por sua distância da realidade. Acabam apenas sobrevivendo fora do pequeno círculo de galeristas, artistas e colecionadores quando geram escândalo, ganhando assim ampla coberta da imprensa. Por isso, estão muito mais próximos de peças publicitárias do que de arte. Dispensando as difíceis técnicas dos antigos mestres, possuem por consequência pouco valor intrínseco e dependem quase exclusivamente de um valor extrínseco que a mídia oferece, como poucos. Ninguém capitaliza melhor o escândalo do que a arte moderna.

O curador associado da Bienal, Benjamin Seroussi, disse que o objetivo dessas provocações é causar reflexão, já que a religião está cada vez mais presente nos dias de hoje e quer influir na política. A inclusão dessas obras na exposição trata-se de uma reação ao fato de os cristãos estarem saindo da sacristia e propondo suas ideias à sociedade?
Nem fazendo muito esforço é possível encontrar desejo de reflexão nessas peças. Essa resposta é um truque semântico e faz parte de uma estratégia maior de enquadrar o grupo de pessoas ofendidas à categoria de inimigos da liberdade e da tolerância. Só pessoas intolerantes são contra a reflexão. Mas desde quando vilipendiar uma imagem de culto é um ato de ponderação? Essas mensagens são desenhadas precisamente para violentar simbolicamente os cristãos e gerar publicidade gratuita em cima de sua natural indignação, e assim elevar os preços dessas peças no subjetivo mercado da arte. É um negócio rentável, fácil e covarde, e isso explica porque nunca “provocam reflexões”, vilipendiando a religião islâmica, em que o risco é ilimitado. Acusar o Cristianismo de ser “intolerante” ao mesmo tempo em que se ofendem cristãos e se vive numa sociedade cristã é muita contradição.

Por que a arte e a publicidade usam elementos religiosos dessa forma provocativa?
Para aumentar lembranças e memorabilidade dessas criações. Quando a ética é reduzida ao puro pragmatismo, tudo vale.

Se a Igreja se sente afrontada e fica quieta, é vista como omissa. Se reage, é tida como intolerante. Como ela deve agir nesse cenário?
A Igreja poderia se envolver mais com o campo artístico com já o fez. Uma ideia seria a criação de fundações de apoio formativo e mesmo financeiro, às inúmeras pessoas que desejariam devotar suas vidas para o campo artístico, mas que acabam abandonando o projeto por falta de escolha. Além disso, vivemos numa democracia, sob o império das leis, e todas as vezes que uma instituição se sente desrespeitada, tem o dever de reclamar seus direitos. Se não o faz, passará a mensagem de que o desrespeito foi comedido e de que está pronta para suportar ofensas maiores. Além disso, deve informar sobre os telhados a respeito da rasteira estratégia de marketing por trás dessas mostras, pois a ignorância artística fomenta esse espetáculo triste.

Você é um estudioso da opinião pública. Nesse âmbito, qual a melhor forma para expor os ideais cristãos?
É preciso falar aos corações e ao intelecto, mas sabendo que vivemos numa sociedade fragmentada, com grupos e linguagens distintas entre di, em que a quantidade de ruído é imensa. Partir das premissas do bem comum e ir avançando com clareza, sem perder a identidade própria e tampouco sem esquecer com quem se fala, me parece a maneira mais positiva de se expor. E sempre, é claro, respeitando a liberdade alheia.

Ao redor do mundo e no Brasil, vemos o advento de ações de opinião pública como o CitizenGO, em que, através da internet, o cristão pode encaminhar reivindicações a empresas e governos que têm práticas contrárias à liberdade religiosa, à família, à vida? Como vê essas iniciativas?
Vejo com bons olhos, pois são, na realidade, as ferramentas do jogo democrático à disposição de todos, e os cristãos, que não são cidadãos de segunda categoria, também precisam aprender a usar sua própria voz.

Quais os resultados a médio e longo prazo de se atacar a religião na arte e na publicidade?
A questão é complexa e precisamos ter sempre o cuidado de diferenciar manifestações justas de mero discurso de ódio e ideologia e o que se pretende de fato comunicar com tais peças. É fundamental compreender o grau de justiça contida em cada posicionamento contrário à religião antes de tecer julgamentos pré-formados, mas, em geral, quando o ataque injustificado à fé alheia se torna banal, a tendência é que os ataques passem da esfera simbólica para a esfera verbal e, depois, para a esfera física, como se verificou em muitos casos na história. A propaganda nazista, que foi uma utilização da arte e da comunicação estatal com a finalidade de minar o imaginário coletivo acerca da dignidade dos judeus, se iniciou décadas antes do holocausto. Nenhuma grande mudança na sociedade se inicia sem antes ser germinada na esfera simbólica da arte e depois na esfera verbal da literatura. Quando esses valores se tornam parte do imaginário coletivo, o passo seguinte é concretizar as ideias previamente aceitas.

Alguns segmentos de produtos, como é o caso das cervejas, sempre utilizam a mulher como objeto em seus comerciais. Por quê?
A cerveja é um produto que depende muita da percepção da sua marca, e no Brasil, especialmente nos anos 90 e 2000,algumas marcas entenderam que o momento de beber cerveja era um momento de prazer, e que, portanto, o uso do erotismo fazia sentido. Mas essa linha também virou clichê e hoje existe uma forte tendência em mudar os enfoques dessas campanhas para associá-las mais a momentos de celebração e festa.

O que deve fazer o consumidor que se sentir afrontado por algum comercial?
Pode acionar o Conar e pedir uma investigação ou mesmo a retirada de uma campanha do ar. Pode também organizar abaixo-assinados, boicotes e tudo o que o Estado de Direito permite.

Você atua em alguma causa de forma voluntária?
Ajudo no Instituto Brasileiro da Família, voltado para o desenvolvimento das famílias, desde o noivado até a fase de educação dos filhos. Vale a pena conhecer esse trabalho: http://portalibf.org.br.

Roberto Zanin