Igreja questiona políticas públicas da Prefeitura à população de rua

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Situação da população de rua chama a atenção da Igreja
Publicado em: 11/08/2015 - 09:00
Créditos: Edição nº 3063 do Jornal O SÃO PAULO – página 07

Qual a realidade da população em situação de rua em São Paulo? Pouco se sabe. O "Relatório sobre a situação da população de rua da cidade de São Paulo”, feito pela Arquidiocese de São Paulo, lança luzes sobre a questão e cobra responsabilidades do poder público.

"O primeiro passo de nossos grupos pastorais é mostrar a importância da dignidade humana, salvaguardando sua vida espiritual, moral, intelectual e familiar. Nossos agentes de pastoral têm consciência que a população de rua não é considerada como composta de cidadãos em pleno gozo de seus direitos a ponto de suscitarem, como em outras camadas sociais, o respeito e o cuidado dos órgãos de governo. Complexifica a situação o fato de que muitos vivem jogados no mundo das drogas e da violência. Em suma, em muitos casos, são vítimas de próprio poder instituído, que não parece adequadamente fazer uma leitura sociológica do modus vivendi desta gente”, consta no Documento.

O Relatório foi entregue a vereadores e à secretária municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, Luciana de Toledo Temer Lulia, na terça-feira, 28 de agosto, em reunião na Câmara Municipal de São Paulo, da qual participaram os padres Júlio Lancellotti, vigário episcopal para a Pastoral do Povo da Rua, Tarcísio Mesquita, coordenador arquidiocesano de pastoral, e Zacarias José de Carvalho Paiva, procurador da Mitra Arquidiocesana.

O documento de quatro páginas descreve a ação da Igreja Católica na cidade, bem como o trabalho que tem no acolhimento das pessoas em situação de rua, além de criticar duramente o governo municipal sobre suas ações no tratamento da população em situação de rua.

"Todos os atendimentos que a Igreja realiza só o faz na medida em que católicos da Cidade de São Paulo e do exterior conseguem investir na reconstrução do ser humano e na busca da dignidade humana. Se conseguimos realizar tanto com tão poucos recursos, o que, então, poderia fazer o governo da cidade que dispõe de recursos financeiros muito mais abundantes?".

Nessa perspectiva, o documento destaca que é papel do Estado, em primeiro lugar, "reconhecer e promover a dignidade do ser humano, defendendo e zelando pelo bem-estar físico e psicológico da pessoa". Porém, quando por diversos motivos o mesmo Estado "não cumpre adequadamente essa sua tarefa, a Igreja assume essa função como supletiva, empenhando-se em destacar as falhas, denunciar os abusos, sobretudo os atos de violência contra o ser humano. Sem o esforço ou o apoio devido de quem administra a vida pública de tal modo a socorrer os excluídos e marginalizados, a Igreja se mobiliza para obter, por meio de suas fontes de suporte material, aquilo que é necessário para atender essa parcela fragilizada, esquecida e, muitas vezes, até vitimada pela violência e descaso da sociedade”.

Ação da Igreja

O Documento destaca a promoção do ser humano que a longo de anos a Arquidiocese de São Paulo vem realizando, de forma mais particular com aqueles que padecem do descuido do poder público.

Para se ter uma ideia, por exemplo, pela Missão Belém, que acolhe em suas casas dezenas de pessoas com enfermidades crônicas ou temporárias, passam mensalmente um total de 900 pessoas, sendo que 90% são provenientes da Cracolândia.

Os números não param por aí. Atualmente, a Missão Belém possui 300 pessoas que necessitam de cuidados médicos. Destes, 35 necessitam de banho no leito, 270 não têm autonomia para ministrar seus medicamentos, 93 necessitam de curativos duas vezes ao dia, 65 fazem uso de fraldas geriátricas e 40 necessitam de cuidados na área de fisioterapia. "Tudo isso financiado pela Igreja”, afirma o Documento.

O Arsenal da Esperança é outro exemplo de entidade da Igreja que, mesmo não tendo um maior apoio do poder público, realiza um serviço de promoção e resgate da pessoa humana. De acordo com os dados do Documento, são acolhidas 623.533 pessoas ao mês, numa média mensal de 78.505 refeições.

No Arsenal há, ainda, várias esferas no campo do resgate da dignidade da pessoa humana, como no campo educacional, em que são acolhidas mensalmente 13.094 pessoas, nas atividades de leitura há a participação de 24.538 pessoas. Além disso, há a realização de cursos profissionalizantes que visam a inserção de 901 pessoas no mundo do trabalho.

Mudanças urgentes

O censo da população de rua apresentado pela Prefeitura em maio de 2015, de acordo com o Pe. Júlio Lancellotti, não traduz a realidade, nem os verdadeiros números e, muito menos, as ações que deveriam ser tomadas para atender a essas pessoas.

O Pe. Júlio, desde a divulgação do Censo pede que os dados sejam revistos. Em entrevista ao O SÃO PAULO, o Sacerdote afirmou que a Secretária de Assistência Social acenou com a possibilidade de rever o trabalho realizado e atualizar os números.

Para se ter uma ideia, é este Censo que dá as diretrizes das ações da Prefeitura no acolhimento e atendimento da população em situação de rua. Por exemplo, no campo da saúde e psicossocial, indica quantas unidades de atendimento serão construídas.

De acordo com o Pe. Júlio, os números não levaram em consideração as pessoas que estão em situação de rua, mas que temporariamente estão acolhidas nas casas das entidades ligadas à igreja Católica, o que jogou o número para baixo, consequentemente, diminuindo as ações que devem ser tomadas pela Prefeitura para acolher essa população.

Outro ponto criticado no documento é o uso de "aparelhos repressivos, que agem com surpreendente violência contra a população de rua". Em face a essas "ações desumanas do Rapa e da Guarda Municipal, o documento pede a extinção desse mecanismo de repressão.

Por fim, é pedido ao prefeito Fernando Haddad, por meio dos vereadores, a "criação de uma secretaria de governo capacitada para atender respeitosamente e de perto as organizações sociais”.

Edcarlos Bispo