Evangelizar na era da cultura digital - entrevista com Pe. Antonio Spadaro

A A
<p>Padre Antonio Spadaro concede entrevista ao O SÃO PAULO, sobre a evangelização na era da cultura digital.</p>
Publicado em: 25/07/2014 - 09:15
Créditos: Jornal O São Paulo - ed nº 3012

Imagem: Lucynei MartinsTalvez ele seja uma dos nomes mais esperados para o 4º Encontro Nacional da Pastoral da Comunicação e o 2º Seminário Nacional de Jovens Comunicadores. Diretor da revista mais antiga da Itália, La Civiltà Cattolica, é consultor de dois Pontifícios Conselhos: para a Cultura e para as Comunicações Sociais. Com a palavra o jesuíta italiano padre Antonio Spadaro.

Na entrevista exclusiva ao O SÃO PAULO, o sacerdote fala sobre a evangelização na era da cultura digital – tema do encontro do qual será um dos palestrantes –, fala sobre cybertecnologia, pastoral digital e da sua expectativa em relação ao encontro.

“Não imagino este encontro com uma série de conferências ou de puro debate abstrato, mas sim, como troca, como convergência de experiências e de vontade de compreender melhor e mais a fundo o ambiente digital. Como um momento de verificação da experiência de cada dia”, afirma.

Jornal O SAÕ PAULO – Muito se fala, hoje em dia, sobre a evangelização na era da cultura digital. Como vê essa questão?
Pe. Antonio Spadaro – O Sínodo sobre a Nova Evangelização reconheceu nos desafios da comunicação um cenário fundamental que os cristãos hoje estão chamados a compreender porque, atualmente não existe lugar no mundo que não possa ser alcançado e por isso, de ser sujeito à influencia da cultura mediática e digital que se estrutura sempre mais como o “lugar” da vida pública e da experiência social.

Evangelizar na era digital não significa, de forma alguma, fazer propaganda do Evangelho na rede, usando a rede como um mero instrumento de propaganda. Significa sim ser si mesmo como cristão e viver no ambiente digital uma vida cotidiana em tudo alimentada pela fé: visão de mundo, escolhas, orientações, gostos e também, modo de comunicar, de construir amizades e de relacionar-se fora e dentro da rede. Consequentemente, como escreveu o Papa Bento XVI, testemunhar com coerência, no próprio perfil digital e no modo de comunicar, escolhas, preferências, juízos que sejam profundamente coerentes com o Evangelho, mesmo quando não se fala explicitamente sobre ele.

O senhor tem falado sobre um fenômeno que chamou de “Cyberteologia”. O que é isso?
A lógica da Rede, com suas fortes metáforas que atuam mais no imaginário que sobre a inteligência, está modelando a capacidade de pensar e viver a fé. É fácil constatar como sempre mais a internet contribui para construir a identidade religiosa das pessoas. É aquilo que chamou de “cyberteologia”. Se a rede muda o modo de pensar e a teologia é pensar a fé, como a rede mudará o modo de pensar a fé? Mas, sobretudo: o desafio não é estar sempre up-to-date (atualizados às ultimas novidades), mas sim de compreender qual é a vocação das tecnologias digitais com relação à vida no espírito. E, sobretudo, dado que a rede tem um impacto muito forte sobre a humanidade, ocorre compreender como a sabedoria da Igreja pode ajudar a rede a ser aquilo que deve ser no plano de Deus sobre o homem e seu desenvolvimento sobre a terra.

No Brasil, nos últimos anos, houve um “boom” das redes sociais digitais. De quanto conhece, que impressões possui da presença da Igreja no Brasil nesse meio?
Primeiramente me permita uma pequena observação. As redes sociais digitais não são um meio e sim um ambiente. Posto isso, a minha experiência da Igreja no Brasil através de uma serie de encontros que participei no Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife, me faz compreender  que existe um grande entusiasmo e capacidade de presença da Igreja no espaço digital. De resto, de forma geral, a Igreja deve estar na rede por vocação. A Igreja é chamada a estar onde os homens estão. Hoje, os homens estão também na rede, portanto, a Igreja deve estar também na rede. E precisamente no ambiente digital observamos que frequentemente, até mesmo nos perfis no Facebook ou nas fotografias no Instagram, de grande valor simbólico, emergem desejos, necessidades, duvidas, tensões de caráter espiritual. A tarefa da Igreja é estar presente e também de escutar. Não é preciso pensar que a presença da Igreja significa apenas fazer coisas, ativismo. Estar presente significa também simplesmente escutar, acompanhar.

Por que o senhor afirma que o “digital” é um ambiente e não um meio? Qual a diferença?
A internet é uma realidade que atualmente faz parte da vida cotidiana. Se até algum tempo atrás, a Rede era ligada a uma imagem de algo frio, técnico, que exigia competências especificas, hoje é um lugar a ser frequentado para manter-se em contato com os amigos distantes que temos, para ler noticias, para comprar um livro ou marcar uma viagem, para compartilhar interesses e ideais. E tudo isso é possível mesmo quando estamos em movimento graças àqueles que no passado eram simples aparelhos celulares e que hoje são verdadeiros computadores de bolso.

A internet é antes de tudo, uma experiência. Enquanto se pensar (a internet) em termos instrumentais não se compreenderá nada da Rede e do seu significado. A Rede não é um conjunto de cabos, fios, modem, computador: é uma experiência que aqueles cabos e fios tornam possíveis assim como as paredes domésticas tornam possível a experiência de sentir-se em casa. A Rede é uma rede de pessoas, não de fios. Assim escreveu o papa Francisco em sua Mensagem para o dia Mundial das Comunicações deste ano. Internet é portanto um espaço de experiência que sempre mais está se tornando parte integrante, em maneira fluída, da vida cotidiana: um novo contexto existencial. A tecnologia de comunicação está criando um ambiente digital na qual o homem aprende a informar-se, a conhecer o mundo, a estreitar e manter vivos relacionamentos, contribuindo até mesmo para definir um modo de habitar o mundo e de organizá-lo, orientando e inspirando os comportamentos individuais, familiares, sociais. Somos chamados a viver bem sabendo que a Rede é parte do nosso ambiente vital, e que nele se desenvolve uma parte da nossa capacidade de fazer experiência.

Ao referir-se à internet muitos usam as expressões “ambiente real” e “ambiente virtual”. Como a Igreja trata essa relação?
É preciso sempre lembrar o que Bento XVI escreveu em sua Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações intitulada “Redes Sociais: portais de verdade e de fé; novos espaços de evangelização”. “O ambiente digital – escreve Bento XVI – não é um mundo paralelo ou puramente virtual, mas é parte da realidade cotidiana de muitas pessoas, especialmente dos mais jovens”. Esta é a posição correta: considerar o espaço digital não como inautêntico, alienado, falso ou aparente, mas como uma extensão do nosso espaço vital cotidiano, que requer responsabilidade e compromisso com a verdade.

É possível falar em uma pastoral digital nos dias de hoje?
A Internet não é um meio de evangelização. Não é porque a internet não é um meio. É um ambiente de evangelização, porque a Rede é um ambiente. Por pastoral digital entendo uma pastoral que se ocupa do homem enquanto tal, não apenas em sites ou perfis do Facebook. Uma pastoral que é atenta à presença do homem no ambiente digital: como se comunica, como se exprime espiritualmente, quais desejos manifesta. Consequentemente pensa em como acompanhar o homem neste ambiente, está atenta em como cuidar do ser humano. E esta tarefa hoje é particularmente importante e delicada.

Qual a sua expectativa em relação a esse encontro?
Não imagino este encontro como uma série de conferências ou de puro debate abstrato, mas sim, como troca, como convergência de experiências e de vontade de compreender melhor e mais a fundo o ambiente digital. Como um momento de verificação da experiência de cada dia. Imagino os jovens que desejam compreender melhor (...). Pessoalmente, espero ainda poder dizer tantas coisas, mas também de aprender. Vim ao Brasil tantas vezes falar sobre cyberteologia. Todas às vezes, retornei à Itália cheio de ideias. Estou convencido que exista uma via latina de compreensão da Rede. Atualmente vivemos dos juros da reflexão anglossaxônica, que é muito rica. Mas estou convencido que existe um caminho diferente de sociabilidade em rede, a sociabilidade latina que foca e valoriza em primeiro lugar a comunidade e depois o indivíduo. O encontro será para mim, e espero que para todos os participantes, um verdadeiro laboratório.