Catedral da Sé agora é patrimônio histórico do Estado de São Paulo

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Além do templo inaugurado em 1954, também foram tombados os monumentos do "Marco Zero" e de São José de Anchieta, bem como a Praça da Sé
Publicado em: 14/07/2016 - 10:00
Créditos: Edição 3109 do Jornal O SÃO PAULO – páginas 12-13

Localizada no coração da maior cidade da América Latina, a Catedral Metropolitana Nossa Senhora da Assunção e São Paulo (Catedral da Sé) é há 62 anos o referencial da fé e da presença da Igreja Católica na Capital Paulista. Quem entra na "igreja-mãe" da Arquidiocese de São Paulo encontra um lugar de silêncio, recolhimento e oração, mas também se depara com a manifestação da beleza expressa na arte e na arquitetura do imponente templo de pedra de 111 metros de comprimento, 46 metros de largura e 65 metros de altura (com exceção das torres), em estilo neogótico, erguido na praça da Sé.

Palco de eventos históricos da vida religiosa, política e social do País, não restam dúvidas de que a Catedral da Sé é um verdadeiro patrimônio. Isso foi confirmado em 20 de junho, quando o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) oficializou o tombamento da Catedral como patrimônio histórico do Estado de São Paulo. Além do templo, foram tombados a praça da Sé e os monumentos do "Marco zero' e de São José de Anchieta.

Tombamento é o ato de reconhecimento do valor histórico de um bem, previsto na Constituição Federal, que o transforma em patrimônio oficial, levando em conta sua função social. Destina-se a proteger o patrimônio, bens de ordem histórica, artística, arqueológica, cultural, científica, turística e paisagística.

A advogada Ana Paulo Grillo, procuradora da Fundação São Paulo, que ocupa a cadeira da CNBB junto ao Condephaat, explicou ao O SÃO PAULO que o processo para o tombamento começou há 18 anos. "O Processo de número 38971/1999 foi aberto por Lilian de Oliveira de Paiva, em 1998, por meio do Estudo de Tombamento. Lilian, à época, era uma estudante de Arquitetura, que ao realizar um trabalho acadêmico se encantou com a Catedral e identificou nela a importância de diálogo com a Cidade, junto à área em que está inserida", detalhou.

IMPORTÂNCIA HISTÓRICA

A doutora Ana Paula destacou, ainda, que o que moveu o Condephaat ao tombamento da Catedral foi "a importância histórica, cívica, política e social que o conjunto tombado desempenha, acrescida evidentemente do símbolo religioso que representa".

Nesse sentido, a Advogada ressaltou que a Catedral está diretamente ligada à formação da cidade de São Paulo, recordando a igreja-matriz inicialmente edificada em taipa de pilão, entre os anos de 1598 e 1622, no lado oposto da praça da Sé.

"Foi já no século XVIII, com a mudança dos atos sacramentais para a Igreja da Misericórdia, que a praça da Sé começou a desempenhar uma função central da atividade social para a Cidade, o que foi intensificado ao longo dos séculos XIX e XX”, explicou Ana Paula.

ORIGEM

A pedra fundamental da Catedral da Sé foi colocada em 1912, pelo primeiro arcebispo de São Paulo, Dom Duarte Leopoldo e Silva. A inauguração estava prevista para 1922, durante a comemoração do centenário da Independência do Brasil. Porém, devido à falta de verbas e a ocorrência de duas grandes guerras mundiais que atrapalharam as importações dos materiais de construção, o templo foi inaugurado somente em 1954, nas comemorações do IV Centenário da Cidade, pelo Cardeal Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta, ainda que parcialmente concluída.

CONSTRUÇÃO

A construção da Catedral desde o seu início foi muito difícil devido as suas proporções, pois tudo nela era grande. O projeto, de autoria do arquiteto Maximiliano Emil Hehl, previa que a mesma fosse construída em pedras. Para ser fiel ao projeto, foi adquirida uma pedreira em Ribeirão Pires (SP). Além dos alicerces, as pedras foram utilizadas no serviço de cantaria, nas escadas e nas principais partes externas do templo.

O projeto da Catedral esteve sob a responsabilidade de muitos engenheiros e arquitetos, mas o principal deles foi Maximiliano Hehl, que acompanhou a construção por apenas três anos, pois morreu em 1916. A construção passaria por outros arquitetos e também por algumas modificações no projeto original, tais como o mobiliário, os vitrais, a capela do Santíssimo. Para terminar as obras, foi convidado o arquiteto Luís de Anhaia Melo. As estátuas, altares laterais e o altar-mor foram confiados ao arquiteto romano Conde Bruno Apolloni Ghetti.

ESTILO

O projeto da Catedral foi muito criticado na Semana de Arte Moderna de 1922. As teorias de modernidade nacionalista da época questionavam uma obra com características européias e ainda mais gótica (medieval) na Cidade. Essas discussões influenciaram em algumas inovações nos detalhes arquitetônicos do templo. Ao redor de toda a fachada, por exemplo; em vez de gárgulas de pequenos dragões, que são comuns no estilo gótico, encontram-se figuras de animais comuns da fauna brasileira, como um sapo, um porco do mato, um macaco-prego, um gavião e um tatu. Já no interior, em cima dos capitéis, dividindo espaço com as esculturas de Dom Duarte e Pio X, encontram-se peixes, uma garça, um tatu, um tucano, além de flores de maracujá, café e guaraná. Tanto o altar-mor quanto a capela do Santíssimo foram ornados em malaquita, mármore de Siena e lazulita, cujas tonalidades são verde, amarelo e azul, respectivamente, cores da bandeira nacional.

A construção da cúpula também foi bastante discutida desde o início da obra, sendo o projeto enviado até para a Escola Politécnica de Berlim, na Alemanha. Em 1950, o Cardeal Motta pediu novos estudos com relação à colocação da cúpula. Outros projetos foram feitos, prevendo substituí-Ia por um agulhão e um terraço. Porém, a comissão executiva decidiu pela permanência da mesma.

A CRIPTA

A primeira parte da Catedral a ser concluída foi a cripta, no subsolo, onde estão sepultados o bispos de São Paulo, o Regente Feijó e o Cacique Tibiriçá, personagens importantes do início da história da Cidade. A cripta foi inaugurada em 16 de janeiro de 1919, por Dom Duarte. Destaca-se o seu piso em mármore branco e preto vindo da Itália e as esculturas feitas pelo irmão do Arcebispo, Francisco Leopoldo e Silva, em mármore de Carrara.

ÓRGÃO E SINOS

O órgão foi fabricado em Milão e é o maior da América Latina, com 10.800 tubos. Está desativado desde 1999. Já o carrilhão de sinos, localizado nas torres, é um dos maiores do País, com 61 sinos, sendo 35 acionados eletronicamente. Passou recentemente por uma reforma geral e está em pleno funcionamento.

VITRAIS E MOSAICOS

Os vitrais da Catedral também foram projetados e executados por artistas europeus. Porém, devido à 2ª Guerra Mundial, o Brasil não podia importar qualquer material da Europa. Logo, a solução deveria vir de dentro do próprio País, e surgiu pelo alemão Conrado Sorgenicht, que desenvolveu a técnica vitralista para decorar os palacetes da aristocracia paulista. Em 1947, já existiam 20 vitrais instalados com assinatura nacional da Casa Conrado. Com o fim da Guerra, os vitrais restantes foram concluídos por outros artistas europeus.

O vitral de maior destaque é a grande rosácea central colocada na fachada da igreja. Por ser muito grande, não foi colocado na época da inauguração. Encontrado intacto durante o restauro, o Vitral foi instalado em 2001. Essa rosácea também é inovadora, pois pela primeira vez, em meio a uma arquitetura sacra, era incorporado um elemento civil. No centro do grande vitral, encontra-se o brasão da cidade de São Paulo, criado por José Wastch.

Já os grandes mosaicos do apóstolo São Paulo e de Sant'Ana, que adornam os altares laterais, foram presenteados pelo Papa Pio XII, por ocasião da inauguração da Catedral.

MOBILIÁRIO

O projeto original previa grandes peças de mármore Carrara como mobiliário. Os púlpitos, por exemplo, seriam grandes pontes de mármore. Devido ao alto custo e dificuldade de importação do material na época da Guerra, o projeto foi adaptado por Anhaia Melo, em 1950, por púlpitos de madeira nogueira, de origem italiana. O restante do mobiliário, esculpido em jacarandá-bahia, foi produzido no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, como os bancos, estalas, cadeiras, confessionários, mesas e a cátedra do arcebispo. Em 1953, a Catedral já possuía oito portas externas, também confeccionadas pelo Liceu.

RESTAURAÇÃO

Fechada entre 1999 e 2002, a Catedral da Sé passou por um restauro, no qual foram concluídos os 14 torreões, previstos no projeto original. No restauro, também foram feitos os reparos de trincas, descupinização, sistema de águas, limpeza, restauração dos vitrais, elementos artísticos, mobiliário e portas, novas instalações elétricas, prevenção de combate a incêndio, recuperação da escadaria e construção de novos banheiros, reservatórios elevador para deficientes físicos entre outras melhorias.

REFERENCIAL COLETIVO

Para o cura da Catedral, Pe. Luiz Eduardo Baronto, a Sé de São Paulo é um referencial coletivo muito importante. "Em primeiro lugar, um referencial religioso. Ali é a Catedral, onde está a cátedra do arcebispo, é o templo onde a Igreja Particular de São Paulo se reúne em torno do seu bispo para as grandes celebrações. É um lugar de convergência, da vida da Arquidiocese”, disse, recordando, ainda, que a Catedral foi espaço para a realização de importantes movimentos e eventos para a vida política, e social do país, como as manifestações pelas "Diretas Já”, na década de 1980, o ato inter-religioso em repúdio à morte do jornalista Vladmir Herzog e a missa de corpo presente do operário Santo Dias.

Ao também recordar a manifestação pelas eleições diretas, a doutora Ana Paula Grillo reforçou que "a Catedral da Sé, em conjunto com a praça de mesmo nome, possuem o que se pode chamar de uma 'vocação de espaço público’".

Fernando Geronazzo
(Colaborou Igor Andrade)