A Bíblia na ponta dos dedos

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<p>A popularização dos smartphones e a Web 2.0 facilitaram o acesso a leitura e divulgação da Sagrada Escritura</p>
Publicado em: 24/09/2014 - 10:15
Créditos: Fonte: Edição nº 3020 do Jornal O SÃO PAULO – páginas 12-13

“No princípios era a Palavra, e a palavra estava junto de Deus, e a palavra era Deus…”. A leitura do Evangelho, segundo São João, embala mais um início de dia. De casa, no Jardim Vista Alegre, até o trabalho, em Higienópolis, são aproximadamente 15 quilômetros, mais de 1h30, um percurso realizado em dois ônibus.

Mesmo com o ônibus lotado, e com o sol forte de início de primavera, a experiência de ler a Bíblia pelo celular, foi, mais uma vez, diferente. Em outra oportunidade, apenas por curiosidade e para consultar um versículo bíblico, acabei lendo por completo o livro do Cântico dos Cânticos.

A facilidade de carregar a Bíblia “no bolso” aproxima essa coleção de livros milenares do dia a dia das pessoas, deixando um grande espaço na mochila ou na bolsa. Além da Bíblia propriamente dita, existem diversos aplicativos que usam trechos de livros bíblicos para meditação e oração, como a liturgia das horas e a Lectio divina, por exemplo.

Os aplicativos (Apps)

O surgimento da Web 2.0, em 2004, e o aumento do número de dispositivos móveis, como os smartphones – celulares inteligentes –, tornaram mais dinâmico o acesso a conteúdos online que, necessariamente, não estão na internet.

De acordo com o estudo da empresa de consultoria International Data Corporation (IDC), publicada no início deste mês, as vendas de smartphones no Brasil durante o segundo trimestre de 2014 somaram 13 milhões de aparelhos comercializados, um crescimento de 22% em relação ao mesmo período de 2013, número recorde.

Além disso, a ideia da Web 2.0 não se refere à atualização nas especificações técnicas, e sim a uma mudança na forma como ela é percebida por usuários e desenvolvedores, ou seja, o ambiente de interação e participação que hoje engloba inúmeras linguagens. A Web 2.0 aumentou a velocidade e a facilidade de uso de diversos aplicativos.

Em uma busca da palavra ‘bíblia’ nas lojas de vendas de aplicativos da Apple e da Google são achados mais de 250 e 400 itens, respectivamente, que levam na composição do nome do aplicativo a palavra ‘bíblia’ – esses itens variam desde jogos ao livro propriamente dito.

Desses aplicativos, há um que, somando os downloads das duas lojas virtuais, tem mais de 180 milhões de dispositivos no mundo que o instalaram. Com ele é possível, não apenas ler a Sagrada Escritura, mas escolher um idioma específico, criar amizades dentro do próprio App – como uma rede social –, fazer marcações, compartilhar passagens específicas, adicionar anotações, entre outras atividades.

O setor “mobile” da Canção Nova criou o aplicativo “Diário da Palavra”, apenas para iPad. Com ele é possível, além da leitura do conteúdo, a marcação de versículos, páginas e anotações de comentários.

Para fazer a leitura do conteúdo é possível utilizar o recurso folhear, passando por cada página. Entretanto, se o interesse for em uma informação específica, o usuário pode utilizar a busca localizada no canto superior direito da tela, que pode ser feita por: “traduções”, “livros”, “capítulos” e “versículos”.

Outra forma de fazer o estudo bíblico é clicar, por alguns segundos, no versículo escolhido. Em seguida, é exibida na parte inferior da tela uma barra com quatro opções. As duas primeiras possibilitam compartilhar o conteúdo selecionado através das redes sociais como Twitter e Facebook.

Há, ainda, aplicativos que fazem o usuário ter contato com a liturgia das horas, por exemplo, em dispositivos que usam o sistema IOS (iPhones e iPads), é possível usar o aplicativo “iLiturgia”. Com um layout de fácil acesso, o App apresenta ao usuário o tempo litúrgico que a Igreja está celebrando, o santo do dia e a cor litúrgica para aquela celebração.

Com esse aplicativo, é possível celebrar o oficio das leituras, as laudes, as horas terça, sexta e nona, além das vésperas e das completas. O App permite que seja feita a oração do rosário apresentando todos os mistérios e, para que o usuário não se perca nas Ave-Marias, existe um botão para ser tocado e ao final para contabilizar as vezes que a oração já foi realizada.

Uma experiência que se multiplica e se compartilha

Em tempos de rede, o verbo “compartilhar” assumiu uma proporção ainda maior. Em alguns cliks, qualquer usuário consegue tornar público um pensamento e uma tarefa que está sendo realizada. Assim, as experiências e contatos com a Palavra de Deus são vividas intimamente, em um primeiro momento, porém, logo são tornadas públicas nas redes sociais.

Por esse questão, muitos dos aplicativos facilitam ao usuário que ao ler uma passagem, ao meditar um salmo, ao rezar com o trecho do Livro Sagrado, pode compartilhar o conteúdo em suas redes sociais.

Nas redes sociais, por sua vez, a experiência de compartilhamento da Bíblia – e consequentemente, sua divulgação –, tem sido feito em grandes proporções. Em uma das redes mais populares no Brasil, o Facebook, há centenas de grupos e páginas dedicadas ao estudo bíblico, à divulgação de atividades relacionadas à leitura Bíblica e mais uma dezena de atividades e iniciativas.

Uma dessas páginas, por exemplo, é a do Centro Bíblico Verbo, que como se define é: “Um centro de estudos que há 25 anos está a serviço do Povo de Deus, desenvolvendo uma leitura exegética, comunitária, ecumênica e popular da Bíblia. O Centro Bíblico Verbo produz os materiais bíblicos e oferece cursos regulares de formação bíblica, em diferentes modalidades”.

Na página da entidade é possível encontrar reflexões voltadas para auxiliar na Catequese e nos grupos e círculos bíblicos, além das fotos das diversas formações que o grupo desenvolve pelo Brasil afora.

Uma história que se modificou com passar dos anos

No dia 30 de setembro, celebra-se São Jerônimo, presbítero e doutor da Igreja. Neste dia, também, é comemorado o “Dia da Bíblia”, pois o santo foi o responsável pela tradução da Sagrada Escritura a partir dos textos originais e a revisão da antiga versão latina. Isso ainda por volta do ano 405, no século V.

Dez séculos depois, em 1455, Johannes Gutenberg, inventor e gráfico alemão, produzia a primeira Bíblia impressa. Uma cópia completa dessa Bíblia possui 1.282 páginas, com texto em duas colunas; a maioria era encadernada em dois volumes.

Hoje, em pleno século XXI, é possível ler a Bíblia na “palma da mão” e acessá-la a qualquer momento e em qualquer lugar. “Como não tiro o celular da mão é uma forma de estar em contato com a Palavra de Deus”, afirmou o estudante de Filosofia Marcus Túlio.

Marcus comenta que sempre que tem uma oportunidade, aproveita para ler a Bíblia, ou rezar a liturgia das horas, mas ainda destaca que, por mais que os aplicativos facilitem o acesso a Palavra de Deus, se a “pessoa não tiver uma intimidade com o livro, dificilmente se ‘encantará’ pelo App”.

O jovem atua em sua paróquia na Liturgia e Catequese e afirma que sempre que precisa dar uma formação usa o tablet e o aplicativo da Bíblia. De acordo com ele, as catequistas mais idosas “acham o máximo”, e mesmo não tendo muita intimidade com os Apps, surpreendem ele com as perguntas: “Você tem ‘Face’? Posso te adicionar?”.

Outro jovem que faz uso da Bíblia em seus dispositivos eletrônicos é Everton Calício. Ele utiliza há aproximadamente três anos, como “uma forma que encontro, para estar em contato com minha fé, no dia a dia corrido, já que estudo e trabalho”.

O uso que ele faz do App da Bíblia é mais para consulta de versículos e meditação, além da Lectio divina. Para Everton, os aplicativos da Bíblia auxiliam sim, mas “é claro, que o ambiente, na minha opinião, faz toda a diferença. Por exemplo, sinto que minha oração tem mais fluidez dentro de uma igreja do que dentro do ônibus, no smartphone, porque lá, a chance de eu me dispersar é maior”.

Para o Doutor em comunicação e semiótica e assessor do Centro de Estudos Bíblicos (Cebi), Rafael Rodrigues da Silva, há duas avaliações para serem feitas sobre o uso da Bíblia em dispositivos eletrônicos. De uma forma mais positiva, analisa Rafael, a popularização desses dispositivos serve como uma maneira de evangelização. “E assim pode ser visto como positivo, porque você vai disseminando o uso da Bíblia, a leitura dos textos e certa espiritualidade”, afirma.

Por outro lado, Rafael comenta que essas novas tecnologias podem tirar a dimensão do texto escrito, do instrumento da leitura e, até mesmo, do papel, da dimensão da Palavra no papel. De acordo com ele, há outra relação com o texto sagrado, quando lido em um dispositivo eletrônico ou quando lido no papel.

O assessor do Cebi confessa que possui o aplicativo da Bíblia em seu tablet e usa sempre que precisa achar, de uma forma mais rápida, uma passagem, ou um texto. Rafael salienta que não se pode transformar a leitura, por meio de Apps, na única forma de ler a Bíblia, por mais que os dispositivos estejam colocando a Palavra mais próxima dos jovens, é preciso buscar trabalhar as duas dimensões.

Já Welder Lancieri Marchini, mestrando em Ciências da Religião, que escreveu um estudo na área pastoral sobre a “catequese e as novas tecnologias”, destaca que o uso dos dispositivos eletrônicos “está mudando o modo de nos relacionarmos com os conteúdos”. Por mais que o leitor não tenha o livro físico, o uso do dispositivo pode tornar o livro acessível. Na concepção dele, “isso muda a Catequese não o princípio catequético”.

Welder afirma não ter uma visão “nem positiva, nem negativa”, apenas que isso é uma característica do mundo moderno. “Isso é próprio do mundo em que vivemos, as pessoas estão usando esses meios e isso vai mudar a forma como nos relacionamos, inclusive com a Palavra de Deus”, concluiu.

Questionado sobre o uso desses dispositivos durante a liturgia, Welder afirma não ter pensado nesse uso, mas não vê “que isso traria uma mudança nos conteúdos da fé ou nos símbolos, a Palavra de Deus não é o papel, se eu tenho um tablet eu tenho a Palavra de Deus do mesmo modo, mas do que o papel, ela é a mensagem”.

Welder destacou que é preciso trabalhar com as catequistas “a atitude de perder o medo das novas tecnologias”, pois elas estão cada vez mais “presentes na vida dos catequizandos e se o catequista tem medo disso, porque ele tem medo de não dar conta da turma, dos anseios do catequizando, ele só vai perder. Se, por outro lado, ele assimila isso, ele vai ganhar o catequizando. Não é uma questão de ser contra os meios tecnológicos, mas é de assumir o catequizando que usa isso”.

Edcarlos Bispo