Pega o ladrão! A ladra também!

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29/06/2015 - 15:00

Pega o ladrão! A ladra também!

(Breve ensaio sobre sete advertências do Papa Francisco)

 

      Em 2003, o médico e romancista afegão, Khaled Husseini, publicou o romance que celeremente correu o mundo, intitulado: “O caçador de pipas”, que conta a história do convívio entre dois meninos, ressaltando episódios quase heroicos, como também registrando em palavras a profundidade de sentimentos que machucam, roubam e matam como, por exemplo, ciúme e inveja. Em dado momento, o autor faz uma bonita reflexão sobre o roubo, chamando-o de pecado, aliás, segundo o escritor, o único pecado existente. “Qualquer outro – frisa Husseini – é simplesmente a variação do roubo. Quando você mata um homem, está roubando uma vida. Está roubando à esposa, o direito de ter um marido, roubando dos filhos um pai. Quando mente, está roubando de alguém o direito de saber a verdade. Quando trapaceia, está roubando o direito à justiça...”. Husseini evidentemente, não é teólogo, é romancista, mas o que disse se posiciona ao lado do que é verdadeiro. Teria o papa Francisco lido esse livro, quando ainda cardeal na capital portenha? É possível. O fato é que por 

sete vezes na sua Exortação ApostólicaEvangelii Gaudium – A Alegria do Evangelho – o papa adverte:

NÃO NOS DEIXEMOS ROUBAR...

 

         Será um grande desastre e uma enorme derrota se nos deixarmos roubar aquilo que temos de mais precioso. No nosso caso de cristãos, ao falar de roubo, não estamos falando de pouca coisa. Estamos falando de toda riqueza espiritual da Igreja por ela herdada de Jesus Cristo. A Igreja é a detentora e depositária de toda a plenitude dos meios de salvação, como diz claramente o Concílio Vaticano II, em seu Decreto sobre o ecumenismo.

Roubo é subtração de bens que pertencem a outrem, até mesmo usando de violência.

         Ou será que em mim, em nós, há sinais doentios de cleptomania, em que manifestamos a capacidade de tirar riquezas de nós mesmos só para nos sentir livres de compromissos de carregar as mais belas riquezas interiores e as cruzes que se nos apresentam naturalmente ao longo dos nossos dias?... Que o Espírito Santo nos torne capazes de não nos fecharmos em nós mesmos, mas de enfrentar a vida com coragem contando com os dons da fé e da esperança sempre.

 

Primeira advertência: Não nos deixemos roubar o entusiasmo missionário

         Nada mais positivo do que o cristão falar de entusiasmo missionário. Os que se dedicam a estudar a raiz das palavras e o seu percurso semântico através do tempo, dizem que etimologicamente entusiasmo significa “ter um deus interior que impulsiona”. Pois bem! Também nada melhor que isso porque,de fato, nós cristãos temos, não um deus imaginário, mas um Deus pessoal, um Deus que intervém na História e até enviou seu Filho na Plenitude dos Tempos para nos impulsionar para a missão. Ele nos envia:“Vão”. “Ensinem”. “Batizem”. “Façam observar tudo o que ordenei”. O nosso Deus interior, o Deus-entusiasmo tem nome. É Jesus Cristo, junto com o Pai que cria e recria e o Espírito Santo que sopra sem cessar sobre a obra da criação para santificá-la, acalentá-la e fazê-la crescer. Continuemos a falar do entusiasmo missionário.Ele é um grande tesouro. Um tesouro que, no entanto, “carregamos em vasos de barro, para que todos reconheçam que esse incomparável poder pertence a Deus e não é propriedade nossa” (2Cor 4,7). O entusiasmo missionário, em verdade, é assim: “Somos atribulados por todos os lados, mas não desanimamos; somos postos em extrema dificuldade, mas não somos vencidos por nenhum obstáculo; somos perseguidos, mas não abandonados; prostrados por terra, mas não aniquilados” (2 Cor 4, 8-9). São Paulo fala e assim procede. Também o papa Francisco assim fala e assim dá forte testemunho: “Para manter vivo o ardor missionário, é necessária uma decidida confiança no Espírito Santo, porque Ele “vem em auxílio da nossa fraqueza” (Rm 8,26). Mas esta confiança generosa tem de ser alimentada e, para isso, precisamos invocá-lo constantemente. Ele pode curar-nos de tudo o que nos faz esmorecer no compromisso missionário [...]. Não há maior liberdade do que a de se deixar conduzir pelo Espírito... permitindo que Ele nos ilumine, guie, dirija e impulsione para onde Ele quiser” (Evangelii Gaudium, n. 280).

         Uma constatação: Para que alguém chegue a roubar-nos o entusiasmo missionário é preciso que o tenhamos agora ou que o tenhamos tido no passado, pois ninguém nos roubará o que não possuímos.

         Ainda insistimos: o que é ter entusiasmo missionário? Identificando-nos com o Cristo é:

- dar a vida por amor;

- ajudar a tantas pessoas a curar os males de seu corpo e de sua alma;

- ajudar a tantas pessoas a morrer em paz;

- ajudar a tantas pessoas a levantar-se depois que caíram escravas de diversos vícios;

- difundir, comunicar valores em ambientes hostis;

- oferecer sua vida e seu tempo com alegria (cf. Evangelii Gaudium, n. 76).

         O papa Francisco reconhece que até mesmo a globalização apresenta valores e oferece possibilidades, contudo, também arrasta um volume incrível de forças contrárias, capazes de combalir-nos. Assim, por exemplo, por parte de agentes pastorais há uma preocupação exagerada na busca de espaços pessoais “que leva a viver os próprios deveres como mero apêndice da vida” – diz o papa latino-americano. Nota-se “uma acentuação do individualismo, uma crise de identidade e um declínio de fervor” (n. 78).

          Em meio à cultura midiática há agentes pastorais que “desenvolvem uma espécie de complexo de inferioridade que os leva a relativizar ou esconder sua identidade cristã e [...] assim não se sentem felizes com o que são nem com o que fazem, não se sentem identificados com a missão evangelizadora (Evangelii Gaudium, n. 79). O que pode roubar o entusiasmo missionário é esse relativismo. Trava-se verdadeira batalha entre o entusiasmo missionário  e esse ladrão que quer levá-lo embora. O ladrão, astuto como é, até negocia. Leva embora o entusiasmo e oferece em troca mais tempo livre para preencher a zona de conforto. Dessa forma, o entusiasmo missionário esmorece e deixa de ser “uma resposta alegre ao amor de Deus” (Evangelii Gaudium, n. 81). O papa sugere o que ele vive: “uma espiritualidade que impregne a ação e a torne desejável” (n. 82).

 

Trindade santa, por ti, todos fomos criados, por ti, todos somos amados; eu e muitos outros fomos lavados no Batismo e confirmados pelo Dom do Espírito. No entusiasmo missionário, eu e outros estamos sujeitos a vacilações, a retrocessos e a desistências. Quando deixamos de vigiar como devíamos, nos damos conta de que ladrões e ladras, levaram o nosso entusiasmo missionário ou o deixaram ferido à beira do caminho. Senhor, somos filhos e herdeiros teus. Não permite esse nosso grosseiro descuido.Sustenta-nos no alto do serviço para encontrarmos alegria nos desafios e coragem ao encará-los em companhia de outros irmãos e irmãs.

 

Segunda advertência: Não deixemos que nos roubem a alegria da evangelização

         Seja-nos permitido começar pelo inverso. O que marca a tristeza?  Instalar-se como centro do mundo e mesmo assim ainda sentir-se incomodado, nada plenificado. Tristeza é isolamento. É impor minha opinião porque ela vale mais. Minhas ações merecem todo o destaque dentre as demais. Minhas decisões são as melhores. Tristeza é a busca de prazeres fugazes. Uma vez encontrados, vividos, não satisfazem e tem-se a necessidade de buscar outros mais. Outros mais, que também não saciam. A alegria, aquela sensação de estar lidando com algo grandioso, que satisfaz, que sacia, está na outra ponta. É de modo todo especial um dom com que conta o cristão. A alegria tem sua sustentabilidade. O papa Francisco, no dia mundial das missões, em 8 de junho de 2014, disse muito bem: “O Pai é a fonte da alegria. O Filho é a manifestação e o Espírito Santo é o animador”. Jesus disse aos apóstolos que ele iria morrer, mas que voltaria ressuscitado. “Vocês ficarão tristes, mas a tristeza de vocês se transformará em alegria” (Jo 16,20). E dois versículos adiante: “Quando vocês tornarem a me ver, vocês ficarão alegres, e essa alegria ninguém tirará de vocês” (v.22). Nesse espírito os bispos da América Latina e do Caribe souberam se expressar assim: “Conhecer Jesus é o melhor presente que qualquer pessoa pode receber: tê-lo encontrado foi o melhor que ocorreu em nossas vidas, e fazê-lo conhecido com nossa palavra e obras é nossa alegria” (Documento de Aparecida, n. 29). Dito isso, dá para entender o que é a alegria da evangelização e o que se há de fazer para que ninguém a roube. Pois “em qualquer forma de evangelização, o primado é sempre de Deus, que quis chamar-nos para cooperar com ele e impelir-nos com a força do seu Espírito... a iniciativa pertence a Deus ´porque Ele nos amou primeiro´(1Jo 4,19) e é ´só Deus que faz crescer´ (1Cor 3,7).

         A quem deve visara alegria da evangelização? “A alegria do Evangelho é para todo mundo, não se pode excluir ninguém” (Evangelii Gaudium n. 23). No entanto, em outro lugar o papa emenda: “...mas sobretudo aos pobres e aos doentes, àqueles que muitas vezes são desprezados e esquecidos, “àqueles que não têm com que retribuir” (Lc 14,14; Evangelii Gaudium n. 48). Qual a razão disso? É que a “opção pelos pobres é mais uma categoria teológica que cultural, sociológica, política ou filosófica” (Evangelii Gaudium n. 198).

         E qual deverá ser o espírito da nova evangelização, além de ser alegre por ser exercida sob a iniciativa do Senhor? “Quando se diz que uma realidade tem “espírito”, indica-se habitualmente uma moção interior que impele, motiva, encoraja e dá sentido à ação pessoal e comunitária [...]. “Uma evangelização com espírito é uma evangelização com o Espírito Santo, já que Ele é a alma da Igreja evangelizadora” (Evangelii Gaudium n. 261).

Não se pode dizer que a evangelização, hoje, seja mais difícil do que em outros tempos. O papa não acha bom que pensemos assim. O papa tem o pensamento de que hoje é diferente, não mais difícil (cf. n.263).

Se nos roubarem a alegria da evangelização, nos roubarão o Mestre, Jesus Cristo. E nos sentiremos isolados, desamparados, sós como Maria Madalena. Para dois apóstolos ela disse: “Tiraram do túmulo o Senhor, e não sabemos onde o colocaram ” (Jo 20,2). E depois para os anjos, justificando seu choro: “Levaram o meu Senhor, e não sei onde o colocaram” (Jo 20, 13). Pior aqui. É-nos roubado o Senhor ressuscitado. É-nos roubada a alegria. A razão da nossa alegria. Diz o Catecismo da Igreja Católica que “a alegria é um dos frutos do Espírito, os quais são perfeições que o Espírito Santo modela em nós, como primícias da glória eterna” (n. 1832).

Para que isto não nos aconteça o ideal cristão convida sempre a superar a suspeita, a desconfiança permanente, o medo de sermos invadidos [roubados] (cf. Evangelii Gaudium n. 88). “O Evangelho convida-nos sempre a abraçar o risco do encontro com o rosto do outro” [...], com a sua alegria contagiosa permanecendo lado a lado” (n. 88).

 

Rezemos junto com o papa, com as palavras do papa:

“Espírito Santo, peço-lhe que venha renovar, sacudir, impelir a Igreja numa decidida saída para fora de si mesma a fim de evangelizar todos os povos” (Evangelii Gaudium n. 261).

 

 

Terceira advertência: Não deixemos que nos roubem a esperança

         O roubo da esperança é a pior coisa que nos pode acontecer. Com a desesperança o que se pode produzir? No dizer do papa, a “desertificação espiritual”. Mas o que é isso? É “fruto do projeto de sociedades que querem construir sem Deus ou que destroem as suas raízes cristãs” (Evangelii Gaudium n. 86). Ainda assim não está tudo perdido. Deus não permitirá. Olhe-se para a natureza. Hoje, até do xisto, uma rocha do deserto, se extrai petróleo. Lá no deserto, diz o papa, “somos chamados a ser pessoas-cântaro para dar de beber aos outros. Às vezes o cântaro transforma-se numa pesada cruz, mas foi precisamente na Cruz que o Senhor, trespassado, se nos entregou como fonte de água viva” (n. 86). Por isso o veemente apelo: “Não deixemos que nos roubem a esperança” (idem).

         Vivendo no mundo, comunicando-nos com o mundo “somos convidados a dar a razão da nossa esperança” (Evangelii Gaudium n. 271), porém, sem o dedo em riste contra quem quer que seja, mas com humildade e respeito. Foi assim que os apóstolos “ganharam a simpatia de todo o povo” (At 2,47; cf.4.21.33; 5,13). Contudo, todo cuidado é pouco. “Pode acontecer que o coração se canse de lutar, porque, em última análise, se busca a si mesmo num carreirismo sedento de reconhecimentos [...], então a pessoa não baixa os braços, mas já não tem garra, carece de ressurreição” (Evangelii Gaudium n. 277). “Se a nossa esperança é somente para esta vida [ou nem isto], nós somos os mais infelizes de todos os homens” (1Cor 15,19).

         O Reino de Deus jamais se extingue, mas se desenvolve como pequenina semente “que cresce no meio do joio (cf. Mt 13, 24-30) e sempre nos pode surpreender positivamente: ei-la, que aparece, vem outra vez, luta para florescer de novo. A ressurreição de Cristo produz por toda parte rebentos deste mundo novo; e, ainda que os cortem, voltam a despontar, porque a ressurreição do Senhor já penetrou a trama oculta desta história; porque não ressuscitou em vão. Não fiquemos à margem desta marcha da esperança viva” (n. 278).

 

Ó Senhor, quem somos sem esperança? Infelizes, galhos secos, becos sem saída, viventes sem sentido, sem destino, sem razão para amar, abraçar, doar-nos.Sobra-nos a escuridão como horizonte. Como o papa Francisco concluiu a sua recém-publicada encíclica ecológica, assim podemos nós concluir o nosso clamor elevado ao Senhor: “caminhemos cantando. Que nossas lutas  e nossas preocupações por este planeta não nos tirem a alegria da esperança” (Laudato si, n. 244).Senhor, unidos a ti e à tua serva, Santa Teresa de Jesus, ousamos dizer ainda: “Espera, ó minha alma, espera. Ignoras o dia e a hora. Vigia cuidadosamente, tudo passa com rapidez, ainda que tua impaciência torne duvidoso o que é certo e longo um tempo bem curto. Considera que quanto mais pelejares, mais provarás o amor que tens a teu Deus e mais te alegrarás um dia com teu Bem-Amado em gozo e deleite que não podem ter fim” (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1821).

 

Quarta advertência: Não deixemos que nos roubem a comunidade

         O que é a comunidade?

“É uma fraternidade mística”:

- que ajuda a vivenciar a grandeza sagrada da convivência;

- que ajuda a abrir o coração ao amor divino com o intuito de procurar a felicidade dos outros;

- que sabe ser sal da terra e luz do mundo;

- que busca uma pertença evangelizadora (cf. Evangelii Gaudium n. 92).

- É lugar no qual exercemos da melhor maneira o amar o próximo como a nós mesmos;

- é lugar em que temos possibilidade de ensinar e aprender;

- é lugar privilegiado para perdoar e sermos perdoados;

- é lugar de praticar com muita humildade e esforço a grande virtude da paciência para atingir maior grau de crescimento espiritual.

Quem são os ladrões e as ladras da comunidade?

- O individualismo que se recusa a dividir, compartilhar;

- o mundanismo que busca a glória humana e o bem-estar pessoal. Um mundanismo que “não traz o selo de Jesus Cristo, encarnado, crucificado e ressuscitado, mas a marca dos que não saem à procura dos que andam perdidos nem das multidões sedentas de Cristo” (Evangelii Gaudium n. 95);

- a corrida na busca da vanglória e de poder.

 

Senhor, esperamos, desejamos que as comunidades religiosas, as comunidades paroquiais sejam de fato fraternidades e sororidadesmísticas. Não somos concorrentes entre nós. Estamos todos correndo atrás de Jesus Cristo, procurando o interesse do maior número de pessoas, a fim de que sejam salvas (1 Cor 10,33). Ajuda-nos, Senhor, a alcançar nossa meta. Associamo-nos ao apóstolo Paulo que reconheceu sua fraqueza e depositou sua plena confiança no Senhor. “Lanço-me em direção à meta, em vista do prêmio do alto, que Deus nos chama a receber em Jesus Cristo” (Fl 3,14).

 

Quinta advertência: Não deixemos que nos roubem o Evangelho

         “A alegria do Evangelho é tal que nada e ninguém no-la poderá tirar”, diz o papa com base em João (16,22; Evangelii Gaudium n. 84). Evangelho não é exposição de uma doutrina, mas a vida de uma pessoa. Vida de uma pessoa especial, salvadora, divina, encarnada. A pessoa de Jesus Cristo.

         É possível que uma enxurrada de mundanismos nos leve embora o Evangelho. Isso pode acontecer quando “negamos a nossa história de Igreja, que é gloriosa por ser história de sacrifícios, de esperança, de luta diária, de vida gasta no serviço, de constânciano trabalho fadigoso” (Evangelii Gaudium  n. 96). Já com todo o esforço de que somos capazes, temos dificuldade de manifestar a beleza do Evangelho. Imagine-se como ficarão as coisas se houver concordância com as ondas do mundanismo (cf. n. 195).

          O Evangelho “é a alegria de um Pai que não quer que se perca nenhum dos seus pequeninos” (Evangelii Gaudium n. 237), pois todos fomos criados para aquilo que o Evangelho nos propõe: a amizade com Jesus e o amor fraterno” (n. 265).

         As tentações são muitas. Os ladrões à espreita são numerosos quando se tem de enfrentar tarefas que não nos dão a satisfação desejada, quando as mudanças esperadas são lentas. Aí o que pode suceder? “O Evangelho, que é a mensagem mais bela que há neste mundo, fica sepultado sob muitas desculpas” (Evangelii Gaudium n. 277).

 

Como pode, Senhor, alguém nos roubar o Evangelho? O Evangelho não és tu? O Evangelho não é a tua Boa Nova? Santa Teresinha do Menino Jesus é exemplo para mim, para nós no sentido de buscar com toda profundidade as riquezas inesgotáveis do Evangelho, pois ela declara: “é acima de tudo o Evangelho que me ocupa durante as minhas orações; nele encontro tudo o que é necessário para a minha pobre alma. Descubro nele sempre novas luzes, sentidos escondidos e misteriosos” (in Catecismo da Igreja Católica n. 127). O Evangelho é vida. Vida sempre. Vida tua, Senhor, que venceste o mundo. Que o Evangelho não nos falte jamais e que sejamos capazes de sustentar a nossa fidelidade a ele. Amém.

 

Sexta advertência: Não deixemos que nos roubem o ideal do amor fraterno

         O papa Francisco é bem explícito: “Toda a experiência autêntica de verdade e de beleza procura, por si mesma, a expansão; e qualquer pessoa que viva uma libertação profunda adquire maior sensibilidade face às necessidades dos outros. E uma vez comunicado, o bem radica-se e se desenvolve. Por isso quem deseja viver com dignidade e em plenitude, não tem outro caminho senão reconhecer o outro e buscar o seu bem” (n.9).

         Nosso amor fraterno é uma extensão de nós para além de nós mesmos. Como diz o papa, é “primariamente uma atenção prestada ao outro “considerando-o um só consigo mesmo” (São Tomás de Aquino). E o papa continua: “Esta atenção amiga é o início de uma verdadeira preocupação pela sua pessoa e, a partir dela, desejo procurar efetivamente o seu bem. Isto implica apreciar o pobre na sua bondade própria, com o seu modo de ser, com a sua cultura, com a sua forma de viver a fé. O amor autêntico é sempre contemplativo, permitindo-nos servir o outro não por necessidade ou vaidade, mas porque ele é belo, independentemente de sua aparência: “Do amor, pelo qual uma pessoa é agradável à outra, depende que lhe dê algo de graça” (São Tomás). E o documento papal prossegue: “Quando amado, o pobre ´é estimado como de alto valor” (São Tomás), e isto diferencia a autêntica opção pelos pobres de qualquer ideologia, de qualquer tentativa de utilizar os pobres ao serviço de interesses pessoais ou políticos. Unicamente a partir desta proximidade real e cordial é que podemos acompanhá-los adequadamente no seu caminho de libertação. Só isto tornará possível que os pobres se sintam, em cada comunidade cristã, como ´em casa´. Não seria este estilo a maior e mais eficaz apresentação da boa nova do Reino?” (João Paulo II; Evangelii Gaudium n. 199).

         Em uma passagem um pouco mais à frente, Francisco vai dizer: “Cada vez que nos encontramos com um ser humano no amor, ficamos capazes de descobrir algo de novo sobre Deus”. “Cada vez que os nossos olhos se abrem para reconhecer o outro, ilumina-se mais a nossa fé para reconhecer a Deus. Em consequência disto, se queremos crescer na vida espiritual, não podemos renunciar a ser missionários. A tarefa da evangelização enriquece a mente e o coração, abre-nos horizontes espirituais, torna-nos mais sensíveis para reconhecer a ação do Espírito, faz-nos sair dos nossos esquemas espirituais limitados” (Evangelii Gaudium n. 272).

 

Senhor Jesus, “tu és o evangelizador por excelência e o Evangelho em pessoa”. Identificaste-te especialmente com os mais pequeninos. Assim recordas a nós cristãos e cristãs de que somos chamados a cuidar dos mais frágeis da Terra. Desse modo, ajuda-nos a ter boa percepção da realidade ao nosso redor, a ter sensibilidade diante das necessidades dos outros, a reconhecer o outro, a ter preocupação com o outro para que atinja seu bem almejado, principalmente, se esse se situar onde se situa a tua vontade, Jesus. Somos todos frágeis e limitados, mas se nos dermos as mãos teremos a tua força para avançare gozarmos de grande proximidade contigo.

 

Sétima advertência: Não deixemos que nos roubem a força missionária

         Existe o perigo de nos ser roubada a força missionária, mas diante dessa tentação,Deus nos dá os meios para sairmos dela vitoriosos (cf. 1Cor 10,13). Paulo confessa que o Senhor lhe disse: “Para você basta a minha graça, pois é na fraqueza que a força manifesta todo o seu poder” (2Cor 12,9). Em vista disso, Paulo acrescenta: “Por isso eu me alegro nas fraquezas, humilhações, necessidades, perseguições e angústias, por causa de Cristo, pois quando sou fraco, então é que sou forte” (2Cor 12,10).

         A pastoral decididamente missionária é fonte das maiores alegrias para a Igreja. “Sabemos bem que a vida com Jesus se torna muito mais plena e, com ele, é mais fácil encontrar o sentido para cada coisa. É por isso que evangelizamos. O verdadeiro missionário, que não deixa jamais de ser discípulo, sabe que Jesus caminha com ele, fala com ele, respira com ele, trabalha com ele (...). Se uma pessoa não o descobre presente no coração mesmo da entrega missionária, depressa perde o entusiasmo e deixa de estar seguro do que transmite, faltam-lhe força e paixão” (Evangelii Gaudium n. 266). A força missionária, sendo necessário para isso o dom de nós mesmos,  pode ser tal que “talvez o Senhor se sirva da nossa entrega para derramar bênçãos noutro lugar do mundo, aonde nunca iremos” (Evangelii Gaudium n. 279).

         Graças ao sacramento da Crisma ganhamos “uma força especial do Espírito Santo para difundir e defender a fé pela palavra e pela ação, como verdadeiras testemunhas de Cristo, para confessar com valentia o nome de Cristo e para nunca sentir vergonha em relação à cruz” (Catecismo da Igreja Católica n. 1303).

 

Oremos:“O louvor, a glória, a sabedoria, a ação de graças, a honra, o poder e a força pertencem ao nosso Deus, para sempre. Amém” (Ap 7,12).

 

Senhor,

se eu nunca vesti um entusiasmo missionário tamanho “G”;

se eu já me deixei abater na alegria da evangelização;

se eu já deixei respingar em mim fagulhas de dúvida diante da beleza do tesouro imperdível daesperança;

se eu já causei alvoroço e deixei de somar dentro da comunidade;

se eu já desconsiderei a tua importância e do teu Evangelho em minha vida e no meu modo de proceder;

se eu já passei por momentos em que nem dei bola ao ideal do amor fraterno;

se eu já me senti sem força na minha força missionária;

o que faço, o que faço?

A mim e a tantos outros que se veem pequenos, sem as melhores condições físicas e espirituais, apesar de tudo,Maria, “dá-nos a santa ousadia de buscar novos caminhos para que chegue a todos o dom da beleza que não se apaga.

Estrela da nova evangelização, ajuda-nos a refulgir com o testemunho da comunhão, do serviço, da fé ardente e generosa, da justiça e do amor aos pobres, para que a alegria do evangelho chegue até os confins da terra e nenhuma periferia fique privada de sua luz.

Mãe do Evangelho vivente,

manancial de alegria para os pequeninos,

roga por nós.

Amém, Aleluia!” (Evangelii Gaudium n. 288).

Clemente Raphael Mahl 

Conselho Nacional do Laicato do Brasil – Região Episcopal Sant´Ana - SP

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