Pastoral da Criança – 30 anos

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14/01/2015 - 00:00

Nos anos 80 do século XX a mortalidade infantil ainda era alta no Brasil. Nada de causas complicados: subnutrição da gestante e de seu bebê, alimentação inadequada, cuidados higiênicos deficientes, umas diarreias descontroladas... Muita criança morria antes de completar 1 ano de idade.

Dia 10 de janeiro passado, cerca de 35 mil pessoas celebraram, na Arena da Baixada, em Curitiba, o 30º aniversário de fundação da Pastoral da Criança. Dona Zilda Arns Neumann, médica pediatra e sanitarista, irmã do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, foi além da simples análise e compreensão do fenômeno da mortalidade infantil: arregaçou as mangas e pôs mãos à obra.

Contando com o apoio do então arcebispo de Londrina, Dom Geraldo Majella Agnelo, ela iniciou um trabalho pioneiro no município de Florestópolis, na região de Londrina, norte do Paraná.

Na base do soro caseiro, alimentação simples, mas saudável e fácil de se produzir em qualquer pedacinho de quintal, acompanhamento da gravidez e cuidados neonatais, controle do peso e do desenvolvimento dos bebês, desde a gestação até os 6 anos de idade... Nenhuma fórmula mirabolante, nenhum orçamento astronômico, nada de verbas que pesassem sequer no orçamento familiar dos pobres, mas muito amor e dedicação.

Um batalhão de voluntários bem motivados e treinados, com material de controle e orientações simples ao alcance das pessoas comuns nas comunidades locais – foi esse o segredo para que a Pastoral da Criança se espalhasse rapidamente  por todo o Brasil e também em vários países de outros continentes.

A atuação da Pastoral da Criança fez despencar os índices de mortalidade infantil nos lugares que a adotaram e apoiaram. Dra. Zilda, sempre à frente, batalhadora lúcida e tenaz, teve que enfrentar muitas barreiras burocráticas e preconceitos sociais: os cuidados com a saúde não precisam, necessariamente, de um aparelhamento burocrático pesado e oneroso: mais que tudo, dependem de vontade política, transparência na gestão dos recursos disponíveis, mudança de hábitos, educação, amor às pessoas e à vida. Dra. Zilda imprimiu à “Pastoral” um caráter evangelizador e humanizador. A pesagem mensal dos bebês tornou-se um momento para a celebração da vida. Cada quilo ganho por um bebê subnutrido é comemorado como uma vitória!

Para Dra. Zilda, tratava-se de uma mística e um ideal de vida. Profissional da saúde, mulher, mãe de vários filhos, católica fervorosa, ela investiu seus dotes pessoais e profissionais concretamente no amor ao próximo, especialmente aos pequenos e desprotegidos. Foi às periferias profundas; rompeu barreiras, bateu às portas de autoridades, negociou Convênios com os Governos com dignidade. Tinha credibilidade para tanto!

Em 2010, ela estava no Haiti, respondendo ao convite da Igreja local para implantar a Pastoral da Criança também naquele país, o mais pobre da América. O terremoto violento de 12 de janeiro daquele ano arrasou a capital, Porto Príncipe e também matou Dra. Zilda, que estava em plena missão. Sua morte foi motivo de consternação geral; mas o cisma não abalou a Pastoral da Criança, que já estava solidamente organizada e podia prosseguir sua missão, mesmo sem sua fundadora e inspiradora. Suas iniciativas continuaram a se ampliar, beneficiando centenas de milhares de mães e crianças pobres, animada pelo desejo de Cristo – “para que todos tenham vida em abundância”.

Em Curitiba, no final da celebração eucarística em ação de graças, presidida pelo Presidente da CNBB, o cardeal Raymundo Damasceno Assis e acompanhada também por numerosos bispos e padres de todo o Brasil, foi entregue à arquidiocese de Curitiba uma petição popular para que seja aberto o processo de beatificação de Dra. Zilda Arns Neumann. Seu testemunho de vida e suas obras bem recomendam esse pedido..

 

Artigo publicado no Jornal O SÃO PAULO - Edição 3034 - 14 a 20 de janeiro de 2015