A queda dos anjos

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13/02/2017 - 14:45

Antes da queda de Adão e Eva, acontecida nos inícios da história, se situa outro evento que tem contornos ainda mais misteriosos. Na origem da tentação e do pecado, há outro ser que se opõe a Deus.
A serpente do Gênesis é identificada a partir de Sb 2,24 com Satanás. O Novo Testamento e a tradição o apresentam como um anjo caído. Com efeito, os anjos, como seres espirituais, têm em comum com os homens a liberdade, a qual, sendo também nesse caso uma liberdade finita, pode ser mal utilizada.
 

Desse pecado dos anjos fala o Novo Testamento em 2Pd 2,4: “Deus não poupou os anjos que pecaram, mas os precipitou nos abismos tenebrosos do inferno onde os reserva para o julgamento”. Também nesse caso o pecado é uma rejeição a Deus. Eles não quiseram se submeter a Deus; quiseram “ser como Deus”. Por isso, na voz tentadora da serpente, podemos reconhecer o que foi, no seu núcleo, o pecado dos anjos. Naturalmente, se não conhecemos os detalhes concretos do primeiro pecado do homem, menos ainda podemos nos aventurar na imaginação do pecado dos anjos. É interessante, porém, indicar que uma tradição dos primeiros tempos cristãos – da qual faz eco, por exemplo, Santo Irineu – vê a manifestação desse pecado (da “apostasia”) na inveja (cf. Sb 2,24) pelos bens que Deus quis conceder ao homem e que teria a sua máxima expressão na humanidade gloriosa de Jesus.

Guardando rancor em relação a Deus por esses bens, Satanás quis impedir, com a tentação, que o homem pudesse recebê-los.
O pecado dos anjos consiste no abuso da liberdade que se volta contra Deus. Essa escolha contra Deus é, pela sua própria natureza, irrevogável, pois sendo o anjo puro espírito, na sua liberdade de escolha, dispõe inteiramente de si e se determina, portanto, de maneira definitiva.
Também o homem, na sua liberdade de escolha, dispõe de si. Mas, por causa dos seus condicionamentos, essa disposição não é total; pode assim se arrepender, mudar de vida, enquanto ainda se encontra neste mundo.

O resultado mais grave da influência de Satanás, homicida desde o início e pai da mentira (cf. Jo 8,44), foi, portanto, a indução do homem ao pecado das origens. E ele continua a influir negativamente em nós. Como tentou os nossos primeiros pais e triunfou no seu empenho, assim tentou também Jesus. Mas se Adão e Eva cederam à tentação de querer ser como Deus, Jesus, existindo na forma divina, não se apegou à sua igualdade com Deus, mas se despojou dela (cf. Fl 2,6). Com sua vinda ao mundo, com sua obediência ao Pai, destruiu as obras do diabo.
Por tudo isso é preciso nos acautelar contra as falsas interpretações que tendem a exagerar o poder do diabo. Ele é uma criatura de Deus. A sua própria ação e os danos que causa são permitidos por Deus. Não há, portanto, um princípio do mal oposto e do mesmo nível ao do bem. Há somente um Criador de tudo, o Deus bom, que permite o mal por amar a liberdade de suas criaturas e que, entretanto, dispõe as coisas de modo que sempre se possa dele tirar o bem.

 

Dom Julio Endi Akamine

Bispo auxiliar da Arquidiocese na Região Lapa  e  Arcebispo eleito da Arquidiocese de Sorocaba

Artigo publicado no  Jornal O SÃO PAULO - Edição 3137 - De 8 a 14 de fevereiro de 2017