“A experiência eucarística dos discípulos de Emaús”

A A
12/05/2015 - 15:30

“Conversavam sobre todas as coisas que tinham acontecido” (Lc 24, 14).

Dois discípulos de Jesus retornam para casa. Caminham desiludidos. Mal conseguem se lembrar que foi somente há alguns anos que haviam encontrado uma pessoa que mudara

completamente suas vidas. Haviam abandonado sua vila e seguido aquele ‘estranho’. Jesus

trouxe alegria e paz àqueles discípulos. Agora, segundo eles, Jesus está morto. Tudo se reduzira a nada. Eles haviam-no perdido. A alegria que preenchera seus dias abandonaraos

completamente. A palavra que sintetiza os sentimentos dos discípulos de Emaús é ‘perda’!

 

A vida parece, às vezes, somente uma longa sucessão de perdas. Por exemplo: quando nascemos, perdemos a proteção do ventre materno; quando envelhecemos, perdemos a juventude; quando adoecemos, perdemos nossa independência física; e assim vai (...)! Estas perdas fazem parte da vida, é preciso saber assimilá-las. No entanto, além de todas estas perdas há a “perda da fé”: perda da convicção de que nossa vida tem sentido. Esta, sim, é uma perda irreparável!

 

Muitas vezes, chegamos à eucaristia com nossos corações entristecidos pelas muitas perdas que sofremos ao longo da vida. Como os dois discípulos que caminhavam de volta para sua aldeia, também dizemos: ‘tínhamos boas expectativas (...), porém, agora, perdemos a esperança (…)'. Quando somos atingidos por uma perda após outra é muito fácil ficarmos ‘desiludidos’, ‘irados’, ‘amargos’ e ‘ressentidos’.

 

O ressentimento, proveniente das perdas, vai aos poucos endurecendo o coração. Por isso, a celebração da Missa começa sempre pelo ato penitencial, pois é o momento que suplicamos pela misericórdia de Deus, para que transforme o nosso coração endurecido num coração sensível, aberto para receber a graça de Deus (coração partido=coração contrito). Uma comparação simples ajuda-nos a compreender o ato penitencial: um solo seco e endurecido é incapaz de receber água, e, conseqüentemente, nenhuma semente será capaz de germinar neste solo. Somente o ‘solo partido’ é capaz de receber água e fazer com que a semente cresça e dê frutos”! É isto que significa começar a eucaristia com um ‘coração contrito’ (partido), um coração aberto para receber a graça de Deus.

 

“Enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus se aproximou e começou a caminhar com eles” (Lc 24, 15). Jesus junta-se a esses discípulos, caminha ao lado deles. Segue o mesmo ritmo de cada um deles. Mas em seguida, ilumina os acontecimentos que ocorreram em Jerusalém, à luz da Sagrada Escritura (querigma). O mesmo acontece na celebração da Missa. As leituras do Antigo e Novo Testamento e a homilia que acompanha estas leituras têm a finalidade específica de tornar-nos capazes, sensíveis, para ‘discernir’ a presença de Cristo, quando ele caminha conosco, especialmente nos momentos de sofrimento. A cada dia há uma leitura diferente. Existem palavras para nos acompanhar todos os dias. Jesus nunca nos abandona!

 

Quando afirmamos que a Palavra de Deus é sagrada, estamos afirmando que a Palavra divina está plena da presença de Deus. Na estrada de Emaús, Jesus tornou-se presente através de sua Palavra; e foi esta presença que transformou a tristeza em alegria, a lamentação em festa. É isto o que ocorre em cada celebração da eucaristia. A Palavra que é lida e pronunciada nos conduz à presença de Deus e transforma nossos corações e mentes. A Palavra de Deus não é ‘informativa’, mas ‘performativa’. É um conhecimento que tem a missão de transformar nossa vida.

 

“Quando chegaram perto do povoado para onde iam, Jesus fez de conta que ia adiante” (Lc 24, 38). Jesus não pede para ser convidado. No entanto, eles insistem que Jesus entre. Jesus aceita. Entra e fica com eles. Não consideramos habitualmente a eucaristia como um convite para que Jesus permaneça conosco. Somos mais inclinados a pensar em Jesus nos convidando para sua casa e sua mesa. Porém, Jesus, primeiramente, quer ser convidado; sem um convite sincero e expresso, ele irá para outros lugares. É muito importante perceber que Jesus jamais se impõe a nós. Se não o convidarmos para entrar em nossa ‘casa’, ele permanecerá sempre um estranho, um desconhecido. Já o convidamos a entrar em nossa casa? Desejamos que ele nos conheça por trás das paredes da nossa existência mais íntima? Queremos que ele nos toque onde somos mais vulneráveis? A eucaristia necessita deste convite. Precisamos dizer a Jesus: ‘Não quero que permaneça mais como um estranho. Quero que você se torne o meu amigo mais íntimo’!

 

Jesus aceita o convite. Entra na casa e senta-se à mesa com eles. Estabelece-se a amizade entre eles. Jesus é o convidado, mas, assim que entra na casa deles, Jesus se transforma em ‘anfitrião’, convida-os a comungarem plenamente com ele. A casa dos discípulos torna-se a casa de Jesus.

 

“Depois que se sentou à mesa com eles, tomou o pão, pronunciou a benção, partiu-o e deu a eles. Neste momento, seus olhos se abriram, e eles o reconheceram. Jesus, porém, desapareceu da vista deles” (Lc 24, 30-31). Quando os discípulos comungam, Jesus se torna invisível. Precisamente quando a presença de Jesus torna-se mais acentuada, ele torna-se um ser aparentemente ausente (invisível). Estamos diante de um dos aspectos mais sagrados da eucaristia: a comunhão mais íntima com Jesus ocorre em sua ausência (invisibilidade). Durante todo o tempo que passara com os discípulos não ocorrera uma comunhão plena. Mas, quando comem o ‘pão eucaristizado’, reconhecemno. Este reconhecimento é a ‘percepção espiritual’ profunda de que, agora, Jesus habita no mais íntimo de cada um deles: Jesus respira neles, fala através deles; enfim, vive neles. E neste momento mais sagrado da comunhão, Jesus desaparece! Desaparece porque passa habitar dentro de nós!

 

“Naquela mesma hora, levantaram-se e voltaram para Jerusalém (...)” (Lc 24,33). A Missa nunca termina com a comunhão. Ela termina com a missão: o Cristo ressuscitado, que experimentamos na celebração eucarística, deve ser levado, comunicado, aos que ainda não o conhecem. Essa foi a missão dos discípulos de Emaús; hoje, essa missão é nossa. Nutridos da eucaristia, sejamos, de fato, uma Igreja missionária!