OS DESAFIOS DO REINO - RAUL AMORIM

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18/08/2017 - 08:00

Mt.19,3-12

Mateus começa o capítulo 19 referindo-se a saída definitiva de Jesus da Galiléia. (Mt.19,1) A crise que vem desde o capítulo 11 agora se torna mais aguda, e Jesus parte para Jerusalém. Começa a grande viagem pascal. Durante a caminhada, ele vai educar de modo mais profundo os discípulos e esclarecer melhor as exigências do Reino. Hoje o assunto é casamento.

 

Mt.19,3: E alguns fariseus se aproximaram de Jesus para tentá-lo. Perguntaram: “É permitido divorciar-se da própria mulher por qualquer motivo”?

Uma pergunta maldosa e provocativa.  Por traz da pergunta está a discussão entre os fariseus sobre a interpretação do texto da lei do divórcio.  O ponto de partida deles é a lei do livro do deuteronômio (ver. Dt. 24,1-4) A mulher, entre os judeus no tempo de Jesus era não mais que um objeto pertencente ao marido, como seus servidores, suas casas e demais posses. Ela devia ao esposo total lealdade, mas por princípio, era considerada como naturalmente infiel e falsa. Por essa razão, sua palavra diante de um juiz não tinha praticamente nenhum valor.

Embora ela fosse obrigada a ser fiel ao matrimônio, o marido não tinha os mesmos deveres matrimoniais. Ele podia rejeitá-la por qualquer motivo. Dificilmente a esposa poderia, por iniciativa própria, se desligar do casamento. Normalmente as mulheres viviam reclusas em suas residências. Até na esfera espiritual a mulher era considerada desigual, e para ela estava reservado um local à parte do templo. É nesse contexto que Jesus vai se posicionar.

Mt.19,4-6: Ele respondeu: “Vocês não leram que desde o princípio o Criador os fez Homem e mulher?  E disse: Por isso o homem deixará pai e mãe, e se unirá à sua mulher, e os dois serão uma só carne? De modo que já não são dois, mas uma só carne. Portanto o que Deus uniu o homem não separe”.

Jesus recorre também as Sagradas Escrituras para questioná-los. Os fariseus são surpreendidos pela sua resposta, pois ele não se preocupa em entrar na discussão. Na sociedade judaica havia duas tendências opostas a esse problema. Jesus não dá uma resposta direta. Ele vai acima da discussão e toma o livro do Gênesis (ver Gn. 1,27; 2,24; 5,2) como base para explicar a problemática do divórcio. Era sua forma de defender a justiça com relação à mulher.

A igualdade das pessoas provém da criação, quando Deus criou o ser humano, homem e mulher. Deus os criou para os dois se ajudarem mutuamente a crescer e serem um só no amor. Essa palavra de Jesus é o fundamento do que mais tarde, foi entendido como indissolubilidade. Sobre isso convém refletir:

“A história demonstra que comunidade cristã se manteve ligada a esta palavra de Jesus. Entretanto, não a considerou sempre como uma lei imperativa, mas como um critério ético que exige sempre uma nova interpretação e uma aplicação justa para cada caso”. (P.Hoffmann, A Palavra de Jesus sobre o divórcio e sua interpretação neotestamentária, in concílium pg.854)

Mt.19,7-9: Eles disseram : “Então porque Moisés mandou dar  a ela a carta de divórcio e mandá-la embora”? Jesus respondeu: “Moisés permitiu que vocês se divorciassem de suas mulheres por causa da dureza do coração de vocês”...

Os fariseus não desistem. Insistem em questionar e recorrem à lei de Moisés. Parece até que tinham culpa no cartório!  Nós também somos assim! Jesus denuncia a dureza de seus corações. Uma permissão não indica necessariamente um incentivo...  Jesus não faz uma crítica aberta ao divórcio. Ele denuncia claramente a intenção que eles tinham de preservar o domínio total sobre a mulher. Até hoje, sob outras formas, a desigualdade continua.  

Mt.19,10-12: Os discípulos disseram a Jesus; “Se é assim a condição do homem em relação à mulher, então não vale a pena casar”. Ele respondeu: “Nem todos conseguem compreender essa realidade, mas somente àqueles a quem é concedido. De fato há eunucos que assim nasceram  do ventre materno , há eunucos que foram feitos assim pelos homens e há eunucos que se fizeram tais pelo Reino dos Céus. Quem puder compreender, compreenda”.

Agora são os discípulos que questionam. Não conseguiram entender a explicação de Jesus. Será que também estavam “contaminados” pelas ideias dos fariseus?!  Jesus vai até o fundo na questão. Não casar só porque o homem se recusa a perder o domínio sobre a mulher, isto a Nova Lei do Amor já não permite!

Jesus relativiza o casamento como a única possibilidade de realização humana. Algumas são chamadas a não casar por causa do Reino. Mas é preciso entender bem isso. Jesus não está dizendo que deixar de casar é melhor que casar. O que está dizendo é que tanto o casamento como o celibato deve estar a serviço do Reino e não a serviço de interesses egoístas.

Que Jesus nos ajude a entender que a travessia passa pela cruz na entrega diária, para que o casamento não seja manipulado para manter o domínio.

 

P/ CEBI (Centro Estudos Bíblicos)  Raul de Amorim Pires> raul4ap@gmail.com