Espigas arrancadas no sábado - Raul de Amorim

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15/07/2016 - 10:30

Mt.12,1-8

Mateus descreve uma das muitas controvérsias entre Jesus e os entendidos da Lei. Eram quase que inevitáveis os conflitos. Os fariseus estavam sempre à procura de um motivo para acusar Jesus ou seus discípulos. A religião daquele tempo tinha se tornado escravizante.  Eles não se conformavam com a proposta libertadora de Jesus. Hoje também temos conflitos no contexto da prática religiosa. Vamos meditar.

Mt. 12,1-2: Colher trigo em dia de sábado e a crítica dos fariseus... Num dia de sábado, os discípulos passavam pelas plantações e abriam caminho arrancando espigas para comê-las, pois estavam com fome. Os fariseus aproveitam a ocasião, invocam a Sagrada Escritura para dizer que os discípulos estão cometendo uma transgressão. A fundamentação dessa acusação está no livro do Êxodo... Nesse dia, não faça nenhum tipo de trabalho nem você, nem seu filho, nem sua filha... (Ex. 20,8-11)

Para os fariseus, os discípulos de Jesus cometeram duas infrações: apropriam-se do que não lhes pertencia, e fizeram isso em dia de sábado. Jesus também utiliza as Escrituras e responde fazendo memória de três exemplos tirados da Bíblia:

Mt. 12,3-4: O exemplo de Davi... Jesus questiona: “Vocês não leram o que Davi e seus companheiros fizeram quando tiveram fome”?... Ele lembra que o próprio Davi também fez uma coisa proibida, pela lei, pois tirou os pães consagrados do templo e os deu a seus companheiros que estavam com fome. Os pães da oblação, substituídos a cada sábado, eram reservados aos sacerdotes.  (1 Sm 21,2-7) Diante desse argumento nenhum fariseu teria coragem de criticar o rei Davi !

Mt. 12,5-6: O exemplo dos sacerdotes... “Ou vocês não leram na Lei que aos sábados, no Templo, os sacerdotes violam o sábado e ficam sem culpa? Jesus argumenta a partir do que elas mesmas, as autoridades religiosas, fazem no dia de sábado. No templo de Jerusalém, em dia de sábado, os sacerdotes trabalham muito mais do que nos dias de semana, pois devem matar os animais para os sacrifícios... E ninguém dizia que era contra a lei, pois achavam normal. A própria lei os obrigava a fazer isto. ( Nm. 28,9-10)

Mt. 12,7: o exemplo do profeta... Jesus cita a frase do profeta Oséias: “Quero misericórdia e não sacrifício”... (Os. 6,6). A palavra misericórdia significa ter o coração (cor) na miséria (miseri) dos outros, ou seja, a pessoa misericordiosa deve estar bem perto do sofrimento dos outros, deve identificar-se com elas. A palavra sacrifício significa fazer (fício) com que uma coisa fique consagrada (sacri), ou seja, quem oferece um sacrifício separa o objeto sacrificado do uso profano e o distancia da vida diária do povo.

Se os fariseus tivessem em si este olhar de Oséias, saberiam que o sacrifício mais agradável a Deus não é a pessoa praticante viver distanciada da realidade, mas sim ela colocar o coração inteiramente consagrado para aliviar a miséria dos irmãos e irmãs. Eles não teriam condenado como culpados os que, na realidade eram inocentes. Diante da fome tudo se torna secundário, pois a vida humana está acima de qualquer estrutura.

Mt.12,8: Porque o Filho do Homem é senhor do sábado... Essa afirmação de Jesus significa que a sua autoridade é superior à de Moisés. Ele e só Ele, pode definir o que é licito e o que não é. A Lei deve estar a serviço da vida e da fraternidade. “O ser humano não foi feito para o sábado, mas o sábado para o ser humano” (Mc. 2,27) Não pode haver conflito entre a lei religiosa e as exigências do amor ao próximo.

Estamos vivendo o Ano Santo da Misericórdia. Temos ainda muitos conflitos em torno das práticas religiosas que, hoje, trazem sofrimentos para muitas pessoas e são motivo de muita discussão e polêmica... Como Jesus reagiria diante disso?