Espiritualidade e educação ecológica: o cuidado exercitado - Pe. Gilberto Orácio

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17/08/2015 - 18:30

A educação ecológica, como nos pede o Papa Francisco na encíclica “Louvado Seja”, é algo que consideramos caseira. Educação de casa. Nós sabemos muita coisa que precisamos fazer para cuidar do planeta, mas parece que permanece somente no mundo das ideias. Não desce para o coração, para a prática da vida. Portanto, é necessário fazer do cuidado com a terra uma prática constante, uma cultura, um modo de vida. Essa mudança no modelo de relação com a terra não diz respeito somente na mudança de alguns hábitos, mas de algo que vá além. Fala a respeito de nosso jeito de habitar nossa casa comum, o nosso jeito de trabalhar, consumir, viajar, separar o lixo, etc.

Se as informações que possuímos nos garantem que já nos apropriamos de 80% dos recursos naturais de nosso planeta e que isto tem seríssimas consequências, precisamos de um estilo de vivência baseado na sobriedade, na mudança radical de nossos hábitos de consumo. Em uma sociedade como a nossa, baseada justamente no consumismo voraz e sem nenhuma crítica, esse discurso soa como absolutamente inútil e fadado a cair no vazio das discussões e atenções. Pois, os ricos consomem cada vez mais, ao passo que os pobres, assim que podem, são também levados à febre do consumismo compulsivo. Isso porque a muitos pobres foi lhes concedido poderes de consumo, mas não poderes sociais. É dentro dessa reflexão que o Papa Francisco nos adverte, na Encíclica “Laudato Si” (203 – 205) para outro estilo de vida possível. Mas, é uma voz clamando no deserto diante dos interesses consumistas das empresas globais e a necessidade de crescimento econômico dos países. É uma verdadeira paranoia. Isto se dá, pois as pessoas querem a todo custo alcançar altos patamares de lucro e sucesso econômico. Mas, apenas poucos alcançam tal glória. O resto da população, sua esmagadora maioria, diante das crises que se instalam pelo mundo afora, “sofre a violência e a destruição recíproca”. “Uma mudança nos estilos de vida poderia chegar a exercer uma pressão salutar sobre quantos detêm o poder político, econômico e social. Verifica-se isto quando os movimentos de consumidores conseguem  que se deixe de adquirir determinados produtos [...]é um fato que, quando os hábitos da sociedade afetam os ganhos das empresas, estas veem-se pressionadas a mudar a produção.” Aqui está o verdadeiro sentido em se trabalhar numa reedução ecológica com base no respeito à dignidade humana e ao cuidado com o mundo que nos cerca. Na esperança, cremos que nem tudo está perdido.     

Para as pessoas que se interessam pela fé, é importante considerar alguns elementos de reflexão teológica para a realização de uma educação ecológica baseada na espiritualidade cristã. O grande desafio para o ser humano é combinar trabalho e cuidado, tecnologia e cuidado, consumo e cuidado. No cuidado está a responsabilidade por tudo o que está sobre nosso planeta. O futuro de nossa casa comum depende do cuidado com tudo o que existe. Uma verdadeira educação ecológica passa pelo cuidado, passa pelo respeito ao mais invisível do ser que habita nossa casa. E daí se faz necessário a compreensão e assimilação de alguns princípios básicos:

a). Teologia da criação – esse pensar teológico encontra-se nos dois primeiros capítulos do livro do Gênesis e na literatura sapiencial, onde nos apresenta um Deus amoroso que cria todas as coisas, possibilitando o seu crescimento e desenvolvimento. E tudo isso com a sua benção. Tendo criado o ser humano – homem e mulher – à sua imagem e semelhança confere-lhe a tarefa de cuidar do jardim e a responsabilidade de administrar e zelar, a fim de dar continuidade à sua obra criadora. Isso significa que o ser humano deverá fazer toda a sua tarefa seguindo os mesmos princípios usados pelo criador: cuidar da casa que lhe foi confiada.

b). O mistério da encarnação: Tal realidade de Deus que assumindo a carne humana une o divino á natureza humana na pessoa de Jesus. Sendo assim, nada mais é estranho ao reino de Deus e à natureza. Tudo está envolvido pela salvação que Jesus veio trazer. Não só à humanidade, mas a toda a criação universal. Deus ama e cuida de tudo o que existe.

c). A moral da Nova Aliança estabelecida no sangue do Cordeiro cria novas relações entre os seres humanos e Deus, entre eles mesmos e entre eles e a natureza. Essa relação reestabelecida recria o Shalom (dignidade plena para tudo o que existe) perdido. Tal relação religa o ser humano ao seu eixo primordial favorecendo assim uma verdadeira transformação de paradigmas que alcançará tudo ao redor da vida humana. O ser humano é chamado a ser o pioneiro na escala da transformação, pois seu espaço sendo reconstruído, toda a nossa casa comum sofrerá as mudanças necessárias para a sua reestruturação.

A restauração de todas as coisas se dará a partir de Cristo, uma vez que Ele é o primogênito de toda criação que reconcilia em si (como que num ponto de atração) todas as coisas do céu e da terra possibilitando que toda a criação  grite dores de parto à espera ansiosa da vinda do Reino de Deus (Cf. Rm. 8, 18 – 25). A educação ecológica aliada à espiritualidade nos ajudará a enxergar para além do lucro e das conquistas tecnológicas destruidoras de nossa casa comum. E nos apontará para um consumismo responsável capaz de avaliarmos os estragos e refazermos nosso caminho de uso sustentável dos bens. Nessa perspectiva o centro será o ser humano e a natureza e não somente o lucro pelo lucro. A dignidade da pessoa humana estará em primeiro lugar e o cuidado necessário estará nas pautas de discussões e ações ecológicas por uma casa comum habitável para todos e todas.   

Pe. Gilberto Orácio de Aguiar - Doutor em Antropologia e Mestre em Ciências da Religião