Relatio Synodi da 3ª Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos: “Os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização”. – Parte II

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O olhar em Cristo: O Evangelho da família</p><p>Verdade, paciência e misericórdia no anúncio das exigências do Reino de Deus
Publicado em: 29/10/2014 - 10:00
Créditos: Edição nº 3025 do Jornal O SÃO PAULO – página 14

 

“Jesus olhou as mulheres e os homens que encontrou com amor e ternura acompanhando seus passos com a verdade, paciência e misericórdia, no anunciar as exigências do Reino de Deus”. (N.12)

A indissolubilidade do Matrimônio não é um peso, mas sim, um dom

“Em razão da pedagogia divina, segundo a qual a ordem da criação está envolvida naquela da redenção através de etapas sucessivas, ocorre compreender a novidade do sacramento nupcial cristão em continuidade com o Matrimônio natural das origens”. (N.13)

“O próprio Jesus, referindo-se ao desígnio primitivo sobre o casal humano, reafirma a união indissolúvel entre o homem e a mulher, ao dizer que “pela dureza do vosso coração, Moisés vos permitiu repudiar as vossas mulheres, mas no princípio não foi assim” (Mt 19,8). “A indissolubilidade do Matrimônio não deve ser entendida como um peso imposto aos homens, mas como um ‘dom’…” (N.14)

A família no desígnio salvífico de Deus

Foi pela dureza dos vossos corações…

“As palavras de vida eterna que Jesus deixou aos seus discípulos compreendiam o ensinamento sobre o Matrimônio e a família. Tal ensinamento de Jesus nos permite distinguir três etapas fundamentais no projeto de Deus sobre o Matrimônio e a família. No início, há a família das origens, quando Deus criador institui o matrimônio primordial entre Adão e Eva, como fundamento sólido da família. Deus não apenas criou o ser humano homem e mulher (Gn 1,27), mas os abençoou para que fossem fecundos e se multiplicassem (Gn 1,28). Por isso, “o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá a sua mulher e serão uma só carne” (Gn 2,24). Essa união foi danificada pelo pecado e tornou-se a forma histórica de Matrimônio no Povo de Deus, pela qual Moisés concedeu a possibilidade de liberar um atestado de divórcio (cf. Dt 24, 1ss). Tal prática estava em uso nos tempos de Jesus. Com a sua vinda e a reconciliação do mundo caído, graças a redenção por ele operada, teve fim a era inaugurada por Moisés”. (N.15)

Jesus resgata o plano original

“Jesus que reconciliou todas as coisas em si, recolocou o Matrimônio e a família à sua forma original (cf Mc 10, 1-12). A família e o Matrimônio foram redimidos por Cristo (cf Ef 5, 21-32), restaurados à imagem da Santíssima Trindade, mistério de onde emana todo verdadeiro amor. A Aliança esponsal, inaugurada na criação e revelada na história da salvação, recebe a plena revelação de seu significado em Cristo e na sua Igreja. De Cristo através da Igreja, o Matrimônio e a família recebem a graça necessária para testemunhar o amor de Deus e viver a vida de comunhão. O Evangelho da família atravessa a história do mundo desde a criação do homem à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26-27) até o cumprimento do mistério da Aliança em Cristo até o fim dos séculos com as núpcias do Cordeiro (cf. Ap. 19,9; João Paulo II, Catequese sobre o amor humano)”. (N.16)

A família nos documentos da Igreja

Gaudium et Spes: o verdadeiro amor entre homem e mulher é doação de si


“No curso dos séculos, a Igreja não deixou faltar o seu constante ensinamento sobre o Matrimônio e a família. Uma das expressões mais elevadas desse Magistério foi proposta pelo Concílio Vaticano II, na constituição pastoral Gaudium et Spes, que dedica um capítulo inteiro à promoção da dignidade da família (GS 47-52). Esta definiu o Matrimônio como comunidade de vida e de amor (cf. Gaudium et Spes, 48), colocando o amor no centro da família, mostrando, ao mesmo tempo, a verdade desse amor diante das diversas formas de reducionismo presentes na cultura contemporânea. O “verdadeiro amor entre marido e mulher” (Gaudium et Spes, 49) implica a mútua doação de si, inclui e integra a dimensão sexual e a afetividade, correspondendo ao desígnio divino (cf. Gaudium et Spes, 48-49).

Paulo VI (Humanae Vitae): amor conjugal e geração da vida

“Na esteira do Concílio Vaticano II, o Magistério pontifício aprofundou a doutrina sobre o Matrimônio e sobre a família. Em particular, Paulo VI, com a encíclica Humanae Vitae, trouxe à luz o íntimo vínculo entre o amor conjugal e a geração de vida. (N.18)

João Paulo II (Familiaris Consortio): família, um caminho de santidade

São João Paulo II dedicou à família uma particular atenção através de suas catequeses sobre o amor humano, a carta às famílias (Gratissimam Sane) e, sobretudo, com a exortação apostólica Familiaris Consortio. Nesses documentos, o Pontífice definiu a família “caminho da Igreja”; ofereceu uma visão conjunta sobre a vocação ao amor do homem e da mulher; propôs as linhas fundamentais para a pastoral da família e para a presença da família na sociedade. Em particular, tratando da caridade conjugal (cf. Familiaris Consortio, 13), descreveu o modo de os casais, em seu mútuo amor, recebem o dom do Espírito de Cristo e vivem a sua chamada à santidade (Instrumentum Laboris, 5). (N.18)

Bento XVI (Deus Caritas est): Matrimônio, ícone da relação entre Deus e a Igreja

“Bento XVI, na encíclica Deus Caritas Est, retomou o tema da verdade do amor entre homem e mulher, que se ilumina plenamente somente à luz do amor de Cristo crucificado (cf. Deus Caritas Est, 2). Ele reitera como “o Matrimônio, baseado sobre um amor exclusivo e definitivo, se torna o ícone da relação entre Deus e o seu povo e vice-versa: o modo de amor de Deus se torna a medida do amor humano” (Deus Caritas est, 11). (N.19)

Papa Francisco (Lumen Fidei): o amor é confiável quando o seu fundamento se encontra na fidelidade de Deus

“Papa Francisco, na encíclica Lumen Fidei tratando o vínculo entre a família e a fé, escreve: “O encontro com Cristo, o deixar-se aferrar e guiar pelo seu amor, alarga o horizonte da existência, lhe doa uma esperança sólida que não desilude. A fé (...) faz descobrir uma grande chamada, a vocação ao amor, e assegura que este amor é confiável, que vale a pena entregar-se a esse, porque o seu fundamento se encontra na fidelidade de Deus... (Lumen Fidei, 53)”. (Instrumentum Laboris, 7). (N.20)

Misericórdia em direção às famílias feridas e frágeis

“A Igreja, enquanto mestra segura e mãe zelosa, ainda que reconhecendo que para os batizados não existe outro vínculo nupcial que o sacramental, e que a ruptura com esse é contra a vontade de Deus, é também consciente da fragilidade de muitos de seus filhos, que encontram dificuldades no caminho da fé. “ Portanto, sem diminuir o valor do ideal evangélico, é preciso acompanhar com misericórdia e paciência as possíveis etapas de crescimento das pessoas que se vão construindo dia após dia”. (N.24)

Uniões civis, divorciados recasados e uniões de fato: acompanhamento gradual

“Em ordem a uma abordagem pastoral em direção as pessoas que contraíram Matrimônio civil, que se divorciaram e recasaram, ou que simplesmente convivem, compete a Igreja revelar a eles a divina pedagogia da graça em suas vidas a ajudá-los a atingir a plenitude do plano de Deus. (…) Seguindo o olhar de Cristo, cuja luz clareia todo homem (cf. Gv 1,9; Gaudium et Spes, 22) a Igreja se volta com amor àqueles que participam de sua vida de forma incompleta, reconhecendo que a graça de Deus atua também em suas vidas, dando a eles coragem para praticar o bem, para cuidarem um do outro e para estar a serviço da comunidade na qual vivem e trabalham”. (N.25)

Apreensão da Igreja em relação aos divórcios

“A Igreja olha com apreensão para a falta de esperança de tantos jovens em relação ao compromisso conjugal, sofre pela precipitação com que tantos decidem pôr fim ao vínculo assumido, instaurando um outro. Esses fiéis, que fazem parte da Igreja, necessitam de uma atenção pastoral misericordiosa e encorajante, distinguindo adequadamente cada situação”. (N.26)

Nova dimensão da Pastoral Familiar

“Neste sentido, uma nova dimensão da Pastoral Familiar atual consiste em prestar atenção à realidade dos matrimônios civis entre homem e mulher, aos matrimônios tradicionais e, consideradas as devidas diferenças, também às convivências. Quando a união atinge uma notável estabilidade através de um vinculo público, é permeada de afeto profundo, da responsabilidade em relação aos filhos, da capacidade de superar as provas, pode ser vista como uma ocasião a ser acompanhada em direção ao sacramento do Matrimônio” (N.27)

“Conforme o olhar misericordioso de Jesus, a Igreja deve acompanhar com atenção e zelo os seus filhos mais frágeis, marcados pelo amor ferido e perdido, conferindo esperança e confiança, como a luz de um farol de um porto ou de uma chama levada em meio às gentes, para iluminar àqueles que perderam a rota ou se encontram em meio à tempestade”. (N.28)