Países com governos autoritários lideram a Lista Mundial da Perseguição aos cristãos

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Relatório anual da organização Portas Abertas faz apontamentos sobre os 50 países onde mais se perseguem ou professam a fé no Cristo
Publicado em: 02/02/2023 - 12:30
Créditos: Redação

Em todo o mundo, mais de 360 milhões de cristãos enfrentam níveis elevados de perseguição e discriminação. Na prática, a cada sete pessoas que professam a fé no Cristo uma é perseguida. Os dados estão na 30a edição da Lista Mundial da Perseguição (LMP 2023), divulgada em janeiro pela organização internacional Portas Abertas. 

Nos últimos anos, segundo a instituição, tem aumentado vertiginosamente a perseguição aos cristãos, com prisões, torturas, sequestros, casamentos forçados, estupros e mortes, em especial nos países com governos autoritários.

Metodologia

No ranking, 50 países estão classificados a partir da pressão que os que professam a fé no Cristo enfrentam na vida privada, na família, nas comunidades, dentro do país e nas igrejas, e também se considera a ocorrência de incidentes violentos – mortes e agressões físicas –, sobre os quais haja registros oficiais, notícias credíveis ou em que o ocorrido tenha sido atestado por alguém que integra a equipe da Portas Abertas. 

Para se chegar aos dados, é feita uma pesquisa de campo, na qual um questionário é respondido por especialistas de perseguição da Portas Abertas, por cristãos perseguidos e por outras pessoas que vivem nestes locais. A partir dos dados, se atribui uma pontuação de 0 a 100 sobre o nível de perseguição em cada país. O período da pesquisa da LMP 2023 foi de 1o de outubro de 2021 a 30 de setembro de 2022. 

“A partir de 41 pontos, se considera que no país ocorre perseguição, que pode ser nos níveis alto (41-60), severo (61-80) ou extremo (81-100). Na lista atual dos 50 países, 39 estão no nível severo e 11 no extremo. Nos últimos dois anos, todos passaram do nível alto”, detalhou, ao O SÃO PAULO, Marco Cruz, secretário-geral da Portas Abertas Brasil. 

Panorama da perseguição

No comparativo da LMP 2023 com a do ano anterior, se verifica ligeira queda no número de cristãos mortos (5.621 ante 5.898), menor quantidade de presos (4.542 ante 6.175), queda vertiginosa no número de Igrejas e outras propriedades atacadas (2.110 contra 5.110 do ano anterior) e aumento nos registros de sequestros (5.259 ante 3.829). 

O secretário-geral da Portas Abertas Brasil explicou que a queda no número de mortos se deve especialmente à redução da violência do Afeganistão, que liderou a LMP 2022 e que agora aparece em 9o lugar. “O relatório de 2022 trouxe dados justamente de quando o Talibã assumiu o governo e ocorreu uma onda de violência contra os cristãos, com mortes e sequestros. Muitos dos que foram descobertos naquele ano ou morreram ou fugiram, e os que permaneceram estão escondidos, por isso que o índice de violência caiu neste país.” 

Já a queda na quantidade de prisões e de fechamento de templos é especialmente atribuída à menor recorrência dessas práticas na China (16a colocada no ranking). Entretanto, os níveis de perseguição aos cristãos continuaram altos na África subsaariana, em especial na Nigéria, e na Índia, especialmente contra quem se converte do Hinduísmo ao Cristianismo.  

Marco Cruz ressaltou que a maior fonte de perseguição aos cristãos são os governos autoritários, como é o caso da Coreia do Norte, de regime comunista, que lidera o ranking –

“neste país ser cristão é um crime e se a pessoa for descoberta será morta ou enviada a um campo de trabalhos forçados” –, seguida por nove países onde predomina a opressão de extremistas islâmicos, apoiados pelos governos ou que encontram conivência das autoridades: Somália, Iêmen, Eritreia, Líbia, Nigéria, Paquistão, Irã, Afeganistão e Sudão (leia mais detalhes na página ao lado).

“Conheci um cristão indonésio [a Indonésia aparece no 33o lugar no ranking] que se converteu cristão e que teve de deixar onde vivia. Depois que essa conversão foi descoberta, sua família passou a ser considerada impura por ter um ‘infiel’. A própria comunidade se incomodou, começou a fazer pressão sobre a família e esta o pressionou. Em geral, ao convertido restam as ‘possibilidades’ de voltar a ser muçulmano, fugir ou ficar para apanhar e ser expulso ou morto”, detalhou Cruz. 

Na América Latina

Quatro países da América Latina estão na LMP 2023. Um deles é Cuba, que saltou de 37o para 27o no ranking. “Isso se deve ao aumento da opressão do governo comunista sobre os cristãos. Só há uma linha de pensamento, uma paranoia ditatorial. Cristãos têm sido interrogados e presos por não concordarem com o regime”, assegurou Cruz.

Na Colômbia (22o na LMP 2023) e no México (38o), os cristãos de áreas rurais têm sido alvos de grupos paramilitares e guerrilheiros, bem como de líderes tribais que perseguem os convertidos.

Na Nicarágua, que figura pela primeira vez na LMP, na 50a posição, a ditadura de Daniel Ortega passou a perseguir padres, pastores e demais líderes cristãos após estes não pactuarem com o governo que tem atentado contra as liberdades individuais e das instituições. “Igrejas foram fechadas, ongs, rádios e tevês cristãs também”, detalhou Cruz.

A partir da Lista Mundial da Perseguição, a Portas Abertas baliza suas ações em atenção aos cristãos perseguidos, incluindo orações, distribuição de Bíblias, treinamentos, apoio socioeconômico, ações institucionais e ajuda emergencial. Saiba mais detalhes em: https://portasabertas.org.br.
 

CONFIRA OS 11 PAÍSES EM NÍVEL EXTREMO DE PERSEGUIÇÃO 

1o Coreia do Norte
O Cristianismo é visto como uma ameaça à ideologia ditatorial e ao regime comunista. Tem se verificado o aumento na quantidade de cristãos presos e o fechamento de igrejas não autorizadas. Além disso, os cristãos têm sido alvos da nova lei do pensamento Anti-Reacionário que criminaliza pessoas que possuam qualquer material de origem estrangeira. “Se descobertos pelas autoridades, os cristãos são enviados para campos de trabalho forçado como prisioneiros políticos, onde as condições são cruéis, ou mortos no local – a família deles compartilhará do mesmo destino.” 

2o Somália
Os ataques de grupos extremistas como o Al-Shabaab estão cada vez mais comuns. Eles têm a meta de implantar o califado, um governo baseado na sharia (conjunto de leis islâmicas). “A Somália é uma nação de maioria muçulmana, e a sociedade espera que todos os somalis sejam muçulmanos. Os imãs (líderes muçulmanos) nas mesquitas e madraças declaram publicamente que não há espaço para o Cristianismo, os cristãos ou as igrejas. O violento grupo insurgente Al-Shabaab tem expressado repetidamente seu desejo de erradicar os cristãos do país.” 

3o Iêmen
A conversão ao Cristianismo é considerada ilegal, e os cristãos têm sido vítimas de abusos físico e mental, violência sexual e casamentos forçados. Grupos extremistas juram de morte quem deixa o Islã. Os cristãos também têm sofrido com a crise humanitária resultante da guerra civil. “O Iêmen é fortemente tribal e leis tribais proíbem membros da tribo de partir. Iemenitas que se convertem ao Cristianismo correm grandes riscos de serem não apenas isolados ou expulsos pela família, clã e tribo, mas também mortos.” 

4o Eritreia
Forças de segurança do governo invadiram comunidades e prenderam os cristãos. Quando soltos, eles são obrigados a negar a fé e se reportar às autoridades regularmente. “Acredita-se que existam cerca de mil cristãos detidos em prisões eritreias, não acusados oficialmente. Alguns líderes de igrejas ‘não oficiais’ estiveram presos em condições terríveis por mais de uma década, incluindo confinamento solitário em celas minúsculas.”

5o Líbia
A pressão contra os cristãos envolve discriminação dentro e fora do mercado de trabalho, prisão domiciliar, expulsão de casa e casamento forçado. “Sem nenhum governo central para manter a lei e a ordem, grupos militantes extremistas islâmicos e grupos do crime organizado exercem o poder. Eles fazem cristãos de alvo e os sequestram, alguns chegam a ser mortos. Se um líbio de origem muçulmana se tornar cristão, provavelmente enfrentará pressão e abuso da família e da comunidade para fazê-lo renunciar à fé, ou será morto.” 

6o Nigéria
Mais de 5 mil mortes de cristãos ocorram na Nigéria, 89% do total de assassinatos mapeados na LMP 2023. A violência se espalhou para o Sul do país, onde extremistas fulani e criminosos se estabeleceram nas florestas. Meninas e mulheres cristãs são assediadas, agredidas física e sexualmente e forçadas a se casar com soldados radicais. “Os cristãos na Nigéria enfrentam perseguição de uma agenda organizada de islamização, que é mais predominante no Norte do país e tem gradualmente se espalhado para o Sul. Desde que os estados do Norte declararam lealdade à sharia (conjunto de leis islâmicas) em 1999, essa islamização ganhou força por meios violentos e não violentos.”

7o Paquistão
Filhas de cristãos têm sido vítimas de sequestros, abusadas e forçadas a se converter ao Islã. Além disso, é crescente o número de cristãos condenados falsamente pela lei anti-blasfêmia. “Cristãos no Paquistão são considerados cidadãos de segunda classe e enfrentam discriminação em cada aspecto da vida. Empregos que são vistos como baixos, sujos ou degradantes são reservados para os cristãos pelas autoridades, que continuam os levando para as margens da sociedade.”

8o Irã
A pressão aos cristãos permanece extrema e o nível de violência aumentou, incluindo casos de sequestros. O regime islâmico é cada vez mais rígido e enxerga as igrejas domésticas como um risco ao país. “Quando pessoas de origem muçulmana se tornam cristãs, elas só podem se reunir em igrejas domésticas secretas. Elas correm grande risco de serem monitoradas, assediadas, presas e condenadas por ‘crimes contra a segurança nacional’ — uma acusação que é mal definida e pode ser usada de forma abusiva”. 

9o Afeganistão
O país caiu do 1o para o 9o lugar na LMP 2023. “A tomada do poder pelo Talibã em agosto de 2021 forçou a maioria dos cristãos a se esconder ou a fugir do país. Muitos (se não todos) grupos domésticos fecharam, com cristãos forçados a deixar tudo para trás. Mais de um ano após a tomada do Talibã, qualquer promessa feita sobre reconhecer liberdades se provou totalmente falsa. Seguir a Jesus permanece uma sentença de morte para os que forem descobertos.” 

10o Sudão
O Sudão entrou na lista dos países mais perigosos devido à violência empregada pelo governo militar aos protestos contra o golpe de Estado. Foi criada a polícia comunitária, semelhante à polícia moral, que pressiona e age com violência contra aqueles que manifestam uma fé diferente da islâmica.

11o Índia
Radicais hindus atacam os cristãos e muitas de suas ações ficam impunes. “Nos últimos anos, houve um grande aumento da hindutva, uma ideologia que acredita que apenas hindus são verdadeiros indianos e cristãos, muçulmanos e outras minorias religiosas têm raízes estrangeiras e devem ser expulsos. (…) Cristãos cada vez mais experimentam exclusão social em suas comunidades e discriminação no local de trabalho, além de acusações falsas e rumores espalhados sobre eles.”

4 PAÍSES LATINO-AMERICANOS ESTÃO NA LMP 2023

Colômbia (22o lugar): “Os cristãos na zona rural são alvos de grupos criminosos e enfrentam perseguição das próprias comunidades indígenas (…) [Grupos guerrilheiros armados e gangues] veem a igreja como uma ameaça a seu poder e estabilidade, principalmente quando os membros de gangues se tornam cristãos ou os líderes da igreja falam contra a violência e a corrupção”.

Cuba (27o): “O regime comunista de Cuba não tolera vozes dissidentes ou quaisquer outras instituições que ganhem influência ou poder. A igreja é vista como ambos, e os cristãos são perseguidos pelas autoridades. Ativistas cristãos ou líderes religiosos que falam contra a corrupção ou questões políticas podem ser detidos e presos. Outros são difamados ou agredidos pelas autoridades e seus simpatizantes”. 

México (38o): “Os líderes cristãos são particularmente vistos como ameaças ou desafios para a autoridade e a estabilidade das gangues. Quando cristãos se recusam a atender aos pedidos das gangues ou pregam contra a criminalidade, as igrejas se tornam alvos das gangues. A impunidade e a instabilidade política contribuem para o sistema falho de justiça. Muitos pastores e líderes cristãos foram sequestrados e ficaram presos até o pagamento de resgates. Outros sofrem agressões físicas graves e são assassinados”.

Nicarágua (50o). “As igrejas na Nicarágua que se posicionam contra a injustiça e as violações dos direitos humanos que o governo comete são vistas como agentes desestabilizadores. Isso as torna alvos de hostilidade, o que inclui intimidação, assédio, vigilância, prisões e ataques. Igrejas católicas romanas são as mais suscetíveis à oposição”. 

(Com informações da LMP 2023)