‘Os bispos não estão sozinhos em suas responsabilidades eclesiais’

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Arcebispo de São Paulo fala com exclusividade ao jornal O SÃO PAULO sobre os principais fatos discutidos na 54ª Assembleia Geral da CNBB
Publicado em: 20/04/2016 - 10:15
Créditos: Jornal O SÃO PAULO - Edição 3098

Por Fernando Geronazzo

Nesta entrevista exclusiva ao O SÃO PAULO, o Cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo metropolitano, comenta os principais fatos discutidos na 54ª Assembleia Geral da CNBB, realizada entre os dias 6 e 15, em Aparecida (SP), com destaque para a aprovação do documento sobre a atuação do laicato e a manifestação do episcopado brasileiro quanto ao momento político do País.

 O SÃO PAULO – Qual a avaliação do senhor sobre os trabalhos da 54ª Assembleia Geral da CNBB?
Cardeal Odilo Pedro Scherer - A assembleia geral da CNBB é sempre muito esperada, pois oferece a ocasião para o reencontro dos bispos do país inteiro, para o convívio, a oração em comum, a troca de experiências e para muita ajuda recíproca. São dias de intensa fraternidade e colegialidade episcopal, o que é, certamente, o melhor fruto das assembleias da CNBB, embora não se coloque isso em evidência. Os bispos não estão sozinhos em suas responsabilidades eclesiais. De resto, foi uma assembleia muito intensa, com uma pauta carregada de temas, decisões e manifestações. Saímos cansados, mas contentes.

Quais os aspectos mais importantes a serem destacados do documento sobre os cristãos leigos aprovado pela Assembleia Geral?
O documento sobre os leigos e leigas na Igreja e na sociedade, “sal da terra e luz do mundo”, foi trabalhado em duas assembleias gerais: 2014 e 2016. Trata do significado de ser “leigo” na Igreja, de sua dupla missão, na própria Igreja e no mundo secular; trata, também, das dificuldades e desafios atuais que o leigo enfrenta para viver sua vocação e missão. O documento tem suas bases no Concílio Vaticano II e nos ensinamentos da Igreja após o Concílio; retrata especialmente os chamados atuais, do Papa Francisco, a que todos os membros da Igreja participem da nova evangelização.

Houve mudanças significativas no texto em relação às duas versões anteriores de estudo sobre o tema?
Depois de ter sido proposto por uma comissão, formada sobretudo de leigos, o texto foi sendo elaborado aos poucos, entre as duas assembleias gerais da CNBB, com a participação de muitas pessoas, mas os ajustes mais importantes foram feitos para esta última Assembleia, antes que o texto recebesse a aprovação dos bispos em plenário. Trata-se de um documento que está sob a responsabilidade do episcopado e deverá orientar as reflexões, ações e organizações dos leigos nesses próximos anos. O documento precisa ser lido sempre em sintonia com o ensinamento do Concílio e do magistério da Igreja sobre os leigos.

Qual o papel dos cristãos leigos no âmbito interno da vida da Igreja? E fora do âmbito eclesial?
É preciso sempre ter claro que os leigos e a Igreja não são duas coisas diversas: os leigos são parte da própria Igreja. Assim, no interior da comunidade eclesial, da qual eles fazem parte, eles são chamados a acolher os dons de Deus e a expressar sua fé, como resposta ao Evangelho e como testemunho para o mundo. É a primeira graça e missão de todos os batizados. Em vista disso, participam das várias dimensões da missão, como anunciar o Evangelho aos irmãos, de muitas formas; participar do culto a Deus na liturgia, praticar pessoalmente e comunitariamente as virtudes cristãs. Participam, também, de muitas formas das responsabilidades organizativas da comunidade eclesial. E, no mundo secular, todos os batizados são “cidadãos da Igreja no mundo e cidadãos do mundo na Igreja”. Na sociedade, eles são chamados e enviados a participar como pessoas de bem, dignas e de vida exemplar; a assumir, conforme suas capacidades, diversas responsabilidades sociais, sempre com espírito cristão, para introduzir em todos os âmbitos da vida social e pública a luz, o sal e o fermento bom do Evangelho.

Também foi destaque na Assembleia a declaração da CNBB sobre o momento nacional. Os bispos chegaram a um consenso sobre a legitimidade ou não do processo de impeachment da presidente da República?
Nas assembleias gerais da CNBB sempre se tem uma atenção especial à situação do povo brasileiro e também do mundo inteiro. É esse o campo no qual a Igreja vive e exerce sua missão. Houve a reflexão sobre a atual crise política, econômica, social e moral no Brasil, e sobre a contribuição que todos devem dar para a solução da crise. Mas a Assembleia não se pronunciou sobre o mérito do processo de impeachment da Presidente da República, reconhecendo que isso é competência das instâncias previstas no ordenamento jurídico e político do Brasil, que é um Estado democrático de direito.

Alguns grupos católicos afirmam que a CNBB possui um posicionamento político partidário sobre crise política. Qual é a verdadeira missão da Conferência Episcopal em relação à política?
A Assembleia Geral emitiu uma declaração densa e significativa onde, porém, não aparece um posicionamento partidário. Os bispos são encarregados de cuidar da Igreja e de promover a sua missão; não constituem um partido político, nem são filiados a um partido político ou constituem uma “bancada” política... Eles são pastores do povo de Deus, no meio do qual há pessoas de vários partidos; portanto, enquanto pastores e como Conferência, eles não têm escolha partidária. Além disso, a manifestação pessoal de um bispo não pode ser identificada como “posição da CNBB”. Quem representa a CNBB e fala por ela é a assembleia geral, a presidência e os órgãos colegiados, como o Conselho Permanente e o Conselho Pastoral. Vozes individuais em matéria política, mesmo de bispos, não deverão ser atribuídas logo à Conferência dos Bispos.

Que outros temas tratados na Assembleia o senhor destaca?
Houve diversos outros temas que foram objeto de reflexão e decisão na Assembleia da CNBB: tratamos de questões de Liturgia, do Dízimo, da formação sacerdotal, da missão da Igreja na Amazônia, de questões administrativas na Igreja, de orientações para o engajamento dos leigos na vida pública brasileira... Falamos do Ano Santo da Misericórdia, da Exortação Amoris laetitia, do Papa Francisco, sobre o amor, o casamento e a família. Tratamos do Congresso Eucarístico de Belém, da Jornada da Juventude... Tivemos também um dia de retiro espiritual, orientado pelo Cardeal Gianfranco Ravasi. Não faltam assuntos em nossas assembleias!