Missas matutinas em Santa Marta

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O Senhor transforme o coração dos cruéis
Publicado em: 15/01/2015 - 13:45
Créditos: Edição nº 3 do Jornal L’OSSERVATORE ROMANO – páginas 14-15

Foi em sufrágio pelas vítimas do cruel atentado terrorista perpetrado em Paris que o Papa Francisco celebrou a missa, disse ele mesmo no início do rito, manifestando toda a sua dor por este gesto feroz e vil, exprimindo uma proximidade especial aos familiares das vítimas e rezando para que transforme o coração dos perpetradores. “O atentado de ontem em Paris – afirmou – faz-nos pensar em toda a crueldade humana, em todo o terrorismo, quer isolado, quer de Estado, na crueldade de que o homem é capaz! Oremos nesta missa pelas vítimas de tal crueldade, rezando também pelos cruéis, para que o Senhor mude o seu coração”.

Nestes dias, disse o Papa, “a palavra-chave na liturgia e na Igreja é “manifestação”: o Filho de Deus manifestou-se na festa da Epifania aos gentios; no Batismo, quando desce sobre Ele o Espírito Santo; nas bodas de Caná, quando transforma milagrosamente a água em vinho”: “são estes os três sinais que a liturgia apresenta nestes dias para nos falar da manifestação de Deus que se faz conhecer”. Mas “a pergunta é  esta: como podemos conhecer Deus?”. Assim, pomo-nos imediatamente diante – afirmou o Papa, referindo- se à primeira Leitura (1 Jo 4, 7-10) – “do argumento do apóstolo João na primeira Carta: o conhecimento de Deus”. Portanto, “como se pode conhecer Deus?”.

A esta pergunta, disse, “uma primeira resposta seria: podemos conhecer Deus com a razão”. Mas “posso conhecer Deus com a razão? Em parte sim”. Com efeito, “com o meu intelecto, raciocinando, observando as coisas do mundo, podemos primeiro compreender que existe um Deus e a sua existência pode ser entendida nalguns vestígios da personalidade de Deus”. Porém, esclareceu o Papa, “isto é insuficiente para conhecer Deus”, dado que “Deus se conhece totalmente no encontro com Ele, e para o encontro só a razão não é suficiente, é necessário algo mais: a razão ajuda-nos a ir só até a um certo ponto”.

Na sua carta “João diz claramente o que é Deus: é amor”. Por isso, “só pelo caminho do amor podemos conhecer Deus”. Sim, “amor razoável, acompanhado da razão, mas amor”. Talvez possamos perguntar: “como posso amar quem eu não conheço? “. A reposta é clara: “Ama o teu próximo”, “esta é a doutrina  dos dois mandamentos: o mais importante é amar a Deus, porque Ele é amor”, e o segundo “é amar o próximo, mas para chegar ão primeiro devemos subir pela escada do segundo “. Em síntese, “através do amor ão próximo chegamos a conhecer Deus, que é amor”.

Depois, o Papa quis repetir as palavras de são João: “Amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus. Quem ama foi gerado por Deus”. Mas “não podes amar se Deus não puser o amor dentro de ti, se gerar em ti este amor”, pois “quem ama conhece Deus”. São João escreve: “quem não ama não conheceu Deus, porque Deus é amor”. Não nos referimos a um “amor de telenovela” mas, antes, a  um “amor sólido, forte, eterno, quês e manifesta no seu Filho que veio para nos salvar”. Então, é um “amor concreto, feito de obras e não de palavras”. Assim, “para conhecer Deus é necessária uma vida inteira: um caminho de amor, de conhecimento, de amor ao próximo, de amor a quantos nos odeiam, de amor a todos”.

Foi o próprio Jesus que “nos deu o exemplo do amor”: “não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele que nos amou e nos enviou o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados”. Por isso, “na pessoa de Jesus podemos contemplar o amor de Deus”. E “fazendo o que Jesus nos ensinou sobre o amor ao próximo chegamos ao conhecimento de Deus, que é amor”.

Depois, o Papa referiu-se a outro trecho da Escritura (Jr 1, 11-12), citando-o literalmente: Deus diz: “Que vês, Jeremias? Vejo um ramo de amendoeira. Viste bem, porque velo sobre a minha palavra para que se cumpra”. E “o ramo de amendoeira é o primeiro que floresce na primavera”. Isto significa que “o Senhor vigia”, é sempre “o primeiro, como a amendoeira, ama-nos primeiro”. Também nós “teremos sempre esta surpresa: quando nos aproximamos de Deus pelas obras de caridade, da oração, da Comunhão e da Palavra de Deus, vemos que já está ali à nossa espera”. E “como a flor de amendoeira, é o primeiro”.

Nesta perspectiva está também o trecho do Evangelho de Marcos (6, 34-44) proposto pela liturgia. “Diz-se que Jesus se compadeceu da multidão, é o seu amor: viu tantas pessoas, como ovelhas sem pastor, desorientadas “. Mas também hoje há “muita gente desnorteada nas nossas cidades e países”. Quando “Jesus viu a multidão desorientada, compadeceu-se: começou a ensinar-lhes a doutrina e as pessoas ouviam-no porque falava bem, falava ao seu coração”.

Mas depois Jesus deu-se conta de que cinco mil pessoas não tinham o que comer e chamou os discípulos. É Cristo que “vai primeiro ao encontro do povo”. Por sua vez, talvez “os discípulos se tenham enervado e a sua resposta foi forte: devemos ir comprar duzentos denários de pão para lhes dar de comer?”. “Os discípulos não tinham entendido nada!”. Mas “o amor de Deus assim: espera- nos sempre, surpreende-nos sempre”. É “o nosso Pai que nos ama muito e está sempre disposto e perdoar-nos”. Não uma vez, mas “setenta vezes sete: sempre, como um Pai cheio de amor”. Assim, “para conhecer este Deus que é amor devemos subir a escada do amor ao próximo, pelas obras de caridade e de misericórdia que o Senhor nos ensinou”.

O Papa concluiu com uma oração: “Nestes dias que a Igreja nos faz pensar na manifestação de Deus, o Senhor nos conceda a graça de o conhecer pelo caminho do amor”.

Sexta-feira 9 de Janeiro

Corações endurecidos

Um coração endurecido não consegue compreender nem sequer os maiores milagres. Mas “como endurece um coração?”. Perguntou o Papa Francisco durante a missa celebrada na manha de 9 de Janeiro, em Santa Marta.

Os discípulos, lê-se no trecho litúrgico do Evangelho de Marcos (6, 45-52), “não compreenderam o milagre dos pães: os seus corações estavam endurecidos”. E no entanto, explicou Francisco, “os apóstolos eram os amigos mais íntimos de Jesus. Mas não entendiam”. Embora tenham assistido ão milagre, “visto que aquela multidão – mais de cinco mil – comeu com cinco pães” não compreenderam. “Por que? Porque os seus corações estavam endurecidos” .

Muitas vezes Jesus ”fala da dureza do coração no Evangelho”, repreende o “povo de cerviz dura”, chora sobre Jerusalém “que não entendeu quem Ele é”. O Senhor confronta-se com essa dureza: “Jesus realizou muito trabalho – frisou o Papa – para tornar os corações mais dóceis, sem durezas, amoroso”. Um “trabalho” que continua depois da ressurreição, com os discípulos de Emaus e muitos outros.

Mas – perguntou o Pontífice – “como endurece um coração? Como é possível que as pessoas que estavam sempre com Jesus, todos os dias, que o ouviam e viam... e os seus corações estavam endurecidos. Mas de que modo um coração se torna assim?”. E contou: “Ontem perguntei ao meu secretario: Diz-me, como um coração endurece? E ele ajudou-me a refletir sobre isto”. Eis então a indicação de uma serie de circunstancias com as quais cada um pode confrontar a própria experiência.

Antes de tudo, disse Francisco, o coração “endurece-se por experiências dolorosas, duras”. Outro motivo que faz endurecer o coração e “o fechamento: construir um mundo em si mesmo”. Trata-se de um fechamento gerado pelo orgulho, pela suficiência, pelo pensamento que somos melhores do que os outros”, ou também “pela vaidade”. Algumas pessoas vivem fechadas e olham só para si mesmas, continuamente. Poderiam ser definidas “narcisistas  religiosas”. Um ulterior motivo de endurecimento do coração e a insegurança. Atitude típica de quantos “são muito apegados a letra da lei”. Como acontecia com os fariseus, explicou o Pontífice.

Eis a resposta a pergunta inicial. De fato, “o coração endurece-se quando não e livre, e se não e livre e porque não ama”. Conceito expresso na primeira leitura da liturgia do dia (1 Jo 4, 11-18), na qual o apostolo fala do “amor perfeito” que “afugenta o temor”. Com efeito, “no amor não há temor, porque o temor supõe um castigo e quem teme não e perfeito no amor. Não e livre. Sente sempre o temor que aconteça algo de doloroso, de triste”, que o leva a “estar mal na vida ou a por em risco a salvação eterna”. O coração dos discípulos, explicou o Papa, “estava endurecido porque ainda não tinham aprendido a amar”. Quem nos ensina a amar? Quem nos liberta da dureza? “Só o Espírito Santo o pode fazer”, esclareceu Francisco. “Podes fazer mil cursos de catequese, de espiritualidade, ioga, zen, etc., mas tudo isto nunca será capaz de te dar a liberdade de filho”.

E concluiu: “pecamos ao Senhor a graça de ter um coração dócil. Que ele nos salve da escravidão do coração endurecido” e “nos acompanhe na bonita liberdade do amor perfeito, a liberdade dos filhos de Deus, que só o Espírito Santo pode conceder”.