Cardeal Scherer: Síntese do relatório da Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos sobre os desafios da Família (I)

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<p>Introdução do texto de síntese da 3ª Assembléia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos.</p>
Publicado em: 23/10/2014 - 14:00
Créditos: Jornal O SÃO PAULO – Edição 3024 - 22 a 28 de outubro de 2014


Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo 

Na introdução do texto de síntese da 3ª Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, sobre “os desafios pastorais da família no contexto da evangelização”, já aparece o desejo do Papa Francisco de que os participantes da Assembleia compartilhassem suas reflexões com franqueza e liberdade; e assim aconteceu até o final dos trabalhos, num clima sereno e fraterno.

Por outro lado, também já fica claro que a assembleia sinodal não tomaria nenhuma decisão, sendo de caráter consultivo, e que as reflexões seriam articuladas, depois, com a preparação da Assembleia Ordinária do Sínodo, em outubro de 2015, cujo tema será: “vocação e missão da família na Igreja, no mundo contemporâneo”. Assim, que ninguém sinta frustrações, se o Sínodo não tomou “decisões” nem modificou isso ou aquilo...

O texto de síntese final está organizado em três partes, que correspondem aos passos do método ver-julgar-agir. A primeira parte trata do contexto sociocultural, econômico e pastoral em que se encontra a família atualmente.
Embora se leia que o Sínodo olhou para “as luzes e sombras” que envolvem hoje a família, de fato, porém, o texto se ocupa bem mais das sombras do que das luzes. Isso é compreensível, se tivermos em conta que o tema da assembleia sinodal era “os desafios pastorais da família”...

No mundo, o rosto da família apresenta uma variedade muito grande, de acordo com as diversas culturas e as condições sociais, políticas, econômicas e religiosas. Mas há alguns traços comuns, que tento expor brevemente.

1. A família é uma realidade no mundo inteiro e não acabou, apesar dos muitos problemas e desafios. Continua o desejo de formar família, que está inscrito na natureza humana. Ela continua sendo a última reserva do que há de mais genuinamente humano e de verdadeira solidariedade, mesmo quando ao redor todas as seguranças entram em falência.

2. A família, quase em toda parte, está em crise; encontra-se fragilizada e até abandonada a si mesma, por vários fatores.

3. A pressão exacerbada de fatores econômicos e da cultura marcada pelo individualismo cria dificuldades enormes para a vivência de valores essenciais ao casamento e à família.

4. As instituições “casamento” e “família”, sobretudo nos povos de cultura ocidental, tiveram forte perda de apreço; isso manifesta-se na pouca duração dos casamentos formalizados, na legislação cada vez mais inconsistente no tocante à família e ao casamento, nas muitas uniões livres e sem formalização alguma; aumenta o número dos “singles”, que não constituem família.

5. A procriação tem pouco apreço e a natalidade caiu drasticamente; uma porcentagem significativa das crianças nascem sem uma família constituída que as acolha e dê amparo.

6. A afetividade humana, muitas vezes, é vivida de maneira narcisista e egocêntrica, sem o estabelecimento de vínculos estáveis e profundos, ou num projeto de vida  comum, como é o casamento e a família.

7. Está em expansão o fenômeno da expressão homossexual da afetividade, estimulado por uma crescente “cultura gay” e pela ideologia de gênero. Esse fenômeno, presente sobretudo nos povos de cultura ocidental, também está em expansão entre povos de cultura mais tradicional, como na África e na Ásia.

8. Observa-se uma grave confusão antropológica na cultura contemporânea, que tem efeitos profundos e desorientadores em relação ao casamento e à família.

9. A crise da família no âmbito cristão e religioso está relacionada também à perda da fé e do sentido sobrenatural da vida.

A realidade da família e do casamento aparecem amplamente relegadas ao âmbito da vida privada; em tal situação, cada um se arranja como pode e como gosta. Tem-se a impressão de um campo abandonado e não mais cultivado, no qual qualquer um entra para ceifar ou pegar, e onde todo tipo de erva pode crescer à vontade...

Mas a Igreja continua a afirmar que a família é obra de Deus e quer cultivar esse campo e a preservá-lo de explorações indevidas, para que continue a dar frutos bons, como é de sua natureza. De fato, a família é um bem para a pessoa e para a sociedade; pela família passa o bem da humanidade inteira, e da Igreja, em boa parte, também.

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