Cardeal Scherer: ser missionários do Evangelho no mundo é campo privilegiado da ação dos leigos

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Em entrevista exclusiva ao O SÃO PAULO, destaca a temática da assembleia plenária da Pontifícia Comissão para a América Latina
Publicado em: 11/03/2016 - 14:45
Créditos: Jornal O SÃO PAULO - Edição 3092

Por Daniel Gomes

No início deste mês, entre os dias 1º e 4, o Cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo, participou, no Vaticano, da assembleia plenária da Pontifícia Comissão para a América Latina (PCAL), que tratou do tema “O compromisso indispensável dos leigos
na vida pública”.

Nesta entrevista exclusiva ao O SÃO PAULO, o Cardeal detalha as atribuições da PCAL, destaca a temática da Assembleia e fala sobre o papel dos cristãos leigos. “A Igreja existe para ser missionária do Evangelho no mundo, em todos os âmbitos da vida da sociedade; e esse é o campo privilegiado da ação dos leigos. No Brasil, desenvolveu-se uma grande participação dos leigos na vida intraeclesial e isso já é positivo; é necessário, agora, trabalhar mais para a presença testemunhal e a ação eficaz dos cristãos leigos no mundo secular e pluralista, para introduzir nele o sal, o fermento e a luz do Evangelho de Cristo”, afirma. Abaixo, segue a íntegra da entrevista.

Quais as principais atribuições da Pontifícia Comissão para a América Latina e por que foi realizada esta Assembleia?

A Pontifícia Comissão para a América Latina (PCAL) foi instituída para acompanhar a vida da Igreja nesse Continente e no Caribe, a fim de estimular seu desenvolvimento e sua missão em cada um dos países que fazem parte da área. A PCAL está unida à Congregação para os Bispos, cujo prefeito é também Presidente da Comissão. Por aí se vê que as atribuições da PCAL estão relacionadas estreitamente com o exercício da missão e das responsabilidades dos bispos. A PCAL também acompanha as conferências episcopais de cada país, estimulando iniciativas e ações de âmbito continental.

A partir do tema da Assembleia “O compromisso indispensável dos leigos na vida pública” quais foram as principais reflexões realizadas?

Participaram da Assembleia os membros da Comissão, nomeados pelo Papa para um quadriênio, no total de 20, além de outros convidados. O tema levou a reflexões interessantes, incluindo uma panorâmica sobre a presença e a atuação dos leigos na vida púbica em cada país. Refletiu-se, também, sobre a vocação e a missão dos cristãos leigos à luz dos documentos do Magistério conciliar e pós-conciliar. Tratou-se do papel dos bispos em relação aos leigos empenhados na vida pública e dos desafios que isso representa. Enfim, tratou-se também do futuro dos países e da Igreja no Continente à luz da atuação dos leigos na vida pública.

Em entrevista à rádio Vaticano, o Cardeal Marc Ouellet afirmou que a Igreja tentará suscitar, formar, encorajar e sustentar as novas formas de presença laical na vida pública. Na avaliação do senhor, como isso já está sendo feito pela Igreja no Brasil e o que ainda pode ser aprimorado?

O Cardeal Marc Ouellet é prefeito da Congregação para os Bispos e presidente da PCAL. As palavras “suscitar, formar, encorajar, sustentar” estiveram constantemente presentes nas reflexões da Assembleia e resumem a missão que cabe aos pastores da Igreja para que haja o empenho do laicato na vida pública. Não é missão fácil, pois isso esbarra em muitas dificuldades práticas, entre as quais a evangelização apenas superficial com que contamos; por outro lado, é sempre mais fácil e atraente o empenho direto dos leigos no âmbito intraeclesial, necessário, sem dúvida, mas que não pode esgotar o empenho dos leigos na vida e na missão da Igreja. A Igreja existe para ser missionária do Evangelho no mundo, em todos os âmbitos da vida da sociedade; e esse é o campo privilegiado da ação dos leigos. No Brasil, desenvolveu-se uma grande participação dos leigos na vida intraeclesial e isso já é positivo; é necessário, agora, trabalhar mais para a presença testemunhal e a ação eficaz dos cristãos leigos no mundo secular e pluralista, para introduzir nele o sal, o fermento e a luz do Evangelho de Cristo. Talvez será preciso compreender melhor a questão da “laicidade do Estado”, muitas vezes invocada como barreira para impedir qualquer ação mais explícita dos cristãos e católicos no mundo secular. A “laicidade do Estado” não deveria ser vista como um impedimento para que os católicos, bem como todos os cidadãos, contribuam com as convicções que lhes são próprias para a vida social e a edificação do bem comum.

Que contribuição os leigos católicos têm a dar diante do conturbado momento político e econômico do Brasil?

A contribuição deve ser dada como ação coerente e perseverante, em sintonia com as convicções da fé e da moral cristã. Não temos que pensar logo em aprovação de políticas favoráveis à Igreja: é preciso pensar, mais que tudo, na promoção do bem comum, acima dos partidarismos ou corporativismos, ou da defesa intransigente dos interesses de apenas partes da população; é preciso trabalhar para promover leis e políticas justas e condizentes com a dignidade humana, com uma sã antropologia, a justiça social, a superação das enormes desigualdades sociais, as oportunidades de trabalho, moradia, educação, saúde e vida digna para todos; é preciso trabalhar para a superação dos desvios de finalidade na gestão do poder público, da corrupção, dos negócios perniciosos como a droga, a venda de armas, a exploração do trabalho escravo, da prostituição. Os cristãos leigos, atuantes nos quadros da política, teriam atualmente uma boa oportunidade para fazer a diferença e para unirem-se em torno de plataformas comuns para melhorar nosso País e a vida de todos.

Também segundo o Cardeal Marc Ouellet, o Conselho Episcopal Latino-americano e a Pontifícia Comissão tencionam convocar pela primeira vez um encontro latino-americano entre bispos e leigos católicos que tenham responsabilidades políticas em âmbito governamental, parlamentar ou administrativo nacional e local. Que articulações já há para esse encontro?

Isso seria muito desejável e uma novidade na atuação da hierarquia da Igreja junto aos leigos empenhados nos diversos âmbitos da vida pública. No entanto, o assunto foi apenas acenado, como um projeto futuro, sobre o qual se começa a pensar. Mas ainda não há nada de concreto.