Fraternidade com gestos concretos

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21/03/2018 - 10:30

A Campanha da Fraternidade (CF), realizada todos os anos durante a Quaresma, é promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) desde 1963. Trata-se de uma iniciativa de evangelização e seus objetivos estão ligados às grandes questões postas na Quaresma: acolhida do Evangelho e conversão a Deus. 

Os temas da CF relacionam-se com as consequências sociais de nossa fé cristã e católica. Conforme Jesus ensinou, amor a Deus e amor ao próximo vão sempre juntos. Amor a Deus e prática do amor ao próximo são inseparáveis. O apóstolo São João trata do “mandamento novo”, dado por Jesus aos apóstolos na última ceia: “eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim deveis amar-vos uns aos outros também vós. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (Jo 13,34-35).

Nas suas cartas, o mesmo Apóstolo vai fundo nas consequências desse “mandamento novo”, ensinando que não conhece a Deus aquele que separa amor a Deus e amor ao próximo: “amemo-nos uns aos outros porque o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conheceu a Deus. Quem não ama, não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor” (1Jo 4,7-8). E insiste no seu ensinamento: “filhinhos, não amemos só com palavras e de boca, mas com ações e de verdade” (1Jo 3,18). 

A CF, durante a Quaresma, não se cansa de nos recordar, como num processo pedagógico nunca terminado, que a penitência quaresmal requer conversão verdadeira a Deus e, também, conversão à caridade concreta para com os irmãos. Seríamos cristãos falsos se quiséssemos separar ou opor o amor a Deus e o amor ao próximo: “se alguém disser – amo a Deus – mas odeia seu irmão, é um mentiroso; quem não ama seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê. Este é o mandamento que dele recebemos: quem ama a Deus, deve também amar seu irmão” (1Jo 4,19-21). 

Cada tema tratado pela CF está relacionado com o amor e o respeito devido a Deus e também o amor e o respeito ao próximo, mesmo quando isso não aparece tão claro à primeira vista. Quem poderia negar que o tema deste ano – “fraternidade e superação da violência” - possui relação com o amor a Deus e ao próximo? O mesmo se pode dizer dos demais temas, como “fraternidade e mundo do trabalho”, “fraternidade e fome”, “fraternidade, dignidade humana e paz”, “vida sim, drogas não”, “fraternidade e a mulher”. E não é diferente quando são temas relacionados com o meio ambiente, o cuidado da terra, a água, os povos indígenas, a segurança pública...

Chegando ao final da Quaresma, no Domingo de Ramos, somos convidados a fazer um gesto concreto de fraternidade e amor ao próximo mediante a coleta da CF, ou da solidariedade. O valor doado na coleta deve ser a expressão de nossa conversão quaresmal e de nosso amor fraterno. É também um gesto penitencial, fruto do jejum quaresmal e da partilha concreta do nosso amor ao próximo. O fruto da coleta da solidariedade, do Domingo de Ramos, é destinado a promover iniciativas relacionadas com as propostas do tema da CF. Em parte (40%), esse fruto é administrado por um Conselho Gestor da CF, ligado à CNBB; a outra parte da coleta (60%) permanece nas dioceses, que a devem aplicar com os mesmos objetivos. Neste ano, por exemplo, ao tratarmos da “superação da violência” mediante o aprofundamento da fraternidade, os valores recolhidos na coleta da CF deverão ser aplicados em iniciativas que se destinem a promover a superação da violência ou a socorrer as suas vítimas. 

Na Sexta-Feira Santa, a Igreja nos convida a mais um gesto concreto de amor fraterno, mediante a coleta em favor dos “Lugares Santos”. Neste caso, entendem-se os lugares bíblicos, onde nasceu e viveu Jesus e onde nasceu nossa fé cristã, como Israel e Palestina, o Egito, o Líbano, a Síria, o Iraque, a Turquia e outros. Como é sabido, naqueles lugares, os cristãos passam por enormes dificuldades há séculos e só conseguem viver a sua fé naquele contexto com verdadeiro heroísmo. 

Muitas vezes, a perseguição, a discriminação, a falta de liberdade e, também, o martírio são parte da vida daqueles nossos irmãos nos “lugares santos” das origens da nossa fé. Eles dependem de nossa ajuda generosa e de nossa oração também. Portanto, a coleta “em favor dos Lugares Santos”, na Sexta-Feira da Paixão, nos chama a mostrarmos nossa fraternidade concreta para com eles. Também isso é parte da vivência da Quaresma. Não amemos apenas com palavras, mas com gestos concretos.

 
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Publicado em O SÃO PAULO, na edição de 14/03/2018