Educar para mudar o mundo

A A
13/01/2016 - 14:30

De 18 a 21 de novembro do ano passado, tive a oportunidade de participar do Congresso Mundial sobre Educação, promovido pela Sagrada Congregação para a Educação Católica, em Roma. Como se esperava, o ponto alto do evento foi a audiência com o Papa Francisco na Sala Paulo VI.

O Congresso começou com a exibição de um vídeo sobre Malala, uma menina paquistanesa que se tornou internacionalmente famosa por lutar pelos direitos das meninas estudarem. Em alguns países, grupos muçulmanos radicais entendiam que as mulheres não deveriam estudar, mas somente cuidar da casa e criar os filhos.

Malala provém de uma família muçulmana piedosa, que vive perto de Deus. Num determinado momento, quando vê o sofrimento das pessoas e as injustiças contra a população simples, Malala, sabendo que o general chefe do governo não atenderia seus pedidos, resolve escrever para Deus: “Querido Deus: sei que o Senhor vê tudo, mas há coisas que, às vezes, podem passar despercebidas, sobretudo agora, com o bombardeio do Afeganistão. Mas acho que o Senhor não ficaria feliz se visse a maneira como algumas crianças da minha rua estão vivendo, num lixão. Deus, me dê força e coragem e me aperfeiçoe, pois quero transformar este mundo num mundo perfeito.”

Certa feita, ao voltar da escola, foi baleada por um terrorista talibã, junto com outras duas colegas, dentro do ônibus escolar.

Um dos tiros atingiu o seu rosto, ao lado do olho esquerdo, rompeu o nervo facial e afetou o ouvido. O projétil não atingiu a massa encefálica, mas desceu e se alojou num dos ossos do ombro. Passou por muitas cirurgias de reconstrução. “Agradeço a Alá pelos médicos que trabalharam ‘duro’ pela minha recuperação e por nos enviar para um mundo onde podemos trabalhar pela sobrevivência. Algumas pessoas escolhem caminhos bons e algumas escolhem caminhos ruins. A bala que me atingiu fez meu cérebro inchar, roubou a minha audição e cortou o nervo do lado esquerdo do meu rosto em menos de um segundo. E depois desse segundo, milhões de pessoas rezaram por mim, por minha vida, e médicos talentosos me deram meu próprio corpo de volta. Eu era uma boa menina. Meu coração tinha apenas o desejo de ajudar as pessoas. Não fiz nada com o objetivo de receber prêmios ou dinheiro. Sempre rezei a Deus: ‘Quero ajudar as pessoas. Por favor, me ajude a fazer isso’”.

Um ano depois, quando estava quase completamente recuperada (ainda permaneceram umas sequelas, como a diminuição da audição e menor mobilidade da face esquerda do rosto), ela vai a Nova York e discursa na ONU. Havia 400 pessoas na assembleia: “...conclamei os líderes mundiais a prover educação gratuita para todas as crianças do mundo: que possamos pegar nossos livros e canetas... São as nossas armas mais poderosas. Uma criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo”. A audiência a aplaudiu de pé.

Malala diz uma grande verdade: se queremos mudar o mundo, precisamos investir cada vez mais na educação das novas gerações. Mas devemos lutar por uma educação de qualidade, que promova uma formação realmente integral. Essa foi uma das ideias propostas pelos educadores durante o Congresso em Roma.

O Papa Francisco, respondendo às perguntas propostas pelos participantes da audiência, explicou, entre outras coisas, que “educar cristãmente é levar em frente os jovens e as crianças nos valores humanos em toda a realidade. E uma dessas realidades é a transcendência”. A formação nas escolas será verdadeiramente integral com a abertura à transcendência, à busca do sentido da existência em Deus, no cultivo da fé e da religião. Essa é a missão evangelizadora das nossas escolas e universidades católicas. Vale a pena pensar nisso antes de recomeçarmos as atividades escolares deste ano.

Dom Carlos Lema
Bispo auxiliar da Arquidiocese;
e vigário episcopal para a educação e universidade

Artigo publicado no Jornal O SÃO PAULO - edição 3084 -13 a 19 de janeiro