Deus vê tudo

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11/09/2017 - 14:45
Há uma página duríssima no livro do Gênesis, em que nos sentimos sem palavras para explicar. O fato é que Deus revelou a Abraão que ele seria o pai de uma imensa família, precisamente ele, que era já adiantado em idade e cuja mulher, Sara, não lhe havia dado nenhum filho. Como Deus prometera, Sara dá à luz a seu filho Isaac, doravante, o herdeiro da promessa de alargar a descendência de seu pai, Abraão. No entanto, em dado momento, Deus ordena a Abraão sacrificar o seu filho Isaac. Abraão, confuso e perplexo, está com o coração partido. Não consegue entender essa falta de lógica dos planos divinos, mas confia plenamente em Deus e se dirige ao local do sacrifício, acompanhado de seu filho. Vai sacrificar aquele filho longamente desejado, herdeiro das promessas divinas, pensando que Deus será capaz de ressuscitar um morto, se for necessário. Sempre penso que, tal como em muitos episódios bíblicos, os protagonistas são uma prefiguração de situações futuras a acontecer com a chegada do Messias.
 
Por outro lado, vemos que Deus põe à prova a fé e a obediência de Abraão. Ele acreditou contra toda esperança, porque sabia perfeitamente que Deus é Senhor da vida e da morte. Abraão obedece sem entender plenamente. Trata-se de uma obediência na esperança: Deus vai encontrar uma solução. Sabemos o que ocorreu: no último instante, Deus enviou um anjo para poupar a vida do filho de Abraão. Não parece errado pensar que somente na vida eterna Abraão entendeu que aquilo era uma prefiguração do que viria a acontecer com Jesus, o Filho amado do
Pai. Deus poupou o filho desejado de Abraão, mas não poupou o seu próprio Filho, Jesus, que foi sacrificado no lenho da Cruz.
 
A narrativa termina desta forma: “E Abraão pôs por nome àquele lugar: Deus vê” (Gn. 2,14). 
 
Deus é aquele que vê. No meio da angústia, da prova terrível da sua fidelidade, Abraão teve a certeza de estar sob o olhar de Deus. Que mistério é esse olhar de Deus! Deus vê tudo: as montanhas, as florestas, o fundo do mar e os astros do firmamento. Vê também os seres infinitamente pequenos, que formam a matéria: os prótons, elétrons etc, muitas dessas realidades que nós não conseguimos enxergar. Seu olhar abarca tudo, descobre tudo. Nada escapa dos olhos divinos: os acontecimentos ocultos aos nossos olhos e aqueles que ainda não chegaram.
 
Mais ainda: Deus vê e Deus sabe o que acontece no coração de cada pessoa. O homem vê o exterior, mas Deus perscruta o coração. Deus vê o que está dentro do nosso coração, as nossas intenções mais escondidas. Portanto, nossa reação natural deve ser um desejo de conversão, de reconhecimento humilde dos nossos erros e o desejo de retificar, sabendo que damos uma grande alegria para Deus, como o pastor que resgata a ovelha desgarrada.
 
Uma consequência natural é que tudo se simplifica em nossa vida quando nos vemos sob o olhar de Deus. Sentimo-nos seguros e confiantes, porque o olhar de Deus é um olhar de amor. Não de condenação ou surpresa. Assim, é verdadeiramente consolador sentir-se sempre sob o olhar de Deus. Não há nada de mais claro, não há melhor refúgio. O olhar de Deus nos protege, dá-nos segurança. Deus vê o nosso coração. Deus lê os nossos pensamentos, conhece as nossas intenções mais escondidas. Sabe até mesmo melhor do que nós o que nós queremos, o que nós precisamos. Por isso, pessoas que amam a Deus não precisam usar muitas palavras. Basta mostrar-lhe o coração. Deus sabe, Deus conhece tudo: o passado, o presente e o futuro; as coisas pequenas e as grandes da nossa vida. Uma forma de estar sob o olhar de Deus é abrir o coração no sacramento da Confissão, no qual encontramos um olhar de perdão, de compreensão. Um olhar redentor.