Uma viagem pelo Santuário de Aparecida

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Conheça o Santuario de Nossa Senhora Aparecida através de sua arte
Publicado em: 01/08/2017 - 12:00
Créditos: Redação

Como eu não sei rezar, só queria mostrar, meu olhar, meu olhar, meu olhar...”. A frase é um verso da música “Romaria”, de Renato Teixeira, cantada em todo o País para expressar a sinceridade de um romeiro que visita o Santuário Nacional de Aparecida e sente-se iluminado pela fé em Nossa Senhora, Mãe de Jesus.

A visita a Aparecida (SP) é, por si, emocionante, mas quem conhece melhor o projeto artístico do Santuário compreende que, além de viver um momento de devoção, o peregrino pode também aprofundar os fundamentos da sua fé. Um dos artistas responsáveis pelo projeto, que compunha a equipe de decoração do espaço, era Claudio Pastro (1948-2016). São dele a maioria dos painéis e demais obras de arte que estão no interior do Santuário.

Zenilda Cunha trabalha no Santuário Nacional de Aparecida há 11 anos. Ela recebeu a reportagem do O SÃO PAULO e explicou o significado das obras nas principais capelas e na nave central, bem como o baldaquino, uma das últimas obras de Pastro, antes da morte do artista, em outubro de 2016.

“Nossa missão é fazer com que cada peregrino sinta a presença de Jesus por meio de Maria. É importante lembrar que fazemos a viagem para a eternidade junto com Maria”, disse Zenilda, que é formada em História, com ênfase em turismo cultural, e foi professora de história antes de ser chamada para trabalhar como assessora na “Casa da Mãe”, como ela disse.

E foi pelo Baldaquino, obra constituída por uma cúpula sustentada por colunas e que está acima do altar central que a visita do Santuário teve início, embora Zenilda tenha dito que prefere começar pelo local onde está a imagem de Nossa Senhora, a mesma que foi encontrada por pescadores no rio Paraíba do Sul, em 1717.

Ela é coordenadora do Grupo de Monitoria que, diariamente, a partir das 19 horas, faz visitas guiadas com grupos de pessoas que se hospedam no Hotel Rainha do Brasil. “A visita é uma cortesia para os hóspedes, e o número vem crescendo a cada mês. Só hoje, temos 120 pessoas inscritas”, contou Zenilda.

“Eu gosto de começar pela asa sul, onde está a imagem de Nossa Senhora, porque é ela que gera Jesus para nós”, afirmou. Zenilda escutou o próprio Claudio Pastro muitas vezes, e estudou suas obras por dois anos, “para ter segurança”, explicou ela.

 

SANTUÁRIO

As colunatas que levam do Santuário às capelas do Batismo e da Ressurreição lembram o colunato da Basílica de São Pedro em Roma: seu formato imita um abraço. Pedro, Paulo e os outros Apóstolos também estão ali, lado a lado, acolhendo os peregrinos que chegam. No mesmo espaço está o relógio, que conta quantos dias, minutos e segundos faltam para a comemoração dos 300 anos do encontro da pequena imagem de Nossa Senhora nas águas do rio. Na frente da Basílica, o relógio, com suas quatro fases, e a passarela, que leva para a Igreja-Matriz, são um sinal do ontem e do hoje harmonizados pela fé.

Já o Campanário, ao lado da Capela das Velas, é uma obra de Oscar Niemeyer, enquanto os sinos são obra de Pastro. Eles representam, de cima para baixo, os 11 apóstolos mais Paulo e o maior, a Sagrada Família. “Os sinos tocam de hora em hora nas horas cheias e também a cada quinze minutos. Eles são de bronze; e é interessante lembrar que o bronze é o único metal que, quando vibrado, toca as veias do coração. O som do sino emociona bastante, eu saio de casa para chegar mais perto dos sinos e escutá-los”, contou Zenilda, que mora há menos de dez minutos do Santuário.

“A gente sai do mundo buscando paz e aqui vemos todo este esplendor, que é a graça de Deus. Nossa Senhora Aparecida, ‘imagenzinha’ de terracota, é um sinal do que somos nós. Vasos moldados pelas mãos de Deus”, continuou ela.

Ao todo, contando com as de passagem, são dez capelas. Em cada missa, o Santuário pode acolher de 30 a 45 mil pessoas. “A visita guiada é um trabalho gratificante, pois as pessoas não estão acostumadas a contemplar um espaço tão magnífico, e se surpreendem pelo significado de cada elemento. Aqui, um rio não é só um rio. Foi no rio que houve o encontro da imagem. Um tijolo também representa a matéria divina, pois viemos do barro de Deus e estamos em constante construção rumo à eternidade”, afirmou.

 

BALDAQUINHO

“A gente percorre a vida terrena para encontrar Jesus. O encontro da imagem representa também esse encontro de cada peregrino com Jesus”, afirmou Zenilda. A maior parte dos painéis do Pastro foi idealizada para azulejos e a escolha do material não é aleatória, mas “remonta à nossa herança portuguesa”, disse, olhando fixamente para o teto. Enquanto falava, o coro continuava a entoar o canto final da missa, uma das muitas que são celebradas diariamente no Santuário.

O colorido em torno do altar é representação de festa, da saída de uma vida difícil, muitas vezes de sofrimento, para uma vida onde há graça em abundância. Os muiraquitãs, ou seja, as rãs na língua Tupi Guarani, fazem parte da ideia de que a mensagem é anunciada na cultura brasileira, composta de indígenas, negros e os mais diferentes povos que deram origem ao povo brasileiro.

“No Baldaquino está a representação dos biomas brasileiros, as diferentes regiões que também acolheram o Mistério Pascal de Jesus. Bem acima do altar, a cruz é uma extensão da árvore da vida, que será pela primeira vez mostrada no dia 11 de outubro deste ano, quando será a inauguração completa do Baldaquino. Nessa árvore, a imagem de alguns pássaros em extinção no Brasil simboliza os peregrinos acolhidos pela Sabedoria de Deus. É a Cruz do nada, como dizia o Pastro, uma cruz vazada, que lembra a entrega de Jesus por nós”, explicou Zenilda.  Ela seguiu pelos corredores para mostrar que quando as pessoas se posicionam nas laterais do altar, a cruz desaparece. “Feliz daquele que acredita sem ver”, lembrou ela, citando a passagem bíblica em que Jesus aparece aos discípulos, narrada pelo Evangelho de João.

 

MUITAS CORES E MÚLTIPLOS SIGNIFICADOS

Em torno do altar central, um risco vermelho no azul simboliza a passagem do Mar Vermelho; os Ipês simbolizam, em cada estação do ano, as fases da vida; europeus, indígenas, africanos e brasileiros estão ali, em torno do altar, como num imenso jardim, o jardim da Criação ou da Ressurreição, símbolos do mesmo mistério pascal.

“O povo brasileiro está representado por um homem que carrega o berrante e usa um chapéu de palha. No Outono, a família está formada. No inverno, há a fecundação; na primavera, o bebê é gerado; e no verão, ele nasce. Flora e fauna brasileira numa explosão de cores e detalhes”, enfatizou Zenilda.

Já na ala norte, a rosácea colorida representa a encarnação e o impulso da Palavra de Jesus. À esquerda, a primeira cena é do Batismo de Jesus e, na última, a Transfiguração. No painel principal há o Pantocrator – a representação de Jesus onipotente ladeado pelas mulheres da Igreja. Desde Madalena até Joana D’Arc, de Santa Teresa D’Ávila até Irmã Doroty Stang, elas representam o valor inestimável da mulher ao longo da história da Igreja. Abaixo do painel, as lamparinas recordam as virgens prudentes, aquelas que escolheram deixar tudo para seguir Jesus. Maria é a grande lua que reflete o Sol, ou seja, ela reflete o Cristo, luz do mundo.

Na ala oeste, o painel faz referência à evangelização do Brasil. Bem no centro está Cristo, que representa os cristãos que também em Cristo são gerados para anunciar a Boa Nova. Da esquerda para a direita, vêse de São José de Anchieta a Frei Damião e Dom Helder Câmara, Padre Vitor Coelho

 

CAPELA SÃO JOSÉ

Tudo começa com o sonho de José. Quando viu Maria, ele não queria recebê-la. Foi o Arcanjo Gabriel que disse a José, em um sonho, que ele não devia temer. Na Capela de São José, o chão está coberto por estrelas matutinas, que orientam quem quer se aproximar de Jesus e recebê-lo em sua vida. Ali acontecem os casamentos. “As noivas não precisam se preocupar com tapetes, eles caminham rumo ao altar num chão de estrelas”, disse Zenilda.

Um jardim de lírios também ornamenta o chão da capela: são os lírios de José, a pureza com a qual ele acolheu Maria. À frente, os painéis representam a Sagrada Família. José, com sua ferramenta de trabalho, Jesus com o cálice do seu sacrifício por nós, e Maria, que segura a Menorah, a luz plena de Deus. Na Apresentação de Jesus ao templo, há dois personagens, o velho Simeão e a profetiza Ana; e, lá em cima, o Santuário de Aparecida. Os painéis, de cimento armado, são de Adélio Sarro, e compõem harmoniosamente o espaço sagrado.

 

CAPELA DO SANTÍSSIMO

“Pão dos anjos, alimento dos viandantes”. A frase está escrita em latim e acolhe as pessoas que, silenciosamente, dirigem-se para a capela do Santíssimo que estava exposto para adoração, e assim continua durante todo o dia, desde a Páscoa. Os ícones que estão atrás do altar foram doados do acervo do Vaticano por São João Paulo II, quando esteve em Aparecida, ainda na década de 1980; são anjos com os evangelistas e o próprio Jesus, Cordeiro Pascal.

“Na lateral, os dois painéis de cimento armado, também de Adélio Sarro, recordam as cenas do Lava-Pés e do encontro de Jesus com os discípulos de Emaús. Eles significam o serviço e a partilha”, explicou Zenilda, que, apontando para o chão, chamou atenção para os peixes.

“Esses peixes que vão e vêm lembram todas as pessoas que, ao serem alimentadas por Cristo, estão em busca precisamente desse verdadeiro pão que alimenta para a vida eterna”, continuou ela. Além disso, o peixe é símbolo eucarístico desde os primeiros cristãos. No teto, por sua vez, a porcelana dourada lembra a luz plena de Deus que se dá em alimento, bem como os feixes de trigo. Abaixo dela está a água, o Espírito Santo que age, o próprio Cristo.

Zenilda falou também sobre a representação de água que é colocada, inclusive, nas paredes do Santuário. “Quando estamos do lado de fora, nós só podemos ver o rio [no caso, o rio Paraíba do Sul], mas quando entramos no Santuário, estamos imersos nesta água da vida. Durante a vida terrena, estamos sendo conduzidos, mas ao entrar no Santuário, mergulhamos em Jesus”.

 

CAPELA DA RESSURREIÇÃO

Na Capela da Ressurreição, estão os restos mortais dos bispos que passaram pelo Santuário; há também um painel digital com os nomes e fotos dos devotos que ajudaram a construí-lo. “Lá há sete painéis que retratam o sofrimento de Jesus. É Jesus que desce à mansão dos mortos, passa pelo seu sofrimento e vem para redimir a humanidade. Ali, é a imagem de Jesus, o Bom Pastor que acolhe os peregrinos, a representação mais antiga daquele que veio para salvar a todos”, acrescentou Zenilda.

CAPELA DO BATISMO

Na Capela do Batismo, todos são convidados a ressurgir com Cristo. Por isso, a Capela fica do lado leste – o lado onde o sol nasce. “No Batismo, nascemos para a Igreja. No meio da capela há uma pia, um poço batismal, e algumas cenas bíblicas, que recordam a ressurreição, como a ressurreição de Lázaro”, contou Zenilda, que disse ser a Capela do Batismo uma das suas preferidas quando busca recolher-se para um momento de oração silenciosa.

A Cúpula dourada representa o Batismo como luz do mundo. Ali também está representado o Cordeiro e as ovelhas. Atrás da pia batismal estão os óleos consagrados. Também a Pomba da Paz e do Espírito Santo pode ser vista na Capela do Batismo, pois o cristão é batizado no Espírito Santo. Na entrada, a palavra “Pax” chama atenção de quem chega. “A primeira mensagem do Cristo Ressuscitado foi paz e, na porta, é Cristo, novo Adão, aquele que nos abre as portas do Paraíso. A gente sai do mundo para estar com Cristo na Igreja”, recordou a historiadora.

 

CAPELA DAS VELAS

“ A Capela das Velas revela-se como um lugar de luz: Jesus, a luz do mundo. No meio da capela, bem no alto, o “Tau”, a Cruz Franciscana, recorda o preço da Redenção, a Salvação, sinal da Cruz Vitoriosa. Abaixo dessa cruz, há dois castiçais de sete braços, a Menorah, um voltado para baixo e outro para cima, pois tudo aquilo que acontece na Terra é refletido no Céu e todas as graças e bênçãos do Céu são derramados na Terra. “A Menorah também representa a sarça ardente, pois assim como Moisés foi chamado no espaço sagrado, somos chamados por Cristo para a vida. Os círculos claros e escuros no chão são a representação das virgens prudentes e imprudentes, conforme a parábola narrada por Mateus, em seu Evangelho”, explicou Zenilda.

 

ZENILDA CUNHA

Era o próprio Claudio Pastro que fazia a visita guiada, com seus alunos e demais pessoas que queriam conhecer melhor suas obras no Santuário. Zenilda, assessora e monitora histórica e religiosa do Santuário, contou à reportagem que ele tinha sido convidado em 1997 para compor a equipe de decoração, mas, por questões de saúde, só aceitou depois de um segundo convite, em 1999.

“Quando eu cheguei, em 2006, fui convidada a fazer um projeto que reunisse as diversas atividades do Santuário e acabei me envolvendo também com essas monitorias que ele dava. Fiz a visita com o Pastro diversas vezes, e estudei sua biografia e obra  durante dois anos para ter segurança e falar sobre ele”, afirmou.

Há um ano, foi criada uma equipe de monitoramento para apresentar o Santuário aos hóspedes do Hotel Rainha do Brasil, da qual Zenilda é coordenadora. Além disso, podem ser feitas visitas para grupos especiais, sempre com agendamento prévio. Os principais interessados são estudantes de Arquitetura e História Religiosa, bem como padres e religiosos.

 

MAIOR DO MUNDO

Sendo a maior igreja dedicada à Nossa Senhora do mundo, o Santuário Nacional de Aparecida atrai pessoas do Brasil e do mundo, inclusive pessoas de diferentes confissões religiosas. “A visita completa tem duração de cerca de oito horas e, além das obras de arte, falamos sobre a história do encontro da imagem, liturgia e outros assuntos referentes ao dia a dia do Santuário”, contou Zenilda.

Ela disse que o trabalho é muito interessante, pois há pessoas que nem sabem, por exemplo, que a imagem de Aparecida se trata de uma representação de Maria grávida de Jesus. “Ela é Nossa Senhora da Conceição e se tornou Aparecida porque foi encontrada”, acrescenta. Outros detalhes, como o formato do Santuário, que foi pensado como uma grande Cruz Grega, ou a divisão de temas por alas, são elementos que possivelmente passam despercebidos pela maioria dos peregrinos.

“O Santuário recorda a Jerusalém Celeste, e este espaço Sagrado se renova a cada peregrino que aqui passa em busca da coragem, da paz. Além disso, é importante lembrar que a obra do Pastro, presente em todos os lugares, é simples e as pessoas se identificam com as imagens”, ressaltou.

Zenilda lembrou ainda da última vez que se encontrou com Pastro, em setembro de 2016. “Ele me disse: ‘Hoje, entreguei todo o projeto do Santuário’. E falava que não estaria nos 300 anos do encontro da imagem. Ele sabia que estaria no céu. Claudio Pastro fez 55 cirurgias. Ele mesmo dizia que vivia pela graça de Deus. E quando dizia isto, ficava com os olhos cheios d’água”, recordou, ela que é uma de suas discípulas.

“Eu sinto a falta do Claudio, mas para mim ele vai chegar a qualquer momento, pois não consegui ir ao funeral e não me despedi dele. Ele me orientava, me dava dicas de livros, me incentiva a ir em frente. Sempre nos demos muito bem”, contou.

E Zenilda, cujo pai trabalhou como cozinheiro para os padres redentoristas durante muitos anos, lembrou ainda uma frase de Claudio Pastro da qual ela se recorda sempre: “Uma arte sacra que nos ajude a rezar verdadeiramente deve conter a verdade de Deus, a bondade de Deus que nos deu seu Filho e nos trouxe a vida e, ao mesmo tempo, o que é belo, porque para Deus nós somos belos”.

Tendo pensado em ser religiosa, e sendo parte de uma família onde há muitos padres e religiosas, a responsável por apresentar o Santuário de Aparecida às pessoas que querem encontrar-se com Jesus, por meio de Maria, como ela mesma repetiu várias vezes, sonha em morar algum tempo fora do Brasil e em constituir uma família. “Mas isso só depois da nossa celebração de 300 anos”,brincou ela.