A paz é fruto da justiça

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27/09/2016 - 08:45

Queridos irmãos e irmãs, a Doutrina Social da Igreja se fundamenta sobre três pilares: a justiça social, o respeito à dignidade da pessoa humana e a prevalência do bem comum acima de interesses particulares. Sobre essas três colunas se constrói uma sociedade justa e fraterna como Deus quer. Nossa sociedade é injusta, porque nem todos têm as mesmas oportunidades: para alguns é assegurado tudo, enquanto que para outros, nada ou pouca coisa, e os desafortunados, ainda com frequência, são vistos como vagabundos.

Vê-se frequentemente a dignidade humana ser desrespeitada, as pessoas serem humilhadas, como se nada fossem. Muitos não têm o que comer, o que vestir, nem como se locomover. O acesso à saúde é precário e muitas vezes uma pessoa para ser atendida por um médico passa meses à espera. Muitas pessoas moram nas ruas e praças de nossas cidades. A desigualdade social é gritante. Estabeleceu-se em nossa nação e em nossas cidades uma indústria da exclusão, pela qual os excluídos não têm voz nem vez. O pior é que estamos nos acostumando com essa triste realidade. Pouco a pouco, vai sendo introjetado em cada um de nós essa situação, que passa a fazer parte da nossa vida e da nossa cultura como se fosse uma situação normal. É no dizer do Papa a “globalização da indiferença”. Não se questiona mais nada, perde-se a sensibilidade para com os penalizados sem culpa. Com muita frequência, os interesses particulares se sobrepõem ao bem comum, que aliás, se perdeu o senso de bem comum é bem de todos e não interesse particular.

Todos nós desejamos a paz, mais como existirá paz numa situação dessas? Como a paz pode se conciliar com a fome, a doença, a falta de transporte, de educação de qualidade para todos? Como conciliar a paz com o desemprego, a miséria, a violência, a corrupção, a indiferença e os abusos na política?

O Papa Francisco, em sua última viagem à América Latina, lembrou-nos dos três ‘Ts’ que assegurariam um clima de paz e prosperidade: Terra, Teto e Trabalho. Muitas vezes, nós não queremos entender por que as pessoas migram e as cidades incham. No campo, hoje se pensa no agronegócio, e os pequenos produtores não têm mais vez. Como uma família pode viver em paz se não tem onde morar? Como podemos falar de paz se não há trabalho para todos?

No último dia 7 de setembro, rezamos pela nossa pátria e pelo povo brasileiro. Aconteceu também como nos últimos 21 anos, o “Grito dos Excluídos”, lembrando a situação de milhões de pessoas que vivem em condições desumanas, evidenciando a existência de grande desigualdade social na nação brasileira, tanto no campo quanto em nossas cidades.

No número 53 da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, o Papa Francisco afirma que nós, cristãos, devemos dizer “não” a uma economia de exclusão e de desigualdade social. Grandes massas da população vêem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspectivas.

Sem nos darmos conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores alheios, já não choramos à vista do drama dos outros nem nos interessamos por cuidar deles, como se tudo fosse responsabilidades de outros. A cultura do bem-estar nos anestesia a ponto de perdermos a serenidade, se o mercado oferecer alguma coisa que ainda não possuímos. Enquanto isso, vidas são ceifadas por falta de possibilidades (cf. EG 54). Não alimentemos ilusões: não viveremos em paz se não houver justiça social, e todos nós somos chamados a sermos humanos, a cuidarmos uns dos outros, a sermos simplesmente humanos.

 

Fonte: Edição 3120 – Jornal O SÃO PAULO – p. 05.