Um olhar sonhador

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28/09/2015 - 10:00

Francisco pediu aos jovens que abram o coração aos outros para construir a cultura do encontro

Com um discurso improvisado sobre a importância dos sonhos, o Papa Francisco dirigiu-se aos jovens reunidos no início da noite de 20 de Setembro, no encerramento do segundo dia passado na capital cubana. Na praça diante do centro cultural dedicado ao padre Félix Varela - adjacente à catedral - o Pontífice ouviu a saudação do reitor e de um jovem aos quais respondeu pondo de lado o texto preparado para a circunstância e pronunciando as seguintes palavras.

Vós estais de pé e eu sentado, que vergonha! Mas, sabeis por que me sentei? Porque tomei nota de algumas coisas que disse o nosso companheiro e é sobre elas que vos quero falar. Uma palavra que me tocou fortemente: sonhar. Um escritor latino-americano dizia que as pessoas têm dois olhos: um de carne e outro de vidro. Com o olho de carne, vemos o que fixamos. Com o olho de vidro, vemos o que sonhamos. É bonito, não é?

Na objetividade da vida, deve entrar a capacidade de sonhar. E um jovem que não é capaz de sonhar, está encerrado em si mesmo, está fechado em si mesmo. As pessoas, às vezes, sonham coisas que nunca vão acontecer, mas sonham-nas, desejam-nas, buscam horizontes, abrem-se, abrem-se a coisas grandes. Não sei se aqui, em Cuba, se usa a expressão mas nós, os argentinos, dizemos “não te enrodilhes!”. Está bem? Não te enrodilhes, abre-te. Abre-te e sonha. Sonha que o mundo contigo pode ser diferente. Sonha que se deres o melhor de ti, vais ajudar a que este mundo seja diferente. Não vos esqueçais: sonhai! E se por acaso vos foge de mão, sonhais demasiado e a vida vos corta o caminho? Não importa; sonhai. E contem os vossos sonhos. Contai, falai das coisas grandes que desejais, porque quanto maior for a capacidade de sonhar, mesmo que a vida te deixe a metade do caminho, mais caminho terás percorrido. Então, em primeiro lugar, sonhar.

Tu disseste uma pequena frase, que eu já tinha sublinhado durante a tua intervenção e tomei algumas notas: saibamos acolher e aceitar quem pensa de modo diferente. Realmente, às vezes, estamos fechados. Encerramo-nos no nosso pequeno mundo: “Ou ele é como que eu quero que seja, ou não é nada”. E tu foste ainda mais longe: não nos fechemos nos cubículos das ideologias ou nos cubículos das religiões. Oxalá possamos crescer contra os individualismos. Quando uma religião se transforma em cubículo, perdeu o melhor que tem, perdeu a sua realidade que é adorar a Deus, crer em Deus. É um cubículo. É um cubículo de palavras, de orações, de “eu sou bom, tu és mau”, de prescrições morais. E quando tenho a minha ideologia, o meu modo de pensar e tu tens o teu, encerro-me nesse cubículo da ideologia.

Corações abertos, mentes abertas. Se tu pensas diferente de mim, por que não havemos de falar? Por que fixar sempre o dedo sobre aquilo que nos separa, sobre aquilo em que somos diferentes? Por que não nos damos a mão naquilo que temos em comum? Tenhamos a coragem de falar do que temos em comum. E, depois podemos falar das coisas que temos diferentes ou pensamos de modo diferente. Disse falar; não disse brigar, não disse fecharmo-nos. Não disse “fechar-se no cubículo”, para usar a tua expressão. Mas isso só é possível quando uma pessoa tem a capacidade de falar daquilo que tem em comum com o outro, daquilo para que somos capazes de trabalhar juntos. Em Buenos Aires, numa paróquia nova situada numa área muito pobre, andava um grupo de jovens universitários a construir uns salões paroquiais. E o pároco disse-me: “Por que não vens lá um sábado para que tos apresente?” Eles trabalhavam sábados e domingos na construção. Eram rapazes e meninas da universidade. Cheguei e vi-os, e o pároco foi-nos apresentando: “Este é o arquiteto, que é judeu; este é comunista, este é católico praticante, este é...”. Todos eram diferentes, mas todos estavam a trabalhar em comum para o bem comum. Buscar o bem comum chama-se amizade social. A inimizade social destrói. E uma família destrói-se pela inimizade. Um país destrói-se pela inimizade. O mundo destrói-se pela inimizade. E a inimizade maior é a guerra. E hoje vemos que o mundo se está a destruir pela guerra. Por que motivo são eles incapazes de se sentar e falar: “Bem! Vamos negociar. Que podemos fazer em comum? Há coisas em que não vamos ceder, mas não matemos mais ninguém”. Quando há divisão, há morte. Há morte na alma, porque estamos a matar a capacidade de unir. Estamos a matar a amizade social. E isto é o que vos peço hoje: sede capazes de criar a amizade social.

Depois vem outra palavra que disseste: a palavra esperança. Os jovens são a esperança de um povo. Isto ouvimo-lo dizer por todos os lados. Mas, que é a esperança? É ser otimistas? Não. O otimismo é um estado de espírito. Amanhã acordas com dor de fígado e não és otimista, vês tudo negro. A esperança é algo mais. A esperança é sofrida. A esperança sabe sofrer para levar a cabo um projeto, sabe sacrificar-se. Tu és capaz de te sacrificar por um presente e os vindouros que se arranjem? A esperança é fecunda. A esperança dá vida. Tu és capaz de dar vida, ou vais ser um jovem ou uma jovem espiritualmente estéril, sem capacidade de criar vida para os outros, sem capacidade de criar amizade social, sem capacidade de criar pátria, sem capacidade de criar grandeza? A esperança é fecunda. A esperança empenha-se no trabalho. Aqui quero referir-me a um problema muito grave que se está a viver na Europa: a enorme quantidade de jovens que não têm trabalho. Há países na Europa onde 40% dos jovens de vinte e cinco anos para baixo vivem desempregados. Estou a pensar num país. Mas, noutro país, são 47%. Noutro, 50%. Evidentemente, um povo que não se preocupa em dar trabalho aos jovens, um povo - e, quando digo povo, não digo governos, mas todo o povo, as pessoas que não se preocupam com que estes jovens trabalhem - esse povo não tem futuro. Os jovens tornam-se parte da cultura de descarte. E todos sabemos que hoje, neste império do deus dinheiro, descartam-se as coisas e descartam-se as pessoas. Descartam-se as crianças, porque não querem tê-las ou matam-nas antes de nascer. Descartam-se os idosos - falo do mundo em geral - descartam-se os idosos porque já não produzem. Em alguns países, há a lei da eutanásia, mas em muitos outros reina uma eutanásia escondida, encoberta. Descartam-se os jovens, porque não lhes dão trabalho. Então, que resta a um jovem sem trabalho? Num país que não inventa, num povo que não inventa oportunidades de emprego para os seus jovens, a esse jovem restam-lhe os vícios ou o suicídio ou então sair à procura de exércitos de destruição para criar guerras. Esta cultura do descarte está a fazer-nos mal a todos, tira-nos a esperança. E isso é o que tu pediste para os jovens: queremos esperança. Esperança que é sofrida, é trabalhadora, é fecunda. Dá-nos trabalho e salva-nos da cultura de descarte. E esta esperança que é convocadora, convocadora de todos, porque um povo que sabe auto-convocar-se para olhar o futuro e construir a amizade social - como disse, mesmo que se pense diferente - esse povo tem esperança.

E, se me cruzo com um jovem sem esperança, digo, como fiz uma vez, é um jovem aposentado. Há jovens que parece que se aposentam aos vinte e dois anos. São jovens de existência triste. São jovens que apostaram a sua vida basicamente no derrotismo. São jovens que se lamentam. São jovens que fogem da vida. O caminho da esperança não é fácil nem se pode percorrer sozinho. Há um provérbio africano que diz: “Se queres ir depressa, vai sozinho, mas se queres chegar longe, vai acompanhado”. E eu quero que vós, jovens cubanos, mesmo que penseis de forma diferente, mesmo que tenhais um ponto de vista diferente, eu quero que vós vades acompanhados, juntos, buscando a esperança, buscando o futuro e a nobreza da pátria.

E assim, começamos com a palavra “sonhar” e quero terminar com outra palavra que tu disseste e que eu costumo usar bastantes vezes: “a cultura do encontro”. Por favor, não nos desentendamos entre nós. Prossigamos acompanhados, como se fôssemos um só. Encontremo-nos, ainda que pensemos diferente, ainda que sintamos diferente. Pois há algo maior que nós mesmos: é a grandeza do nosso povo, é a grandeza da nossa pátria, é essa beleza, essa doce esperança da pátria a que temos de chegar. Muito obrigado!

Despeço-me, desejando-vos o melhor. Desejando-vos... Bem, tudo isso que vos disse vo-lo desejo. Vou rezar por vós. E peço que rezeis por mim. E se algum de vós não for crente - e não pode rezar, porque não é crente - que ao menos me deseje coisas boas. Que Deus vos abençoe, vos faça continuar por este caminho da esperança para a cultura do encontro, evitando esses cubículos de que falou o nosso companheiro. Deus vos abençoe a todos.

Fonte: Edição nº 39 do Jornal L’OSSERVATORE ROMANO – páginas 10 e 12