Um anjo à porta

A A
02/07/2015 - 08:45

O Pontífice recordou a coragem dos apóstolos e invocou uma Igreja fiel a Cristo
Hoje os cristãos são vítimas de atrozes perseguições sob o silêncio de todos

“Uma Igreja em oração é uma Igreja “de pé”, sólida, a caminho”. Frisou Francisco na homilia da missa celebrada na basílica vaticana a 29 de Junho, solenidade dos santos Pedro e Paulo, para a entrega do pálio a 46 novos arcebispos metropolitanos. Na homilia o Papa recordou os cristãos que ainda hoje são vítimas de perseguições “no silêncio de todos”.

A leitura tirada dos Atos dos Apóstolos fala-nos da primeira comunidade cristã assediada pela perseguição. Uma comunidade duramente perseguida por Herodes, que “mandou matar à espada Tiago (...) e mandou também prender Pedro (...). Depois de o mandar prender, meteu-o na prisão” (12, 2-4).

Mas não quero deter-me nas atrozes, desumanas e inexplicáveis perseguições, infelizmente ainda hoje presentes em tantas partes do mundo, muitas vezes sob o olhar e o silêncio de todos. Prefiro hoje venerar a coragem dos Apóstolos e da primeira comunidade cristã; a coragem de levar por diante a obra de evangelização, sem medo da morte nem do martírio, no contexto social de um império pagão; venerar a sua vida cristã, que para nós, crentes de hoje, é um forte apelo à oração, à fé e ao testemunho. Um apelo à oração. A comunidade era uma Igreja em oração: “Enquanto Pedro estava encerrado na prisão, a Igreja orava a Deus, constantemente, por ele” (At 12, 5). E, pensando em Roma, as catacumbas não eram lugares para escapar das perseguições, mas principalmente lugares de oração, para santificar o domingo e para elevar, do seio da terra, uma adoração a Deus que nunca esquece os seus filhos.

A comunidade de Pedro e Paulo ensina-nos que uma Igreja em oração é uma Igreja de pé, sólida, em caminho! Na verdade, um cristão que reza é um cristão protegido, guardado e sustentado, mas sobretudo não está sozinho.

E a primeira leitura continua: “Diante da porta estavam sentinelas de guarda à prisão. De repente apareceu o anjo do Senhor e a masmorra foi inundada de luz. O anjo despertou Pedro, tocando-lhe no lado (...) e as correntes caíram-lhe das mãos” (12, 6-7).

Pensamos porventura nas vezes sem conta que o Senhor respondeu à nossa oração enviando-nos um Anjo? Aquele Anjo que, inesperadamente, vem ao nosso encontro para nos salvar de situações difíceis? Para nos arrancar das mãos da morte e do maligno; para nos apontar o caminho perdido; para reacender em nós a chama da esperança; para nos fazer uma carícia; para consolar o nosso coração dilacerado; para nos despertar do sono existencial; ou simplesmente para nos dizer: “Não estás sozinho”.

Quantos anjos coloca Ele no nosso caminho, mas nós, dominados pelo medo ou pela incredulidade ou então pela euforia, deixamo-los fora da porta - precisamente como aconteceu a Pedro quando bateu à porta da casa e “uma serva chamada Rode veio atender. Reconheceu a voz de Pedro e com alegria, em vez de abrir, correu a anunciar que Pedro se encontrava em frente da porta” (12, 13-14).

Nenhuma comunidade cristã pode prosseguir sem o apoio da oração perseverante! A oração que é o encontro com Deus, com Deus que jamais desilude; com o Deus fiel à sua palavra; com Deus que não abandona os seus filhos. Jesus perguntava-se: “E Deus não fará justiça aos seus eleitos, que a Ele clamam dia e noite?” (Lc 18, 7). Na oração, o crente exprime a sua fé, a sua confiança, e Deus exprime a sua proximidade, inclusive através do dom dos Anjos, seus mensageiros.

Um apelo à fé. Na segunda leitura, São Paulo escreve a Timóteo: “O Senhor, porém, esteve comigo e deu-me forças, a fim de que, por meu intermédio, o anúncio [do Evangelho] fosse plenamente proclamado (...). Assim fui arrebatado da boca do leão. O Senhor me livrará de todo o mal e me levará a salvo para o seu Reino celeste” (2 Tm 4, 17-18). Deus não tira os seus filhos do mundo ou do mal, mas dá-lhes a força para vencê-los. Só quem acredita pode verdadeiramente dizer: “O Senhor é meu pastor, nada me falta” (Sl 22 [23], 1).

Ao longo da história, quantas forças procuraram - e procuram - aniquilar a Igreja, tanto a partir do exterior como do interior, mas todas foram aniquiladas e a Igreja permanece viva e fecunda! Inexplicavelmente, permanece firme para poder - como diz São Paulo - aclamar, “a Ele, a glória pelos séculos dos séculos” (2 Tm 4, 18).

Tudo passa, só Deus resta. Na verdade, passaram reinos, povos, culturas, nações, ideologias, potências, mas a Igreja, fundada sobre Cristo, não obstante as inúmeras tempestades e os nossos muitos pecados, permanece fiel ao depósito da fé no serviço, porque a Igreja não é dos Papas, dos Bispos, dos padres e nem mesmo dos fiéis; é só e unicamente de Cristo. Só quem vive em Cristo promove e defende Igreja com a santidade da vida, a exemplo de Pedro e Paulo.

Em nome de Cristo, os crentes ressuscitaram os mortos; curaram os enfermos; amaram os seus perseguidores; demonstraram que não existe uma força capaz de derrotar quem possui a força da fé!

Um apelo ao testemunho. Pedro e Paulo, como todos os Apóstolos de Cristo que na vida terrena fecundaram a Igreja com o seu sangue, beberam o cálice do Senhor e tornaram-se os amigos de Deus.

Em tom comovente, Paulo escreve a Timóteo: “Quanto a mim, já estou pronto para oferecer-me como sacrifício; avizinha-se o tempo da minha libertação. Combati o bom combate, terminei a corrida, permaneci fiel. A partir de agora, já me aguarda a merecida coroa, que me entregará, naquele dia, o Senhor, justo juiz; e não somente a mim, mas a todos os que anseiam pela sua vinda” (2 Tm 4, 6-8).

Uma Igreja ou um cristão sem testemunho é estéril; um morto que pensa estar vivo; uma árvore ressequida que não dá fruto; um poço seco que não dá água! A Igreja venceu o mal, através do testemunho corajoso, concreto e humilde dos seus filhos. Venceu o mal, graças à convicta proclamação de Pedro: “Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo”, e à promessa eterna de Jesus (cf. Mt 16, 13-18).

Amados Arcebispos que, hoje, recebestes o pálio! Este é o sinal que representa a ovelha que o pastor carrega aos seus ombros como Cristo, Bom Pastor, sendo, pois, símbolo da vossa tarefa pastoral; é “sinal litúrgico da comunhão que une a Sé de Pedro e o seu Sucessor aos Metropolitas e, através deles, aos outros Bispos do mundo” (Bento XVI, Angelus, 29 de Junho de 2005).

Hoje, com o pálio, quero confiar-vos este apelo à oração, à fé e ao testemunho.

A Igreja quer-vos homens de oração, mestres de oração: que ensinam ao povo que o Senhor vos confiou que a libertação de todas as prisões é apenas obra de Deus e fruto da oração; que Deus, no momento oportuno, envia o seu anjo para nos salvar das muitas escravidões e das inúmeras cadeias mundanas. E sede vós também, para os mais necessitados, anjos e mensageiros da caridade!

A Igreja quer-vos homens de fé, mestres de fé: que ensinem os fiéis a não terem medo de tantos Herodes que afligem com perseguições, com cruzes de todo o gênero. Nenhum Herodes é capaz de apagar a luz da esperança, da fé e da caridade daquele que crê em Cristo!

A Igreja quer-vos homens de testemunho, como dizia são Francisco aos seus frades: “Pregai sempre o Evangelho e, se for necessário, também com palavras!” (cf. Fontes Franciscanas, 43). Não há testemunho sem uma vida coerente! Hoje sente-se necessidade não tanto de mestres, mas de testemunhas corajosas, convictas e convincentes; testemunhas que não se envergonham do Nome de Cristo e da sua Cruz, nem diante dos leões que rugem nem perante as potências deste mundo. Seguindo o exemplo de Pedro e Paulo e de muitas outras testemunhas ao longo de toda a história da Igreja; testemunhas que, embora pertencendo a diferentes confissões cristãs, contribuíram para manifestar e fazer crescer o único Corpo de Cristo. Apraz-me sublinhá-lo na presença - sempre muito grata - da Delegação do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, enviada pelo querido irmão Bartolomeu I.

O motivo é muito simples: o testemunho mais eficaz e mais autêntico é aquele que não contradiz, com o comportamento e a vida, aquilo que se prega com a palavra e aquilo que se ensina aos outros!

Prezados irmãos, ensinai a oração, orando; anunciai a fé, acreditando; dai testemunho, vivendo!

Fonte: Edição nº 27 do Jornal L’OSSERVATORE ROMANO – páginas 8 e 11