O papel ecológico e a família

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04/08/2015 - 09:00

Recordo-me ainda criança, (há quase 50 anos!), estudando com meus irmãos, entra meu pai na sala e pede um “pedacinho de papel” para seu uso. De imediato puxei uma grande folha sulfite limpa e entreguei. “-Não, isto é muito!”. Foi até a pequena lixeira do escritório e pegou uma folha amassada. Abriu-a e perguntou: “-Alguém vai usar esta?”. Surpresos, respondemos que não. Ele concluiu. “-Esta é suficiente para o que preciso”. Nunca mais esqueci a lição, que os anos mais tarde diriam ser uma “atitude ecológica”, para a preservação do meio ambiente, da “casa comum”.

O documento Laudato si’, recentemente lançado pelo Papa Francisco tem suscitado uma ampla repercussão no mundo inteiro. Os motivos são muitos, apesar do tema não ser novo. Com seu estilo direto, objetivo e personalizado, o Papa não fala do problema de esgotamento de recursos da “casa comum”, como sendo uma questão somente a ser vista pelas grandes instituições, ou estar no socorro por grandes mudanças nas constituições nacionais, ou mesmo responsabilizar a enorme complexidade do uso de combustíveis. O Papa ao designar o planeta com a denominação “casa comum” quer nos colocar a atenção a um tema que também o tem ocupado de modo particular nos últimos meses que é a importância do papel da família, no amplo contexto social, que vive nesta casa.

O óbvio parece estar sendo esquecido. Esteve e está sempre na família a origem das grandes transformações sociais que a médio e longo prazo se refletem na sociedade como um todo. Cuidar de cada uma em particular é colaborar com o enorme contingente que ocupa todo o planeta. O clássico conceito de que o oceano se faz de incontáveis bilhões de gotas de água, é uma realidade da natureza, que nos auxilia a compreender a importância do papel individual, que não pode ser ocultado pela multidão. Sempre grandes mudanças surgem a parte de um ponto individual que acreditou que poderia transformar a massa, como o faz o fermento.

Desta forma, lembrar, insistir, retornar, e enfatizar a família como marco para uma atitude ecológica nunca é exagerado. Os exemplos do cotidiano são inúmeros, desde a folha de papel, que já ia para o lixo, aproveitada pelo meu pai, até o cuidado com as coisas materiais para que durem e não se descartem, muitas vezes antes de seu uso, como o copinho de café; incluindo uma melhor conscientização em relação aos alimentos, que não podem ser desperdiçados, num mundo que passa fome; ou colaborar com a reciclagem do lixo; estamos num imenso universo de recursos para salvar “a casa”.

Não se trata simplesmente de economizar os recursos financeiramente, mas de se criar uma atitude de respeito e amor em relação ao “esforço da criação da natureza”, se assim podemos dizer, em nos oferecer o necessário. “-Olhai os pássaros do céu: não semeiam, não colhem, nem guardam em celeiros. No entanto, o vosso Pai celeste os alimenta...” (Mt 6,26). Este respeito que deve ser ensinado em família ao uso da natureza, também se aplica ao comportamento com as pessoas entre si.

Alguns confundem esta atitude do Papa como algo meramente político - anticapitalista - o que é grave engano. Cuidar bem dos recursos, utilizá-los no necessário, evitar desperdícios, e respeitar as pessoas, não é uma questão de ideologia política, mas antes de tudo uma atitude de caridade cristã: “-Juntai os pedaços que sobraram, para que nada se perca!” (Jo 6,12).

Está ai uma ótima oportunidade de os pais perceberem o quanto o Papa os está convidando a participar desta atitude em tomar conta da “casa comum”. Mais do que esperar por transformações sociais a partir de políticas estratégicas necessárias, que os pais se ocupem de ser bons exemplos a seus filhos nas ações cotidianas e simples, nas quais estarão formando os homens e as mulheres de amanhã A conscientização é um processo educacional onde “a família constitui a grande riqueza social, que outras instituições não podem substituir”, nos afirma o Papa.

Valdir Reginato
é médico de família,
professor da Escola Paulista de Medicina
e terapeuta familiar

Fonte: Edição nº 3062 do Jornal O SÃO PAULO – página 10