Livres da corrupção

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15/06/2015 - 11:45

O Papa pediu aos cristãos que não se deixem vencer por formas de arrogância e mediocridade

Uma severa admoestação contra a corrupção foi lançada pelo Papa Francisco durante a homilia da missa na festividade de Corpus Christi, celebrada no final da tarde de quinta-feira 4 de Junho no adro da basílica de São João de Latrão, no final da qual teve lugar a tradicional procissão eucarística ao longo da via Merulana até à basílica de Santa Maria Maior, onde o Santo Padre concluiu a celebração concedendo a Bênção solene com o Santíssimo Sacramento. Em seguida, as palavras que o Pontífice dirigiu aos numerosos fiéis ali reunidos.

Ouvimos: na Ceia Jesus oferece o seu Corpo e o seu Sangue mediante o pão e o vinho, para nos deixar o memorial do seu sacrifício de amor infinito. E com este “viático” repleto de graça, os discípulos dispõem de tudo o que é necessário para o seu caminho ao longo da história, para estender o Reino de Deus a todos. Luz e força serão para eles o dom que Jesus fez de si mesmo, imolando-se voluntariamente na cruz. E este Pão de vida chegou até nós! Nunca termina a admiração da Igreja perante esta realidade. Uma admiração que alimenta sempre a contemplação, a adoração e a memória. Como no-lo demonstra um texto muito bonito da Liturgia de hoje, o Responsório da segunda leitura do Ofício das Leituras, que reza assim: “Reconhecei neste pão Aquele que foi crucificado; no cálice, o Sangue que jorrou do seu lado. Tomai e comei o Corpo de Cristo, bebei o seu Sangue: porque agora sois membros de Cristo. Para não vos desagregardes, comei este vínculo de comunhão; para não vos aviltardes, bebei o preço do vosso resgate”.

Existe um perigo, uma ameaça: desagregar-se, aviltar-se. O que significa, hoje, este “desagregar-se”, este “aviltar-se”?

Nós desagregamo- nos quando não somos dóceis à Palavra do Senhor, quando não vivemos a fraternidade entre nós, quando competimos para ocupar os primeiros lugares — os arrivistas — quando não encontramos a coragem de dar testemunho da caridade, quando não somos capazes de oferecer esperança. É assim que nos desagregamos. A Eucaristia impede que nos desagreguemos, porque é vínculo de comunhão, cumprimento da Aliança e sinal vivo do amor de Cristo, que se humilhou e se aniquilou para que nós permanecêssemos unidos. Participando na Eucaristia e alimentando-nos dela, somos inseridos num caminho que não admite divisões. Cristo presente no meio de nós, no sinal do pão e do vinho, exige que a força do amor ultrapasse todas as dilacerações e, ao mesmo tempo, que se torne comunhão inclusive com o mais pobre, sustentáculo para quem é frágil, atenção fraterna a quantos têm dificuldade de carregar o peso da vida quotidiana, e correm o perigo de perder a própria fé.

Além disso, há outra palavra: o que significa para nós, hoje, “aviltar-nos”, ou seja, diluirmos a nossa dignidade cristã? Significa deixar-nos contaminar pelas idolatrias do nosso tempo: o aparecer, o consumir, o eu no centro de tudo; mas também o ser competitivo, a arrogância como atitude vencedora, o nunca termos que admitir que erramos, que temos necessidade. É tudo isto que nos avilta, que nos torna cristãos medíocres, tíbios, insípidos, pagãos.

Jesus derramou o seu Sangue como preço e lavacro, para que nós fôssemos purificados de todos os nossos pecados: para não nos aviltarmos, fixemos o nosso olhar nele, saciemo-nos na sua fonte, a fim de sermos preservados do risco da corrupção. E então experimentaremos a graça de uma transformação: seremos sempre pobres pecadores, mas o Sangue de Cristo libertar-nos-á dos nossos pecados, restituir-nos-á a nossa dignidade. Livrar-nos-á da corrupção. Sem o nosso mérito, com humildade sincera, conseguiremos levar aos irmãos o amor de nosso Senhor e Salvador. Seremos os seus olhos, que vão à procura de Zaqueu e de Madalena; seremos as suas mãos, que socorrem os enfermos no corpo e no espírito; seremos o seu Coração que ama os necessitados de reconciliação, de misericórdia e de compreensão.

Deste modo a Eucaristia atualiza a Aliança que nos santifica, que nos purifica e que nos põe em comunhão admirável com Deus. Assim aprendemos que a Eucaristia não é uma recompensa para os bons, mas constitui a força per os mais frágeis, para os pecadores. É o perdão, é o viático que nos ajuda a ir em frente, a caminhar.

Hoje, festividade de Corpus Christi, temos a alegria não só de celebrar este mistério, mas também de o louvar e cantar pelas ruas da nossa cidade. A procissão que faremos no final da Missa seja a manifestação do nosso reconhecimento por todo o caminho que Deus nos permitiu percorrer através do deserto das nossas pobrezas, a fim de nos levar a sair da nossa condição servil, alimentando-nos com o seu Amor mediante o Sacramento do seu Corpo e do seu sangue.

Daqui a pouco, enquanto caminharemos ao longo das ruas, sintamo-nos unidos em comunhão com muitos dos nossos irmãos e irmãs que não têm a liberdade de manifestar a sua fé no Senhor Jesus. Sintamo-nos unidos a eles: entoemos cânticos com eles, louvemos juntamente com eles, adoremos com eles. E veneremos no nosso coração aqueles irmãos e irmãs aos quais foi pedido o sacrifício da própria vida em fidelidade a Cristo: o seu sangue, unido ao Sangue do Senhor, seja penhor de paz e de reconciliação para o mundo inteiro.

E não esqueçamos: “Para não vos desagregardes, comei este vínculo de comunhão, e para não vos aviltardes, bebei o preço do vosso resgate”.

Fonte: Edição nº 24 do Jornal L’OSSERVATORE ROMANO – página 02