Consumo e Consumismo

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04/08/2015 - 09:15

A necessidade do consumo está intimamente ligada à natureza humana. Consumimos alimentos para sobreviver, necessitamos de roupas e abrigo, de meios de locomoção e de diversos instrumentos para realizar nosso trabalho. Inseridos no mundo material, prescindir absolutamente do consumo é uma impossibilidade.

No entanto, o ato do consumo, como todos os atos humanos, somente é construtivo para a pessoa na medida em que é guiado pela razão e respeita os fins próprios da natureza humana, ou seja, considera a dimensão material e espiritual e o destino sobrenatural ao qual somos chamados. Quando a decisão do consumo prescinde da orientação racional e se sujeita às paixões, pode tornar -se uma força destrutiva, o que chamamos de consumismo. “Todos nós experimentamos, quase palpavelmente, os tristes efeitos desta sujeição cega ao mero ‘consumo’: antes de tudo, uma forma de materialismo crasso; e, ao mesmo tempo, uma insatisfação radical, porque se compreende imediatamente que (...) - quanto mais se tem mais se deseja, enquanto as aspirações mais profundas restam insatisfeitas, e talvez fiquem mesmo sufocadas” (São João Paulo II, Sollicitudo Rei Socialis, 28).

Consumismo, mais do que um conceito econômico, é um conceito moral. Para a teoria econômica, a variável ‘consumo’ é apenas uma das componentes da equação que busca orientar a alocação dos bens de modo eficiente, dada a escassez de recursos e as necessidades ilimitadas, não distinguindo o reto consumo do consumismo. Na equação econômica, consumo relaciona-se com poupança e investimento, Poupa-se (ou seja, adia-se o consumo), para investir e produzir mais, possibilitando um consumo maior no futuro. A decisão sobre níveis ótimos de consumo, poupança e investimento está sempre condicionada ao fim que se busca. A disciplina econômica auxilia a chegar ao fim determinado, explicando, segundo cada escola de pensamento, como as variáveis envolvidas se relacionam. Mas a decisão sobre o fim é discricionária da pessoa, é uma decisão moral.

O consumismo é um dos possíveis desvios de finalidade e perspectiva que afetam as decisões de consumo. Seja no âmbito do indivíduo, da família ou da sociedade, a perda de sentido sobrenatural, o apreço pelo imediatismo e a busca desenfreada de prazer, status e poder, norteiam as decisões econômicas das pessoas e tem, muitas vezes, consequências devastadoras.

O vício que afunda o indivíduo no consumo de entorpecentes, destruindo projetos e famílias inteiras; a frivolidade que se prende ao ‘ter’ e não ao ‘ser’, sem vistas a construção de algo duradouro; a incapacidade de exercer a caridade e socorrer os necessitados e, inclusive, o egoísmo de governantes que, preocupados mais com a manutenção do poder, abusam dos gastos públicos para criar um falso senso de bem-estar e que depois custam caro à própria população que se quis beneficiar. Todos esses são exemplos de consumismo de que padece nossa sociedade. Somente uma renovação de princípios e perspectiva poderá devolver ao consumo seu sentido nobre e reto.

Gustavo Caldas
economista formado pela UNB,
diretor de planejamento financeiro

Fonte: Edição nº 3062 do Jornal O SÃO PAULO – página 11