Ouvi o clamor desse povo negro

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31/01/2018 - 12:15

30 ANOS DE RECORDAÇÃO DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE DE 1988

Celebramos este ano o trigésimo aniversário da Campanha da Fraternidade de 1988, quando, pela primeira vez na história da Igreja no Brasil, muitas das questões do povo negro foram refletidas abertamente, tanto na Igreja como na sociedade. A Campanha da Fraternidade de 1988 foi um momento e uma oportunidade tanto para a Igreja como para a sociedade de tomar consciência de muitos dos problemas que afligiam e, ainda hoje, afligem o povo negro brasileiro. Esse era um assunto mais que necessário de reflexão, muito embora polêmico e provocativo em todos os aspectos. 

Proposta pela Igreja, a Campanha da Fraternidade de 88, com o tema sobre o povo negro e suas questões de negritude, abriu um caminho sem volta no tocante ao aprofundamento da situação do povo negro. A partir desse momento, a realidade na qual vive uma grande parcela da população negra provoca reflexões, debates e mudanças nas práticas religiosas e políticas em geral. Com a Campanha da Fraternidade de 88, o povo negro no Brasil, como raça, ainda que de modo inexpressivo, passa a viver um momento novo na sua história. Começam a crescer o reconhecimento, a valorização e o respeito pelos seus costumes, culturas e direito.

No campo religioso, a inculturação é o grande desafio para a Igreja, predominantemente de tradição branca europeia, para acolher e incluir no seu seio o povo negro e sua realidade sociocultural, política e religiosa. Não muito diferente é a situação da sociedade brasileira, que, se dizendo aberta e acolhedora, sem preconceito e sem discriminação, não se preparou e nem se mostrou aberta para a inclusão do povo negro no seu meio. 

Contudo, a consciência crescente do povo negro acerca da sua história, dos seus problemas, sofrimentos e dificuldades, agora mais e melhor esclarecido da sua dignidade e dos direitos, a exemplo de outros povos negros, sobretudo africanos e norte-americanos, apoiado por seguimentos da Igreja católica e entidades civis e religiosas, ganhou força e resistência na luta por mais respeito e dignidade. Neste ano de 2018, no espírito comemorativo dos 30 anos da Campanha da Fraternidade, que refletiu sobre o povo negro e sua história de sofrimento e resistência, aconteceu de 18 a 21 de janeiro, na cidade de Maringá (PR), o nono Congresso Nacional das Entidades Negras Católicas (CONENC). Cerca de 75 participantes, entre bispos, padres e leigos/as, vindos de várias partes do País, refletiram sobre a realidade do povo negro na Igreja e na sociedade, à luz da Palavra de Deus, na busca de novos caminhos diante dos desafios do mundo de hoje. 

Ao término do Congresso, além da confirmação e posse do padre José Énes de Jesus como novo Secretário Nacional da Pastoral Afro Nacional (PAB), 15 representantes foram escolhidos para participarem do XIV Encontro das Pastorais Afro Americanas (EPA), a realizar-se entre os dias 14 a 19 desde ano, na cidade de Cali – Colômbia. Será mais uma oportunidade em que representantes das lideranças afros do continente latino americano e caribenho irão refletir sobre a espiritualidade afro-americana e caribenha e os inúmeros desafios do século XXI.

Para coroar esta caminhada de lutas e conquistas, de aproximações e encontros, o trigésimo aniversário da Conferência de Medelín, na Colômbia (1988), será mais uma oportunidade de retomada dos grandes compromissos da Igreja com a causa dos pobres e de todos os que vivem à margem da sociedade e do seio da Igreja. A Pastoral Afro Brasileira, juntamente com a pastoral Afro Latino Americana e Caribenha, vive um momento de profunda reflexão acerca de sua história de resistência, de conquistas e desafios sociais e religiosos. Na Arquidiocese de São Paulo, a caminhada sinodal que estamos iniciando nos proporcionará novas oportunidades de comunhão, de conversão e de renovação. 

A realidade do povo negro neste momento da Igreja e da sociedade brasileira não pode ficar de fora de uma ampla discussão, quando na sua grande maioria, além das discriminações e preconceitos sofridos, se veem relegados ao subemprego, ao baixo salário, ao analfabetismo, às péssimas condições de moradia e expostos às drogas e ao crime organizado, vítimas da violência e os primeiros no alto índice de mortalidade juvenil. “Ouvi o clamor deste povo negro” é o novo clamor de justiça que se faz ouvir numa Igreja em saída e numa sociedade em mudança de época.
 

 

Dom Eduardo Vieira dos Santos
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de São Paulo