Audiência geral sobre a quinta palavra do Decálogo: "Desprezo e indiferença também matam"

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05/12/2018 - 16:15

Até o insulto, o desprezo e a indiferença em relação ao próximo «podem matar», recordou Francisco durante a audiência geral de quarta-feira 17 de outubro, na praça de São Pedro. No âmbito do ciclo de catequeses sobre o Decálogo, o Pontífice deu continuidade à reflexão sobre o quinto mandamento, iniciada na quarta-feira passada.

 

Bom dia, queridos irmãos e irmãs!

Hoje gostaria de prosseguir a catequese sobre a quinta Palavra do Decálogo, «Não matarás». Como já salientamos, este mandamento revela que aos olhos de Deus a vida humana é preciosa, sagrada e inviolável. Ninguém pode desprezar a vida do próximo, nem sequer a própria; com efeito o homem traz em si a imagem de Deus e é objeto do seu amor infinito, independentemente da condição em que foi chamado à existência.

No trecho do Evangelho que há pouco ouvimos, Jesus revela-nos um sentido ainda mais profundo deste mandamento. Ele afirma que, diante do tribunal de Deus, até a ira contra o irmão é uma forma de homicídio. Por isso, o Apóstolo João escreverá: «Quem odeia o seu irmão é assassino» (1 Jo 3, 15). Mas Jesus não se limita a isto, e na mesma lógica acrescenta que até o insulto e o desprezo podem matar. E é verdade que nós estamos habituados a insultar. Em nós o insulto nasce espontâneo como se fosse um respiro. Mas Jesus diz-nos: “Detém-te, porque o insulto faz mal, mata!”. O desprezo. «Mas eu... desprezo esta gente”. E esta é uma forma de matar a dignidade de uma pessoa. Como seria bom se este ensinamento de Jesus entrasse na mente e no coração, e cada um de nós dissesse: “Nunca insultarei ninguém”. Seria um bom propósito, porque Jesus nos diz: “Olha, se tu desprezares, insultares, odiares, isto é um homicídio”.

Nenhum código humano equipara gestos tão diferentes, atribuindo-lhes o mesmo grau de juízo. E, coerentemente, Jesus convida até a interromper a oferenda do sacrifício no templo, se nos recordarmos que um irmão está ofendido conosco, a ir à sua procura para nos reconciliarmos com ele. Também nós, quando vamos à Missa, deveríamos ter esta atitude de reconciliação com as pessoas com as quais tivemos problemas. Só pensar mal delas, já é um insulto. Muitas vezes, enquanto esperamos que o sacerdote chegue para celebrar a Missa, bisbilhotamos um pouco e falamos mal do próximo. Mas não se pode fazer isto! Pensemos na gravidade do insulto, do desprezo, do ódio: Jesus coloca-os no nível do assassínio.

O que tenciona dizer Jesus, ampliando a tal ponto o âmbito da quinta Palavra? O homem tem uma vida nobre, muito sensível, e possui um eu recôndito não menos importante que o seu ser físico. Com efeito, para ofender a inocência de uma criança é suficiente uma frase inoportuna. Para ferir uma mulher, pode bastar um gesto de insensibilidade. Para partir o coração de um jovem, é suficiente negar-lhe a confiança. Para aniquilar um homem basta ignorá-lo. A indiferença mata. É como se disséssemos a outrem: “Para mim estás morto”, porque tu o mataste no teu coração. Não amar é o primeiro passo para matar; e não matar é o primeiro passo para amar.

No início da Bíblia lê-se aquela frase terrível que saiu dos lábios do primeiro homicida, Caim, depois de o Senhor lhe ter perguntado onde está o seu irmão. Caim respondeu: «Não sei! Sou porventura eu o guarda do meu irmão?» (Gn 4, 9).1 Assim falam os assassinos: “Não me diz respeito”, “são problemas teus”, e outras frases semelhantes. Procuremos responder a esta pergunta: somos nós os guardas dos nossos irmãos? Sim, somos! Somos guardas uns dos outros! E este é o caminho da vida, é a vereda do não-assassínio.

A vida humana precisa de amor. E qual é o amor autêntico? É aquele que Cristo nos mostrou, ou seja, a misericórdia. O amor ao qual não podemos renunciar é aquele que perdoa, que acolhe quem nos fez mal. Nenhum de nós pode sobreviver sem misericórdia; todos temos necessidade do perdão. Portanto, se matar significa destruir, suprimir, eliminar alguém, então não matar quer dizer cuidar, valorizar, incluir. E também perdoar.

Ninguém se pode iludir, pensando: “Estou tranquilo, pois não faço nada de mal”. Um mineral ou uma planta têm este tipo de existência, mas um homem não. Uma pessoa — um homem ou uma mulher — não! Exige-se mais de um homem ou de uma mulher. Há o bem a fazer, preparado para cada um de nós, cada qual o seu, que nos torna nós mesmos até ao fundo. “Não matarás” é um apelo ao amor e à misericórdia, é uma chamada a viver segundo o Senhor Jesus, que deu a vida por nós, e por nós ressuscitou. Certa vez repetimos todos juntos, aqui na Praça, uma frase dum Santo sobre isto. Talvez nos ajude: “Não praticar o mal é algo bom. Mas não praticar o bem não é bom”. Devemos praticar sempre o bem. Ir além!

Ele, o Senhor que, encarnando-se, santificou a nossa existência; Ele que, com o seu sangue, a tornou inestimável; Ele, «o Autor da vida» (At 3, 15), graças ao qual cada pessoa é um dom do Pai. N’Ele, no seu amor mais forte do que a morte, e pelo poder do Espírito que o Pai nos confere, podemos acolher a Palavra «Não matarás» como o apelo mais importante e essencial: ou seja, não matarás significa um apelo ao amor.

1. Cf. Catecismo da Igreja Católica, 2.259: «A Sagrada Escritura, na narrativa da morte de Abel por parte do seu irmão Caim, revela, desde os primórdios da história humana, a presença no homem da cólera e da inveja, consequências do pecado original. O homem tornou-se inimigo do seu semelhante. Deus denuncia a perversidade deste fratricídio: “Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama da terra por mim. No futuro, serás maldito sobre a terra, que abriu a sua boca para beber, da tua mão, o sangue do teu irmão” (Gn 4, 10-11)».

 Papa Francisco

Fonte: Edição 42, do jornal “L’osservatore Romano”, de 08 de outubro de 2018, pp. 16.