A disponibilidade

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09/05/2017 - 10:15

É fascinante a parábola dos talentos (Lc 25, 14-30) que de cinco se tornaram dez, de dois se tornaram quatro. O que importa não é, obviamente, a operação financeira, que serve aqui como pano de fundo para a mensagem da parábola. O que importa é o fato de que o mundo cresce por meio de nós; há um dom inicial que vem de Deus, mas é um presente inacabado e que espera o nosso trabalho para “florescer”.

 

Talento com responsabilidade

Todos têm seus próprios talentos, e todos carregam sua medida de responsabilidade. Deus, que é o pastor, conhece suas ovelhas uma por uma (cfr Jo 10), e a cada uma confia uma tarefa especial, como a dizer que o sentido da atividade não é o que se produz, mas a fidelidade que expressamos.

Na parábola, o único a ter medo e a se perguntar sobre a prestação de contas é o último servo. Ele se preocupa em preservar, em garantir o talento recebido, na esperança de não incorrer na ira do patrão. O resultado é que não faz nada.

Esta dinâmica nos provoca. Quantas vezes também nós nos preocupamos em preservar mais do que negociar os talentos, fechando-nos ao invés de nos abrir aos outros, ao invés de andar. Com frequência, nasce a pergunta sobre o por quê nos interessamos pelas pequenas coisas em lugar de investir as nossas capacidades em algo muito mais importante, inclusive responder aos graves problemas da humanidade.

 

Senso de Responsabilidade

Claro que, nas intenções, tudo pode e deve estar presente; mas a medida permanece em escala humana no espaço de um compromisso que está ao nosso alcance e que, talvez, ninguém possa fazer em nosso lugar. A parábola dos talentos é, portanto, um forte apelo à disponibilidade e à responsabilidade para com a história e a realidade humana. Se o mundo é um dom inacabado de Deus, Ele espera o nosso trabalho para transformá-lo.

“Eu vim ao mundo para servir e não para ser servido” (Mt 20, 28). “Quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas quem irá perdê-la por causa de mim e do Evangelho, irá salva-la” (Mc 8, 35).

Se o patrão ou o noivo voltarem à noite e se os recebermos com amor, a nossa alegria será infinita. Se perdermos a vida por causa Dele, Ele vai se tornar a razão profunda e indiscutível da nossa total disponibilidade em servir.

Assim, vamos saboreando a aventura da vida. Nascerão e crescerão em nós dimensões insuspeitadas e horizontes infinitos de serviço, bem maiores do que imaginamos.

 

Quebrar os grilhões

“Cristo, para realizar o vosso plano de amor, não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida. Entregou-se à morte... e afim de não mais vivermos para nós, mas para ele que por nós morreu e ressuscitou, enviou de vós, ó Pai, o Espírito Santo” (cfr Oração Euc. IV).

Por tudo isso é necessário que nosso coração assegure o desejo da utopia, pois apenas aqueles que desejam o “impossível” acabam realizando aquilo que é possível.

“É o coração que percebe Deus, não a razão”, escreveu Pascal, reafirmando que “vemos bem apenas com o coração” e que “o essencial é invisível aos olhos”.

É o coração que percebe a necessidade do serviço, porque a razão, às vezes, queima as sementes de vitalidade, corta as raízes da disponibilidade em nome de uma “sabedoria” que não teria feito sair os apóstolos da Palestina; em nome de um senso comum que desencorajaria a vocação missionária; em nome de um cálculo que, ainda hoje, prega, em um doce imobilismo, energias presentes em nossas comunidades e grupos; em um tipo de serviços auxiliares e de desperdício a respeito do chamado específico de Deus para a construção do Reino.

 

Disponibilidade a servir

A nossa disponibilidade a servir nasce do fato de percebermos e acreditarmos que nossa vida é um dom gratuito de Deus, que exige responsabilidade. Este serviço é um “mais”, que é adicionado a outros compromissos importantes da vida, tais como o estudo, o trabalho, a família, os interesses. É um chamado a disponibilizar-se para assumir escolhas e compromissos, “ajudando-vos uns aos outros a carregar os vossos fardos, e deste modo cumprireis a lei de Cristo” (Gal 6, 2).

Assim se desintegra o cobertor do nosso individualismo, para abrir-nos ao mistério do Reino como operadores de paz e justiça, em nome da solidariedade de origem, de destino e de salvação de todos os homens. Esta disponibilidade faz com que possamos trocar de mão esses espaços humanos que reivindicam uma visão mais universal e profunda da visão da vida, para generosamente nela nos envolvermos a sério.

 

Capacidade de ouvir

A disponibilidade, portanto, seja para construir catedrais ou descascar batatas, deve levar sentimentos para servir as pessoas e não as ideias, na convicção, cheia de utopia e de esperança, que tudo está em nossas mãos, pois tudo está nas mãos de Deus.

Somente aqueles que no seu interior vivem uma grande capacidade de espera, de desejo, de escuta, podem entender e responder às vibrações secretas que passam na história dos homens, esmagados e oprimidos, em busca de descanso para seu espírito. Somente aqueles que querem continuar o mistério da encarnação e o exercício misterioso da liberdade humana, podem se abrir a uma disponibilidade verdadeira e fecunda.

Você quer que isso aconteça? Acontecerá se a leitura das pessoas e os eventos forem mediados por você no silêncio da sua alma, no qual está incorporado o poder maravilhoso de esclarecimento e de concentração no essencial. Acontecerá se você não cultivar a pretensão de ver e julgar por si mesmo a complexidade da realidade em que vive. Lembrando-se que, “a pior coisa que pode acontecer a você não é ser útil a ninguém, e que sua vida não sirva para nada” (Raoul Follerau).

 

Gianfranco Vianello

Sacerdote missionário do Pime

 

Fonte: Revista Mundo e Missão, ano 24, nº 211, de abril de 2017, p. 32-33.