Relatório final do Sínodo- Parte II

A A
Ensinamento da Igreja a respeito da família
Publicado em: 18/11/2015 - 09:30
Créditos: Edição 3076 do Jornal O SÃO PAULO – página 23

Na última edição, apresentamos uma síntese da primeira parte do relatório final do Sínodo dos Bispos sobre a família, publicado em 24 de outubro. Nesta semana, O SÃO PAULO traz uma síntese da segunda parte do relatório.

A FAMÍLIA NO PLANO DE DEUS

A segunda parte do relatório trata da Palavra de Deus e do ensinamento da Igreja a respeito da família. O objetivo é oferecer uma "bússola" para orientar as famílias em todas as situações e desafios que foram analisados na primeira parte do relatório.

"Essa bússola é a Palavra de Deus na história, que culmina em Jesus Cristo, 'Caminho, Verdade e Vida’ para todo homem e mulher que constituam uma família. Por isso, colocamo-nos à escuta do que a Igreja ensina sobre a família à luz da Sagrada Escritura e da Tradição”.

O evangelho da família, segundo o relatório, "começa com a criação do homem à imagem de Deus, que é amor e chama ao amor o homem e a mulher (criados) segundo a sua semelhança". Essa vocação de amor "recebe sua forma eclesial e missionária da união sacramental que consagra a relação conjugal indissolúvel entre os esposos”. O Matrimônio é "um sinal vivo da união de Cristo com a Igreja". A família também é evangelizadora e reflete o "amor da Trindade divina".

Essa segunda parte do relatório é dividida em quatro capítulos: "a família na história da salvação”, "a família no Magistério da Igreja", "a família na doutrina cristã" e "em direção à plenitude eclesial da família".

A FAMÍLIA NA HISTÓRIA DA SALVAÇÃO

Toda a criação está ordenada a Cristo, mas Deus comunica sua graça em graus diferentes e em etapas. Assim, é preciso compreender a novidade do sacramento do Matrimônio (instituído por Cristo) em continuidade ao Matrimônio natural, que existe desde a criação.

A família é imagem da Trindade. Deus, "no seu mistério mais íntimo, não é solidão, mas sim uma família, pois tem em si paternidade, filiação e a essência de uma família, que é o amor"; Deus é comunhão de pessoas.

Nas Sagradas Escrituras, no livro do Gênesis, o homem sentia-se só, "privado de uma auxiliar que lhe ‘correspondesse’, que estivesse 'diante dele' em um diálogo paritário". No Cântico dos Cânticos, o amor entre os esposos é sinal da aliança entre Deus e o seu povo: "o meu amado é meu e eu sou sua ... eu sou do meu amado e meu amado é meu”. O Matrimônio, ferido pelo pecado, conheceu diversas formas no Antigo Testamento (poligamia, permissão ao divórcio etc); Cristo não apenas "restituiu o Matrimônio e a família à sua forma original, mas também elevou o Matrimônio a um sinal sacramental do seu amor pela Igreja"

"O Filho de Deus veio ao mundo em uma família", continua o relatório, vivendo seus 30 anos em família. Ele inaugurou sua vida pública com o sinal de Caná, numa festa de casamento, e compartilhou momentos de vida em família com Lázaro e sua irmã, bem como com a família de Pedro. Ele, milagrosamente restituiu a vida à filha do chefe da sinagoga e ao filho da viúva, significando com isso o "verdadeiro sentido da misericórdia, que implica o restabelecimento da aliança" - isso fica evidente também no encontro com a samaritana e com a mulher adúltera.

Assim, a conversão é "um esforço contínuo para toda a Igreja, que contém em seu seio os pecadores" e precisa sempre de purificação. Mas esse esforço não é puramente humano: ele é animado pela graça que nos move a "responder ao amor misericordioso de Deus, que nos amou primeiro”.

A FAMÍLIA NO MAGISTÉRIO DA IGREJA

O segundo capítulo do relatório expõe alguns dos ensinamentos do Magistério sobre a família. Ele começa, curiosamente, já com o Concílio Vaticano II (1962-1965). Segundo os padres sinodais, uma das "expressões mais altas do Magistério" sobre a família encontra-se na constituição pastoral Gaudium et spes.

"A íntima comunidade da vida e do amor conjugal, fundada pelo Criador e dotada de leis próprias, é instituída por meio da aliança matrimonial, ou seja, pelo irrevogável consentimento pessoal. Desse modo, por meio do ato humano com o qual os cônjuges mutuamente se dão e recebem um ao outro, nasce uma instituição também diante da sociedade, confirmada pela lei divina”.

Assim, o "Matrimônio e o amor conjugal que o anima estão ordenados pela sua própria natureza à procriação e educação dos filhos”. Com o sacramento do Matrimônio, "Cristo Senhor vem ao encontro dos cônjuges cristãos (...) e permanece com eles”, assumindo o amor humano e purificando-o, elevando-o à plenitude. Dessa forma, "os esposos são como que consagrados e, mediante uma graça própria, edificam o corpo de Cristo e constituem uma Igreja doméstica".

O Papa Paulo VI, na Encíclica Humanae Vitae, "trouxe à luz a união intrínseca entre o amor conjugal e a geração da vida". Já na Encíclica Evangelii nuntiandi, ele manifestou a relação entre a Igreja e a família, explicando o sentido da expressão "Igreja doméstica": "isso significa que, em toda família cristã, deve-se encontrar os diversos aspectos da Igreja inteira. Além disso, a família. como a Igreja, deve ser um espaço no qual o Evangelho é transmitido e do qual o Evangelho irradia".

O relatório menciona também a teologia do corpo, de São João Paulo II. Ele explicou "a maneira pela qual os cônjuges, no seu amor mútuo, recebem o dom do Espírito de Cristo e vivem sua chamada à santidade”. Já o Papa Bento XVI, na Encíclica Deus caritas est, reafirmou que "o Matrimônio baseado em seu amor exclusivo e definitivo torna-se ícone da relação de Deus com o seu povo e vice-versa". Na Carites in veritate, ele chamou a atenção para "a importância do amor familiar como princípio de vida na sociedade”. Por fim, o Papa Francisco, na Encíclica Lumen Fidei, tratou da ligação entre a fé e a família, já que esta é "o primeiro âmbito no qual a fé ilumina a cidade dos homens”.

A FAMÍLIA NA DOUTRINA CRISTÃ

“A ordem da redenção ilumina e realiza a (ordem) da criação”, afirma o relatório. Por isso, "o Matrimônio natural é compreendido plenamente à luz do seu cumprimento sacramental”, pois é "somente no mistério do Verbo encarnado que o mistério do homem encontra luz verdadeira". Assim, é oportuno compreender sob essa luz as propriedades naturais do Matrimônio, que constituem o bem dos cônjuges: unidade, abertura à vida, fidelidade e indissolubilidade.

Sobre a indissolubilidade, o relatório explica que "a fidelidade irrevocável de Deus à sua aliança é o fundamento da indissolubilidade do Matrimônio. O amor completo e profundo entre os cônjuges não se baseia apenas na capacidade humana: Deus sustenta essa aliança com a força do seu Espírito”. Embora "a dureza do coração do homem, os seus limites e sua fragilidade diante da tentação sejam um grande desafio para a vida em comum”, o testemunho dos que a vivem fielmente "traz à luz o valor dessa união indissolúvel e suscita o desejo de renovar continuamente o empenho pela fidelidade”.

Para tratar dos bens da família, o relatório cita o Catecismo da Igreja Católica, segundo o qual o Matrimônio é a "comunidade de toda a vida, pela sua natureza ordenada aos bens dos cônjuges e à geração e educação da prole”. Ao se casarem, os noivos prometem doar-se totalmente, com fidelidade e abertura à vida. A família é um caminho de felicidade. "Pela comunhão de vida e de amor, os cônjuges cristãos conhecem a felicidade e experimentam que Deus os ama pessoalmente, com paixão e ternura".

A fecundidade dos esposos, no seu sentido mais pleno, não é apenas biológica, mas também espiritual: a procriação "deve ser compreendida na ótica da responsabilidade dos pais em seu empenho pelo cuidado e educação cristã dos filhos”. Além disso, a família deve ser "fonte de vida para a comunidade cristã e para o mundo”. Reconhecendo, no entanto, que nem sempre esse ideal é vivido em sua plenitude, o relatório recomenda aos pastores o acompanhamento "com misericórdia e paciência" das pessoas que vão progredindo "dia a dia".

EM DIREÇÃO À PLENITUDE ECLESIAL DA FAMÍLIA

O último capítulo desta segunda parte começa lembrando a relação entre a família e a Igreja e o fato de que "a Igreja é um bem para a família e a família é um bem para a Igreja" e trata do acompanhamento necessário - na perspectiva da pedagogia divina - aos esposos que sofrem o risco de uma separação, aos que vivem juntos sem estarem casados ou que estão apenas civilmente casados, e aos divorciados em segunda união. Os padres pedem que se promovam, nas dioceses, "percursos de discernimento e envolvimento" para essas pessoas, que ainda fazem parte da Igreja.

Por fim, os padres sinodais encerram essa segunda parte lembrando que "a Igreja deve acompanhar os seus filhos mais frágeis”, fomentando-lhes a fé e a esperança, como "a luz do farol de um porto ou de uma tocha levada em meio às pessoas para iluminar os que se desviaram do caminho ou estão no meio de uma tempestade”, porque "a misericórdia é o centro da revelação de Jesus Cristo”.

Felipe David