‘Eu vim para servir’

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Publicado em: 03/03/2015 - 08:00
Créditos: Edição nº 3040 do Jornal O SÃO PAULO – página 05

Depois de um período de grandes mudanças sociais, políticas e econômicas, vividas pela humanidade na segunda metade do século XX, também a Igreja recebeu novos ares. As palavras do Beato Paulo VI retratam esse tempo novo, de maneira profética: “O anúncio de fato, não adquire toda a sua dimensão, senão quando ele for ouvido, acolhido, assimilado e quando ele houver feito brotar naquele que assim o tiver recebido uma adesão de coração” (EN 23).

No início do novo milênio, São João Paulo II recordou a necessidade absoluta de que em todos os nossos trabalhos, é preciso partir sempre de Jesus Cristo. “Cristo há de ser proposto a todos com confiança. A proposta seja feita aos adultos, às famílias, aos jovens, às crianças, sem nunca esconder as exigências mais radicais da mensagem evangélica” (NMI 28-29).

Reafirmando esse pensamento, o Papa Bento XVI também ensinou que, “no início do ser cristão não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, assim, o rumo decisivo” (DCE 1).

Mais recentemente, o Papa Francisco convidou toda a Igreja a uma atitude de saída dizendo que: “Cada cristão e cada comunidade há de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho” (EG 20).

O magistério desses quatro papas forma como que a moldura de um quadro, onde foi desenhada a Igreja do período pós-concílio. Cinquenta anos depois do encerramento do Concílio Vaticano II, olhamos com gratidão para aqueles que fizeram a história do Concílio , guardando e reafirmando a Tradição, e abrindo caminhos para o diálogo com o mundo. Mas a gratidão convida à responsabilidade de, também hoje, nossas comunidades, pastorais, movimentos, realidades eclesiais, ministros ordenados e povo de Deus, aproveitarem a oportunidade para retomarmos os ensinamentos do Concílio Vaticano II, refletindo, meditando e rezando a relação entre Igreja e sociedade.

Sem perder a distinção entre Igreja e Estado (Manual da CF 2015,12), os cristãos precisam estar seguros de sua identidade para poderem contribuir com a sociedade. O Evangelho não isola e nem esconde os discípulos de Cristo, mas abre as possibilidades para a participação na vida da sociedade. “A Igreja Católica está presente em todo o território brasileiro, participando e servindo, em vários âmbitos e por distintas formas, a sociedade brasileira” (Manual da CF 2015,61).

É preciso recordar que a presença da Igreja é mais que a construção e manutenção de espaços físicos. Nossas igrejas, capelas, salas, e salões são espaços importantes para a reunião e trabalhos da comunidade local. Mas é com pessoas e entre pessoas que acontece a presença da Igreja. Onde um católico auxilia alguém necessitado, onde assume compromissos em favor da verdade, da vida, da justiça e da paz, por causa de Jesus Cristo (cf Mt 18,20), então ai a Igreja está presente, atuando na sociedade. Cada pessoa é, então, como um semeador do Reino de Deus (cf Mt 13, 3-9).

Como pessoas, estamos ligados uns aos outros, por isso a vida social não é apenas um acessório ou uma ideologia, ela é uma exigência da natureza humana. “A Igreja compreende a participação na vida social como um empenho voluntário e generoso da pessoa nas questões sociais” (Manual da CF 2015,201). Portanto, o cristão, que é também cidadão, precisa assumir essa responsabilidade social, como sequência da sua fé, segundo o lugar e o papel que ocupa (cf GS 43). É assim que a presença e a ação dos cristãos se concretizam em serviço da Igreja para a sociedade: “Eu vim para servir” (cf Mc 10,45).

O período quaresmal e a CF 2015 abrem, para toda a Igreja no Brasil, este tempo de escuta e reflexão com o tema - Fraternidade: Igreja e Sociedade. Rever os caminhos já percorridos, os trabalhos já realizados, manifesta a preocupação da Igreja que busca estar atenta aos sinais dos tempos, para não perder de vista a fidelidade ao Evangelho. Como perita em humanidade, a Igreja, iluminada pela Palavra, quer continuar a sentir as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias do homem de hoje (cf GS 1), para que os discípulos de Cristo, cada vez mais, testemunhem a sua fé, na solidariedade e no serviço aos irmãos.

Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo Auxiliar da Arquidiocese na Região Brasilândia

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