O Dízimo e as Obras de Misericórdia

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01/06/2016 - 08:30

Visitando uma comunidade e falando sobre as obras de misericórdia materiais e espirituais fui interpelado por uma senhora, membro atuante da comunidade e com forte senso de corresponsabilidade eclesial. Ela testemunhou que é uma dizimista fiel na comunidade, mas não se dedicava às obras de misericórdia. Essas palavras da senhora levaram-me a perguntar aos membros da referida comunidade quais eram as obras de misericórdia e se havia relação entre o dízimo e a misericórdia.

            A resposta da maioria dos membros da comunidade é que não há relação entre dízimo e misericórdia. Uma coisa é o dízimo e outra são as obras de misericórdia. Para iluminar a reflexão pedi que olhássemos, a partir da Palavra de Deus, a experiência do dízimo e sugeri a leitura do Deuteronômio: "A cada três anos tomarás o dízimo de tua colheita no terceiro ano e o colocarás em tuas portas. Virá então o levita, o estrangeiro, o órfão e a viúva que vivem nas tuas cidades, e eles comerão e se saciarão. Deste modo o Senhor teu Deus te abençoará em todo o trabalho que a tua mão realizar" (Dt 14,28-29).

            Ao ouvirem o texto, os membros da comunidade começaram a elencar o trabalho realizado pela comunidade em favor dos mais pobres, dos doentes, dos marginalizados. Também recordaram os cursos de formação, de orientação psicológica, auxílio espiritual e apareceram as obras de misericórdia que os membros da comunidade estavam realizando. Por fim, perguntei: De onde vêm os recursos para realizar todos estes trabalhos sociais e solidariedade para com os mais pobres? Foram unânimes em responder: De nossas campanhas de alimentos, roupas e do dízimo.

O piedoso Tobias, lá no Antigo Testamento, certa vez também testemunhou:  “O terceiro dízimo eu o entregava aos órfãos, às viúvas e aos prosélitos que viviam com os filhos de Israel” (Tb 1,6-8). Tobias, fiel dizimista, foi um homem que experimentou a misericórdia de Deus e através da contribuição do dízimo vive a misericórdia para com os demais. Aquele que experimenta o amor de Deus e sua presença ao seu lado se compromete com Ele oferecendo parte de sua vida e seus bens em favor das obras de Deus e dos irmãos mais necessitados.

            Tobias fala de terceiro dízimo porque no Antigo Testamento o homem de fé oferecia seu dízimo para várias finalidades, chamados na época primeiro dízimo, dado aos sacerdotes, segundo dízimo, dado aos levitas, e o terceiro dízimo, dado aos pobres.  Atualmente, a Igreja nos ensina a contribuir com o dízimo que tem quatro finalidades: a manutenção do culto, dos ministros do culto, das obras de piedade e caridade (Cân. 222,1).

Continuamos a reflexão a partir da Palavra ouvida e vimos que ser dizimista é um estilo de vida que brota da fé, promove a fé e é marcado pela misericórdia aos excluídos, fundada em uma espiritualidade de comunhão. Faz parte desse estilo de vida levar o dízimo à comunidade eclesial para que a própria comunidade organize a distribuição dos recursos, conservando uma parte generosa dos mesmos para as obras de misericórdia em favor dos mais frágeis.

Por fim, foi uma alegria de todos verem que a comunidade eclesial com o nosso dízimo consegue: “Levar uma palavra e um gesto de consolação aos pobres, anunciar a libertação a quantos são prisioneiros das novas escravidões da sociedade contemporânea, devolver a vista a quem já não consegue ver porque vive curvado sobre si mesmo, e restituir dignidade àqueles que dela se viram privados. A pregação de Jesus torna-se novamente visível nas respostas de fé que o testemunho dos cristãos é chamado a dar. Acompanhem-nos as palavras do Apóstolo: « Quem pratica a misericórdia, faça-o com alegria » (Rm 12, 8) (Papa Francisco. Misericordiae Vultus, 16).

Dom Sergio de Deus Borges

Bispo Auxiliar de São Paulo

Vigário Episcopal para a Região Santana