Terremoto e sofrimento

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07/09/2016 - 14:15

Há alguns dias, acompanhamos com dor o sofrimento das vítimas do terremoto na Itália. Pela televisão, pelo rádio e pelos jornais, fomos, a todo o momento, informados sobre o número de vítimas fatais, sobre os desabrigados e, graças a Deus, também sobre o socorro prestado, a solidariedade prestada e as preces feitas em favor dos habitantes da região atingida pelo terremoto.

Sem esquecer o sofrimento das pessoas, gostaria de refletir sobre esse fato a partir de uma perspectiva diferente da dos meios de comunicação.

É evidente que nem tudo no universo é perfeito. A criação é palco de muitos desastres naturais, de cataclismos, de extinções de espécies. Tudo isso mostra que o universo não é uma calmaria de ordem acabada. É o que nós chamamos de mal físico.

Em busca de uma resposta, vale a pena ler o parágrafo 310 do Catecismo da Igreja Católica.

“Por que é que Deus não criou um mundo tão perfeito que nenhum mal pudesse existir nele? No seu poder infinito, Deus podia sempre ter criado um mundo melhor. No entanto, na sua sabedoria e bondade infinitas, Deus quis livremente criar um mundo ‘em estado de caminho’ para a perfeição última. Esse devir implica, no desígnio de Deus, juntamente com o aparecimento de certos seres, o desaparecimento de outros; o mais perfeito, com o menos perfeito; as construções da natureza, com as suas destruições. Com o bem físico também existe, pois, o mal físico, enquanto a criação não tiver atingido a perfeição”.

O mundo e o ser humano não saíram das mãos de Deus acabados; eles não são perfeitos, mas perfectíveis. Evidentemente, Deus poderia ter criado tudo já acabado, sem a necessidade de um processo de aperfeiçoamento e de mudança. Mas não o fez, e nós não temos como entrar nas intenções do Criador.

É, porém, lícito a nós considerar que Deus quis a cooperação do homem na obra da criação. A criação é uma obra aberta que pode receber uma ulterior perfeição do homem. Aperfeiçoando e humanizando o que o circunda, o próprio homem se aperfeiçoa. O mundo, assim, é para o homem um desafio à sua criatividade. Uma vez que o mundo é limitado e perfectível, o homem pode exercer nele a sua inventividade e ação criadora.

Assim, o progresso humano, no senso autêntico da palavra, não contradiz a providência divina. Pelo contrário, é suscitado, sustentado, assumido e plenificado por ela. O desígnio do Criador para a sua criação, manifestado já desde a origem do mundo, é a perfeição humana e humanizante, na qual a humanidade colabora com o melhor de si e com todas as suas forças para a sua própria superação oferecida por Cristo no Espírito Santo.

Esse concurso e essa participação comum do homem com Deus não são sinais de fraqueza e sim manifestações máxima da grandeza do Criador. A suma perfeição de Deus consiste exatamente em conceder à sua criatura a capacidade de colaborar com Ele. Por ser uma criatura inteligente e livre, o ser humano é capaz de ser um verdadeiro cooperador na obra criadora de Deus.

Participando da ação criadora de Deus, o ser humano faz com que a natureza desenvolva as suas potencialidades e receba uma feição humana. No desígnio do Criador, sem a ação criadora do homem, a natureza nunca chegará à sua perfeição. Por isso, é errada a concepção que entende Deus como um freio ou um obstáculo à liberdade criadora do homem.

É na resposta livre do homem ao convite de Deus que se revela o poder de Deus. Poder divino e poder humano não se opõem. Só se opõem quando o homem abusa da liberdade e escolhe contra o Criador.

Cuidemos melhor da criação de Deus, procuremos, com a graça de Deus, fazer com que ela, junto com a humanidade, chegue à perfeição querida e realizada por Deus. Rezemos também pelas vítimas do terremoto na Itália. Que a justiça dos governantes, a oração dos cristãos e a solidariedade das pessoas aliviem o sofrimento das vítimas do terremoto.

Dom Julio Endi Akamine
Bispo auxiliar da Arquidiocese na Região Lapa;
nomeado arcebispo de Sorocaba (SP)

Artigo publicado no Jornal O SÃO PAULO - edição 3118 -07 a 13 de setembro