Esmola

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25/05/2016 - 14:45

Na Bíblia, temos muitas passagens que nos exortam à prática da esmola. Você prática a esmola? É a favor ou contra ela?

A esmola é uma ação caritativa estreitamente ligada às obras de misericórdia corporais. Muitos hoje são contra dar esmolas e sustentam que seria melhor doar o dinheiro para organizações que possam tornar a ajuda mais eficaz. Ajudar as organizações de assistência social é uma coisa boa, mas simplesmente abolir a prática da esmola seria nos privar da oportunidade de um contato pessoal com os pobres. A esmola é um convite para fazer uma parada, para olhar nos olhos do pobre e oferecer-lhe algo de nós mesmos.

A prática da esmola insere um pouco de compaixão em nossa imensa cidade que se desumaniza e se embrutece. É um gesto pequeno, mas é também um passo de amor, um aproximar-se afetivamente e pessoalmente daqueles que não são amados, não são queridos, não são desejados por ninguém.

A prática da esmola nos coloca em contato com a miséria de nossa imen- sa Cidade. Encontramos muitos pobres nas ruas: doentes, solitários, desequilibrados, drogados, sem casa, sem afeto. É possível fazer algo por eles, mesmo que a miséria pareça imensa e invencível. A prática da esmola exige que a gente pare ao menos alguns minutos e que deixemos nos tocar no coração. Desse rápido encontro pode brotar a escuta, o envolvimento pessoal, a relação pessoal e personalizante com o pobre.

Quanto eu devo dar de esmola? Será que bastam alguns trocados? Primeiramente, é preciso dar, junto com o dinheiro, amor, afeto e atenção. A esmola deve significar uma atitude de compaixão e não de desprezo ou de pena humilhante. Ter uma atitude de misericórdia é preparar um mundo melhor, mais humano para as próximas gerações.

“Os pobres têm necessidade de uma boa palavra e não somente de alguns trocados. Dê, com o dinheiro, uma boa palavra... O pobre, quando erra, deve ser advertido, e não desprezado. E se nele não encontramos defeito algum, dever ser venerado” (São Leão Magno).

O amor cristão não escolhe quem amar nem quem serão os amigos. Pelo contrário, o cristão ama os pobres que encontra no seu caminho. Podemos dizer que os pobres não têm somente direito de receber nossa ajuda, mas, sobretudo, nossa amizade e nosso amor.

Outra regra que devemos seguir para saber quanto devemos dar de esmola é a regra de Zaqueu. Você se lembra de Zaqueu, que era chefe de cobradores de impostos e muito rico?  Ele não deu tudo aos pobres; deu o que decidiu com amor. A regra de Zaqueu é a regra da liberdade e do compromisso por amor. É a regra de quem é livre no amor, de quem é grato pela visita do Senhor.

Por falar em Zaqueu, lembremo- nos, ainda, de que ao fazer esmolas, devemos cuidar também da origem de nossa doação. Em tempos de Lava Jato, é preciso recordar o que São Gregório de Nazianzo ensinava há 16 séculos e que continua atualíssimo.

São Gregório de Nazianzo dirige palavras severíssimas aos que fazem esmolas com dinheiro injusto, furto de roubos e de corrupção: “Se o pobre descobrisse a origem da esmola que ofereces a ele, não a aceitaria, uma vez que isso significaria se nutrir das carnes dos seus irmãos e do sangue dos seus semelhantes. Ele te diria com grande sinceridade: não me alimentes com as lágrimas de meus irmãos”.

Para os cristãos que querem ser misericordiosos como o Pai, os pobres não são um problema social para ser resolvido. Não! Para os misericordiosos, os pobres são uma questão de família: eles não são um fenômeno social, são irmãos. O primeiro passo para ser misericordioso é sentir o pobre não como uma tarefa de serviço social, mas como “sacramento de Cristo” (tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber...).

Dom Julio Endi Akamine
Bispo auxiliar da Arquidiocese na Região Lapa;

nomeado arcebispo de Sorocaba (SP)

Artigo publicado no Jornal O SÃO PAULO - edição 3103 -25 a 31 de maio