O Mistério Pascal, ponto central da fé cristã

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15/02/2017 - 18:00

A Ressurreição é o ato decisivo que revela como Deus age na história e como essa mesma história chega à sua plenitude. Esse mistério está presente na pregação, na doutrina, na liturgia, na arte sacra, nos cantos e em todas as expressões próprias da fé cristã. Toda a vida, o agir e a história de Jesus Cristo têm nesse mistério a sua chave de leitura.


Esse mistério é o ponto de partida da confissão de fé. Entre a paixão, morte e ressurreição de Jesus, os discípulos passaram do desânimo e da nostalgia à contemplação da ação de Deus: “Israelitas, ouvi estas palavras: Jesus de Nazaré, homem de quem Deus tem dado testemunho diante de vós com milagres, prodígios e sinais que Deus por Ele realizou no meio de vós, como vós mesmos o sabeis, depois de ter sido entregue, segundo determinado desígnio e presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos de ímpios. Mas Deus o ressuscitou, rompendo os grilhões da morte, porque não era possível que ela o retivesse em seu poder” (At 2, 22-24).


Apresentar o Mistério Pascal como ponto central da fé da Igreja é trazer para primeiro plano a ação salvífica realizada “por Cristo, com Cristo e em Cristo”. Toda a ação evangelizadora da Igreja depende desse mistério, que não é uma doutrina, mas a apresentação própria da pessoa de Jesus (cf. DAp  244).
Portanto, a identidade da comunidade primitiva, assim como a identidade da Igreja hoje, é a identidade pascal. A comunidade cristã é movida pelo Espírito, para dar testemunho da “Boa Nova”: Cristo está vivo. Na linguagem da ressurreição se esclarece a gramática divina: Deus se revela plenamente como aquele que vence a morte em favor da vida, pois, “se Cristo não ressuscitou, nossa fé não tem sentido” (1Cor 15,17).


Essa centralidade do Mistério Pascal desloca o eixo de interpretação em relação ao agir de Deus. Se para o pensamento judaico a ação de Deus coincidia com a vitória do justo e o castigo do ímpio, em Jesus parece acontecer o contrário. Se Ele era o Messias esperado por todo Israel, como compreender a morte de cruz? Se Deus o enviou como Messias, por que o abandonou? Esse foi o grande drama enfrentado pela primeira comunidade cristã, mas é também o drama enfrentado pelo homem de hoje.


Em Jesus se dá o cumprimento da promessa de Deus na história. Ele é judeu, filho de judeus, e descendente de Davi pela paternidade de José. Cumpriu os preceitos da Lei na infância, na juventude e na maturidade, mas, ao mesmo tempo, não se deixou pautar pelos preceitos da “lei” humana. Nesse caso, nele se encontra uma novidade: “Ele ensina como quem tem autoridade” (Mt 7,29), e é por meio dessa novidade que Jesus revela como Deus age.


Pensar em Jesus como Messias, e ao mesmo tempo como aquele que foi crucificado, tornou-se a grande provocação para os discípulos. Por isso, o sentido dessa morte só pode ser revelado a partir de Deus e pela sua ação na história de Jesus de Nazaré. Porque Deus não o deixou ficar na morte, mas o ressuscitou para a vida na glória, a sua morte apareceu sob uma luz totalmente nova. E foi essa ação de Deus que passou a sustentar e a justificar a fé dos discípulos: “Ele morreu por nossos pecados” (1 Cor 15,3).


Dessa forma, a Ressurreição revela e ilumina as relações de Deus com Jesus e de Deus com o homem. E foi por meio dessa revelação que a primeira comunidade cristã passou da crise para o compromisso de fé. Esse é o mesmo percurso que o homem de hoje é chamado a fazer. Acreditar na Ressurreição de Jesus Cristo não é apenas professar uma verdade de fé, mas é também assumir um compromisso de fé. Um compromisso com o Deus da vida, e com a vida que é dom de Deus. Compromisso que se traduz na prática da verdade e da justiça, na vivência do amor e da paz e na relação com toda a obra criada.

Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo auxiliar da Arquidiocese na Região Brasilândia e vigário episcopal para a pastoral da comunicação

Artigo publicado no Jornal O SÃO PAULO - edição 3138 - 15  a 21 de fevereiro de 2017