Nem bonecos, nem enfeites (I)

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12/10/2016 - 11:30

Desde o Antigo Testamento existe uma rigorosa proibição de fazer imagens. Essa lei tem como objetivo afastar qualquer risco de idolatria, uma prática comum entre os povos pagãos, que habitavam as terras vizinhas a Israel. O princípio que fundamenta essa prática religiosa judaica é a consciência da absoluta transcendência de Deus, isto é, pela sua essência divina e pura, Ele não pode ser representado por nenhuma forma sensível. Deus se manifesta aos sentidos, Ele faz aparecer a sua glória na nuvem, no fogo ou na brisa suave e permanece escondido. Mas sem contrariar essa proibição, o povo de Israel também desenvolveu uma iconografia sagrada, que não representava imagens de heróis, como, por exemplo, era feito pelos gregos, mas que faziam memória das ações salvíficas de Deus.

O Novo Testamento não se afastou da tradição de Israel. Os cristãos continuaram firmes na fé e não adoravam imagens, nem mesmo quando isso lhes custava a vida. Jesus devolveu a “César” o que era de “César”. O Cristianismo primitivo concentrou-se em repetir a presença de Deus na palavra e nos sacramentos. Ao lado dessa certeza de fé, também apareceram os símbolos e figuras decorativas que lembravam os mistérios da salvação em torno da pessoa de Jesus e dos apóstolos.

Na Igreja antiga, tanto no Oriente como no Ocidente, sempre houve muita resistência e cuidado no reconhecimento e no uso das imagens ou representações sagradas. Foi o Segundo Concílio de Niceia, no século VIII, que esclareceu a questão sobre a veneração das imagens. Quando Jesus, o Filho de Deus, se encarnou, Ele assumiu nossa natureza e também nossa carne, e, assim, Ele tornou-se não só uma manifestação da glória, mas a imagem do Deus invisível entre nós. Portanto, no ato do culto, a reverência verdadeira e propriamente dita dirige-se à coisa representada, que é apenas figurada na imagem visível.

Mais tarde, Santo Tomás de Aquino, no século XIII, apresentou as razões pelas quais viu a utilidade das imagens. Segundo ele, as imagens são instrumentos de informação, ou seja, são usadas para instruir os que não sabem ler; elas funcionam também como ajuda para a memória, recordando os mistérios de salvação; e, por fim, servem como estímulo para a devoção. Mas é preciso ter cuidado com a multiplicação das imagens, pois isso pode representar um risco para a vida espiritual. São Bernardo de Claraval falava da exigência da sobriedade no uso das imagens na arquitetura monástica.

O culto ou veneração prestado às imagens, sejam pinturas ou estátuas, é fato eclesial importante, além do significado litúrgico e espiritual. Seja nas igrejas ou nas casas, as pessoas costumam oferecer flores, objetos de adorno ou velas. Também não é difícil encontrar oratórios particulares nas residências, às vezes com pequenas luzes que são acesas à noite. A piedade e o culto para com as imagens sacras devem, no entanto, ser sustentados por uma orientação teológica, pastoral e canônica, para evitar distorções.

Assim, a Igreja recomenda à veneração especial e filial dos fiéis a Bem-aventurada sempre Virgem Maria, Mãe de Deus, a quem Cristo constituiu Mãe de todos os homens, e também promove o verdadeiro e autêntico culto dos outros santos, porque ajudam fiéis com seu exemplo e pela sua intercessão. É preciso considerar que apenas aqueles servos de Deus que foram inscritos pela autoridade da Igreja no catálogo dos santos ou dos beatos podem ser apresentados para culto público, e ainda que as imagens sejam expostas em número moderado e na devida ordem, a fim de que não se dê motivo a uma devoção menos correta.


Dom Devair Araújo Fonseca
Bispo auxiliar da Arquidiocese na Região Brasilândia;

e Vigário Episcopal para a Pastoral da Comunicação 
Artigo publicado no Jornal O SÃO PAULO - edição 3123 -12 a 18 de outubro