Envolvido pelos panos, do nascimento ao sepulcro

A A
20/01/2016 - 15:00

O nascimento de toda criança está marcado pela passagem da segurança do útero para a realidade do mundo. Por mais que o nascimento seja um acontecimento aguardado, para o pequeno recém nascido esse contato com o novo deixa à mostra a fragilidade do corpo humano. O bebê é frágil e precisa de cuidados para alimentar-se, para aquecer-se e para todas as suas outras necessidades. Com Jesus não foi diferente.

Entre as primeiras coisas que o bebê recebe estão o nome e a roupa. Com os recursos de que dispomos em nossos dias, a escolha do nome e a preparação da roupa são feitas com grande antecedência, já que saber o sexo do bebê não é mais um mistério. O nascimento de Jesus foi marcado pelo anúncio do Anjo, que também comunicou o nome – Jesus (“Iahweh”) que significa salvação”. As circunstâncias não permitiram um ambiente tranquilo como de uma casa, de um hospital ou maternidade. O lugar encontrado por José e Maria foi a “manjedoura”.

As roupas que os pais preparam, muitas vezes, seguem os padrões sociais, as cores mais apropriadas ou mesmo algum tipo de gosto pessoal. Não é raro ver a foto de um recém-nascido com uma roupinha que tem o símbolo do time de futebol do pai ou da mãe. Com Jesus não foi assim. Ao nascer, Jesus foi envolvido em panos, sem distintivos, sem indicação de cores ou de convenções sociais, apenas panos.

A roupa, que a princípio serve como proteção para o corpo, ganha valor social. Cada qual começa a se vestir de acordo com a moda, com o gosto pessoal. Outras vezes, as vestes não passam de uma ostentação social e de poder: “Tenham cuidado com os doutores da Lei. Eles gostam de andar com roupas compridas, de ser cumprimentados nas praças públicas, gostam dos primeiros lugares nas sinagogas e dos lugares de honra nos banquetes” (Mc 12, 38-39). Com Jesus não foi assim.

Jesus era homem do povo, um povo sofrido e marcado pelas dificuldades, pela escravidão, mas também povo de esperança. Um povo que aguardava a realização da promessa de Deus. É também do meio desse povo que vem o primeiro anúncio de que o cumprimento da promessa está próximo.

A presença de Jesus incomoda. Aquele bebê envolvido em panos, que, no passado, causou ternura e adoração aos pastores e aos magos, nos anos que se seguiram, passou a ser alvo de desconfiança, de medo, de intrigas e de violência. O último ato de violência foi a entrega de Jesus para a morte: “Depois de zombarem de Jesus, tiraram-lhe o manto vermelho, e o vestiram de novo com as próprias roupas dele; daí o levaram para crucificar” (Mt 27,31). Com Jesus foi assim.

Diferentemente do corpo do Menino Jesus, que causava ternura, o corpo de Jesus descido da cruz causava espanto, asco e nojo. Como na manjedoura, também ali o seu corpo foi envolvido em panos, como uma última veste que devesse usar: “Então, eles pegaram o corpo de Jesus e o enrolaram com panos de linho junto com os perfumes, do jeito que os judeus costumam sepultar” (Jo 19,40).

Mas a morte não teve sua vitória, o medo, a desconfiança, as intrigas e a violência foram vencidas pela esperança. Por isso, nada pode deter o Ressuscitado, nem mesmo os panos ou as ataduras, o túmulo fica vazio. “Então, Pedro, que vinha correndo atrás, chegou também e entrou no túmulo. Viu os panos de linho estendidos no chão e o sudário que tinha sido usado para cobrir a cabeça de Jesus. Mas o sudário não estava com os panos de linho no chão; estava enrolado num lugar à parte” (Jo 20, 6-7).

Do nascimento até a morte, Jesus conviveu com diferentes acontecimentos e pessoas, da ternura à rejeição, do encanto ao desencanto, da vida à morte. Mas ao vencer a morte, tudo alcançou a plenitude e é essa vitória que nos garante uma veste nova e eterna: “Vi uma grande multidão, que ninguém podia contar: gente de todas as nações, tribos, povos e línguas.  Estavam todos de pé diante do trono e diante do Cordeiro. Vestiam vestes brancas e traziam palmas na mão. Em alta voz, a multidão proclamava: ‘A salvação pertence ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro’” (Ap 7, 9-10).

Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo auxiliar da Arquidiocese na Região Brasilândia;
e vigário episcopal para a pastoral da comunicação

Artigo publicado no Jornal O SÃO PAULO - edição 3085 -20 a 27 de janeiro