A marca do Cristianismo na história da humanidade

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25/11/2016 - 13:30

Os Cristãos, de fato, não se distinguem dos outros homens, nem por sua terra, nem por língua ou costumes... Sua doutrina não foi inventada por eles, graças ao talento e especulação de homens curiosos, nem professam, como outros, algum ensinamento humano... Casam-se como todos e geram filhos, mas não abandonam os recém- nascidos” (Carta a Diogneto, nº 5).

O trecho apresentado acima faz parte de um texto conhecido como “Carta a Diogneto”, que data do início do Cristianismo, escrito mais ou menos entre os séculos II e III.

O objetivo principal dessa carta era relatar como viviam os cristãos, fazendo ver que eles não se diferenciavam por costumes estranhos e perigos ao bem do Estado ou das pessoas. Se hoje fosse necessário reescrever essa carta, certamente seria preciso reavaliar muito bem o que pensam ou como vivem alguns que dizem ser cristãos.

Numa sociedade marcada pelo individualismo, pela busca do prazer, e constantemente ameaçada pela ausência de valores, que faz crescer o relativismo, parece que a vida humana já não tem a mesma dignidade. Por isso, questões como o aborto, a clonagem e as pesquisas com a vida humana ou mesmo a exploração da natureza, parecem coisas relativas, até mesmo “um preço” muito pequeno a se pagar, quando existe uma promessa de cura e de bem-estar, ou quando o direito dos que já nasceram se sobrepõe ao daqueles estão sendo gerados.

Isso nos leva a algumas perguntas. Uma sociedade que não respeita a vida, em todos os seus estágios e formas, pode ser chamada cristã? Os progressos que custam a vida inocente, são dignos de serem chamados progressos? Onde não há valores e critérios que respeitem a vida, quem nos garante que esses progressos serão realmente alcançados por todos?

O Papa Francisco recentemente disse: “Quando, na própria realidade, não se reconhece a importância dum pobre, dum embrião humano, duma pessoa com deficiência – só para dar alguns exemplos –, dificilmente se saberá escutar os gritos da própria natureza. Tudo está interligado.” (Laudato sí’, 117).

Quando o ser humano se proclama autônomo, em relação a qualquer realidade e se constitui único senhor que pode decidir sobre sua vontade, seu corpo e, sobretudo, mais a sua volta, a existência humana está ameaçada. Quando a razão humana propõe substituir a Deus, ela cria um abismo que afasta o homem do sentido mais profundo de sua existência.

Jesus é o Filho de Deus que assumiu nossa condição humana. O mistério de sua encarnação indica o cuidado devido com a pessoa humana e também com toda a obra criada; “Pois sabemos que toda a criação geme e sofre como que dores de parto até o presente dia. Não só ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, gememos em nós mesmos, aguardando a adoção, a redenção do nosso corpo.” (Rm 8, 22- 23).

Em Cristo, nós reencontramos o sentido original da vida humana, e assumir sua proposta como nossa, é assumir que “o pensamento cristão reivindica, para o ser humano, um valor peculiar acima das outras criaturas, suscita uma valorização de cada pessoa humana e, assim estimula o reconhecimento do outro. A abertura a um ‘tu’ capaz de conhecer, amar e dialogar continua a ser a grande nobreza da pessoa humana.” (Laudato si’ 119).

Assim, a “Carta a Diogneto” conserva sua atualidade. Se não nos diferenciamos dos outros pelo lugar onde moramos ou pela língua que falamos, temos que nos diferenciar por nossa espiritualidade cristã e pelo compromisso moral que ela gera, entre as pessoas e com o meio em que vivemos. A marca do Cristianismo foi impressa na história da humanidade, pelo testemunho de homens e mulheres que se comprometeram com a Palavra de Jesus. Esse tempo que vivemos espera a marca do nosso testemunho cristão.

Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo auxiliar da Arquidiocese na Região Brasilândia;
e vigário episcopal para a pastoral da comunicação

Artigo publicado no Jornal O SÃO PAULO - edição 3079 – 25 de novembro a 01 de dezembro