E o dia amanheceu de novo...

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10/12/2016 - 11:30

Depois da trágica notícia da queda do avião da Lamia, um outro dia amanheceu. Pais e mães acordaram sem os filhos, esposas sem os maridos e filhos sem os pais. Amigos também perderam amigos, companheiros de trabalho ficaram sem seus pares, mas o dia amanheceu assim mesmo.

Os telejornais passaram de uma ampla cobertura das notícias, com horário estendido e ocupando várias horas da programação, para um bloco de notícias. Mas nos próximos dias, deve diminuir a intensidade e o destaque à tragédia, afinal, vão aparecer novas notícias, trágicas ou não. Mas e as famílias daqueles que morreram?

As famílias vão ser lembradas sim, de tempos em tempos, quando isso for notícia. Daqui a um ano, depois dois e talvez daqui a cinco ou dez anos. Elas, as famílias, vão aprender a conviver com a dor da ausência, uma dor silenciosa e solitária, e para isso vão procurar a ajuda da Psicologia e o conforto na fé. As famílias também vão manter as fotos nas paredes e as histórias na memória. Para elas, a vida também vai continuar, mas sempre de forma incompleta, pois os seus entes queridos não vão estar mais entre elas.

Uma tragédia faz vir à tona sentimentos de dor e sofrimento, misturados com gestos de total desprendimento, verdadeira doação, solidariedade e até as lágrimas compulsivas. Num momento assim, pessoas estranhas se aproximam e se abraçam, e até rivais mudam de atitude, abrindo mão das diferenças. De uma forma estranha, a tragédia acaba despertando sentimentos bons, que estavam adormecidos. Mas será que precisamos de tragédias para nos lembrar do valor e da importância da vida humana, ou para despertar em nós gestos de humanidade?

Vivemos nossas vidas como se estivéssemos dormindo, muito ocupados com os nossos interesses e mergulhados na insensibilidade e na indiferença. Deixamos de notar a presença cotidiana da morte, e a terrível visão dos corpos de pessoas vivas, espalhados por nossas calçadas ou debaixo das pontes. E não podemos nos esquecer da miséria, da fome e das guerras, cada uma delas uma variação trágica do sofrimento humano.


Um acontecimento trágico desperta em nós sentimentos humanos, que nos tiram o “sono” e isso nos faz sair de nós mesmos para ir ao encontro do outro, de maneira pessoal ou ajudando de alguma outra forma. Resta saber por quanto tempo vamos permanecer “acordados” e atentos para perceber a dor e o sofrimento dos outros.

O mistério da encarnação do Filho de Deus, celebrado no Natal, é um memorial da sensibilidade divina. Deus não ficou indiferente à nossa dor e ao nosso sofrimento, por isso Jesus assumiu a nossa humanidade. Se queremos prestar um culto verdadeiro e honrar o nome do Senhor, não podemos fechar os olhos diante das tragédias vividas por nossos semelhantes, todos os dias, onde quer que elas aconteçam.


Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo auxiliar da Arquidiocese na Região Brasilândia e vigário episcopal para a Pastoral da Comunicação

Artigo publicado no Jornal O SÃO PAULO - Edição 3131 - De 08 a 15 de dezembro de 2016