O mês missionário e a misericórdia

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19/10/2016 - 12:45

O calendário litúrgico pastoral da Igreja Católica reserva para outubro a comemoração do Dia Mundial das Missões e da Obra Pontifícia da Infância Missionária, alçando a temática da missão ao centro das atividades eclesiais do período. Isso ocorre mesmo na Igreja do Brasil, que se jubila com a celebração de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, dia da Rainha e Padroeira do povo destas terras, no dia 12, e com a memória de Santo Antônio de Sant’Ana Galvão, o Frei Galvão, no dia 25, primeiro santo nascido em nosso país.

A temática das missões conta com materiais preparados pelas Pontifícias Obras Missionárias (POM), em sintonia com o tema da Campanha da Fraternidade de 2016, “Cuidar da Casa Comum é Nossa Missão”. Com estes, as comunidades podem promover reflexões, celebrações, assim como experiências missionárias, e, no Dia das Missões, realizar a coleta solidária para a manutenção de projetos e dos missionários em várias partes do mundo.

A celebração do Dia das Missões é oportunidade para as comunidades perceberem que “a cooperação e a animação missionária são obras da Igreja local (RMi, 83), por que a missão ad gentes é dever fundamental de todo o povo de Deus no seu conjunto (AG, 35) ”; e para levar todo o corpo eclesial à “viva consciência das próprias responsabilidades na difusão do Evangelho e para que assumam a parte que lhes compete na obra missionária junto dos povos” (POM. 2º Congresso Missionário Nacional de Seminaristas, Memórias e Perspectivas. p.25).

O Dia das Missões será celebrado próximo do encerramento do Ano Santo extraordinário da Misericórdia, no qual os discípulos e discípulas missionários estão sendo conduzidos pela Igreja a redescobrirem o coração misericordioso do Pai, fonte inesgotável de vida, expresso no rosto de Jesus Cristo, que diz: ‘Ide’. Quem faz essa experiência “vive um desejo inesgotável de oferecer misericórdia” e não temerá a “saída missionária”, mesmo tendo presente os “desafios sempre novos da missão” (CNBB. DGAE 2015-2019, n.13).

Por isso, não se pode deixar de auscultar os ecos da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, programática para a vida da Igreja na atualidade. Com ela, o Papa Francisco explicitou seu intento de renovação da Igreja por meio de um movimento/atitude de “saída”. “Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à autoconservação” (EG, 27). A autoconservação pode transformar as comunidades em lugares de “refúgio” e/ou da “boa consciência”. Diante disso, a “saída” salva da insensibilidade, que anestesia perante o sofrimento alheio e as injustiças e explorações institucionalizadas na sociedade.

Mas é necessário perceber também que quando o Papa Francisco fala em “Igreja em saída” ou “missionária”, pensa em uma Igreja que se envolva com a vida concreta e singular das pessoas, como com os dinamismos presentes na sociedade, e coopere no discernimento. Segundo ele, algumas realidades desafiadoras, caso não sejam enfrentadas, podem desencadear processos de desumanização de difícil solução (EG, 51).

A trajetória da Igreja no Ano Santo, prestes a findar, ao encontrar-se, uma vez mais, com a força do mandato missionário, deve suscitar transformações nas comunidades e no modo de proceder dos discípulos e discípulas. Que as obras de misericórdia se tornem uma constante e sejam assumidas de modo orgânico, é imperioso para que os discípulos missionários permaneçam sensibilizados perante o outro que sofre. É também fruto da misericórdia, o movimento de “saída” reproposto pelo mês missionário para os seguidores de Jesus Cristo testemunhá-lo na sociedade e edificarem o Reino de Deus. Especialmente acerca da inserção da Igreja na caminhada da sociedade e no diálogo nas suas importantes questões, é preciso avançar, pela fidelidade àquele, em cuja face contemplamos a misericórdia do Pai.

Dom Luiz Carlos Dias

Bispo auxiliar da Arquidiocese na Região Belém

Artigo publicado no Jornal O SÃO PAULO - Ed. 3124/ 19 a 25 de outubro de 2016