Soltar a Língua e Saber Ouvir - Raul de Amorim

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10/02/2017 - 00:15

Mc. 7, 31-37

O Evangelho de Marcos foi o primeiro catecismo da comunidade primitiva. Ele procura responder quem é Jesus e mostrar o significado de ser seu discípulo e sua discípula. No texto de hoje Jesus encontra-se em terra estrangeira onde as pessoas têm outros costumes e religiões.

Mc. 7,31-32: Saindo de novo do território de Tiro, Jesus seguiu em direção ao mar da Galiléia, passando por Sidônia e atravessando a região da Decápole. Levaram a Jesus um surdo que falava com dificuldade. E pediram que impusesse a mão sobre ele.

Jesus continua no território estrangeiro. Decápole significa, literalmente, dez cidades. Era uma região que ficava a sudeste da Galiléia e que a exemplo de Sidônia e Tiro eram pagãs.  Ali também conheciam Jesus porque ele fazia milagres, porque curava as pessoas e por isso levam-lhe um homem surdo e que falava com dificuldade, pedindo-lhe que o curasse.

Mc. 7,33-34: Jesus o levou para longe da multidão. Quando estavam sozinhos, colocou os dedos nos ouvidos dele. Depois cuspiu, e com a saliva tocou na língua dele. E Levantando os olhos para o céu, suspirou e lhe disse: Efatá!,  que quer dizer “Abra-se”!

Tomar o homem pela mão; se afastar pra longe da multidão; pôr os dedos no ouvido; cuspir e com sua saliva tocar a língua dele; olhar para o céu; suspirar; e dizer Éfata (Abra-se)

Poderíamos questionar: porque tantos detalhes se nas outras doenças eram suficientes uma palavra e a pessoa ficava curada? Não era só impor as mãos sobre o homem como o povo mesmo pediu? (Mc. 7,32b).  Será que o evangelista quer ensinar a sua comunidade e a nós que a atitude de Jesus não é como um toque de mágica, mas implica num processo muitas vezes lento e difícil?

O texto diz que Jesus olha para o céu e tanto o seu olhar como o gemido ou suspiro que dá transparecem seu apelo ao Pai. É dele que O Filho recebe o poder para curar, libertar...

O mesmo evangelho de Marcos mais adiante Jesus antes de curar um cego diz a seus seguidores: “Vocês ainda não entendem e nem compreendem? Estão com o coração endurecido? Vocês têm olhos e não enxergam, têm ouvidos e não escutam? (Mc. 8,17-18)

Mc. 7,35-36: No mesmo instante seus ouvidos foram abertos, e sua língua foi solta, e ele falava perfeitamente. Jesus lhes proibiu de contar o que tinha acontecido. Mas, quanto mais proibia, mais eles contavam.

Os cegos, os surdos, os aleijados, são imagens que vão muito além da deficiência física. Têm um significado mais profundo. Lembra o livro do profeta Isaías que animava o povo dizendo: “Então os olhos dos cegos vão se abrir, e se abrirão também os ouvidos dos surdos, os aleijados saltarão como cervo, e a língua do mudo cantará, porque jorrarão águas no deserto e rios na terra seca (Is. 35,5-6)

Muitas vezes somos incapazes de escutar a voz de Deus em nosso coração, seu apelo em nossos irmãos, seu grito na nossa Casa Comum. O Papa Francisco nos diz que não podemos ficar surdos ao apelo do Pai expressado em tantos refugiados, crianças e idosos que devem atravessar milhares de quilômetros para encontrar uma terra onde possam viver com dignidade.

Mc. 7,37: Estavam muito maravilhados, e diziam: “Ele faz bem todas as coisas: faz os surdos ouvir e os mudos falar”.

Poderíamos dizer que o objetivo das curas de Jesus é bem mais amplo: é formar homens e mulheres renovados, que possam viver plenamente, na liberdade e responsabilidade.

Diante da ação de Jesus os mesmos pagãos são capazes de exclamar: Jesus faz bem todas as coisas.  Este elogio lembra o projeto da criação, apresentado no livro do Gênesis: “E Deus viu tudo que havia feito, e tudo era muito bom. (Gn. 1,31a).