As dores de Nossa Senhora

A A
14/09/2017 - 12:30

No mês de setembro, o calendário litúrgico convida os discípulos missionários a se voltarem reverentes para o Calvário e meditarem a salvação pela árvore da cruz que trouxe vida nova para todos. A cruz, outrora maldita, porque nela pereciam humilhados e esvaziados de suas forças os considerados mais vis entre os homens, tornou-se sinal de salvação e vida com a ressurreição do Senhor. A oferenda de amor do Filho de Deus retirou a maldição da cruz, que passou a ser enaltecida e exaltada. 

No dia seguinte à Festa da Exaltação da Santa Cruz, a liturgia propõe a memória de Nossa Senhora das Dores. Essa celebração é “ocasião propícia para se reviver um momento decisivo da história da Salvação, e para venerar, juntamente com o Filho exaltado na cruz, a Mãe que com Ele compartilha o sofrimento” (Paulo VI. Marialis Cultus . n.7). A proximidade dessas celebrações expressa a profunda associação de Maria Santíssima na obra da salvação (LG, n.57).

O olhar para a Virgem das Dores, em pé ao lado da cruz (Jo 19,25), suscita admiração pela fidelidade de Maria às palavras com as quais concluiu o seu diálogo com o enviado de Deus na anunciação: “Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!”. Fiando-se em Deus, não temeu os acontecimentos dolorosos de sua história, nem mesmo aquele que retirou a vida de seu Filho inocente em um monte próximo à cidade de Jerusalém. 

A contemplação dos sofrimentos de Nossa Senhora gerou uma teologia e espiritualidade ancoradas em sete (número indicador da perfeição) momentos de grandes sofrimentos de Maria. Essas dores testemunham a Virgem pelo caminho da fé, unida a seu Filho até a cruz, onde, sofrendo profundamente com seu Unigênito, associouse com ânimo maternal ao Seu sacrifício (LG, n.58). O Pai das misericórdias encontrou em Maria, filha de Adão, uma mulher para contribuir no advento da vida nova e reparar Eva. 

As primeiras dores estão relacionadas à infância de Jesus. O início delas ocorreu na apresentação do recém-nascido no templo, quando foi revelado à “mãe oferente” que “uma espada traspassará tua alma!” (Lc 2,35). Em seguida, com Jesus ainda nos braços, José e Maria precisaram viver o “desterro” para salvaguardar o menino Deus (Mt 2, 13-18). Em uma das peregrinações da Sagrada Família ao templo de Jerusalém, os pais “perderam” Jesus (Lc 2, 41-50).

As demais dores de Nossa Senhora estão relacionadas à Paixão e Morte de Jesus Cristo. O encontro com seu Filho conduzindo a cruz para o local da crucifixão (Lc 23, 27-29), o testemunho da morte do amado Filho da maneira mais vexatória da época (Jo 19, 25-30), recebê-Lo nos braços já sem vida (Mt 27, 55-61), e acompanhar Seu sepultamento no túmulo (Lc 23,55). 

No contexto de uma sociedade voltada para o bem estar e marcada pelo hedonismo, a questão do sofrimento é ainda mais desafiadora. A maneira serena e confiante com que a Mãe do Senhor viveu suas dores lança luz aos duros sofrimentos pelos quais passam as pessoas, as famílias e a própria sociedade, resultantes da contingência humana; e suscita a confiança para recorrer-se à Mãe das Dores, que dos céus, onde “brilha como sinal de esperança e de coonsolação” (LG, n.69), ampara no sofrer. 

Os discípulos missionários têm em Nossa Senhora das Dores o modelo mais perfeito de culto, que consiste em fazer da própria vida uma oferenda a Deus, e rezam nessa festa mariana “que recordando as dores de Nossa Senhora, completemos em nós, para o bem da Igreja, o que falta à paixão do Cristo”.
 

Dom Luiz Carlos Dias
Bispo Auxiliar da Arquidiocese na Região Belém