Misericórdia em tempos de ódio: o exemplo de Jesus - Pe. Gilberto Orácio

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11/06/2015 - 17:15

Ultimamente, tenho me perguntado sobre o que os seguidores e seguidoras de Jesus teriam realizado em Antioquia para serem denominados pelo nome de cristãos (Cf. At. 11, 26) e olhem que eles não foram chamados de cristãos nem em Jerusalém e nem em Roma, mas em Antioquia. Local de uma igreja eminentemente gentílica. Então, encontrei um comentário bíblico que me iluminou e me fez pensar algumas realidades. O comentário assim se expressava: “[Todas as denominações dadas aos cristãos como irmãos, crentes, discípulos, o Caminho, os santos, etc.] provém dos próprios interessados, é nos meios não cristãos que parece situar-se a criação da palavra cristão, isto é, partidário, adepto de Cristo. O seu surgimento manifesta que a Igreja de Antioquia é percebida pela opinião pública não mais como uma seita judaica (Cf. At. 24, 5), mas como novo grupo religioso, consciente de pertencer a Cristo (Cf. At. 26, 28; 1Pd. 4, 16).” (Bíblia TEB, 1994, p. 2126).

Pertencer a Cristo significa ter a sua identidade identificada com a identidade de Cristo. Ser outro Cristo. É aquilo que o Pe. Zezinho canta: “amar como Jesus amou, sonhar como Jesus sonhou, pensar como Jesus pensou, viver como Jesus viveu, sorrir como Jesus sorria...” Na verdade, essa linha de pensamento nos leva não a institucionalizar os ditos de Jesus, mas a torná-los realidade, concretude, como foi a vida do próprio Jesus. Se quisermos continuar sendo reconhecidos com o nome de cristãos temos que retornar a Jesus e deixar nossos fundamentalismos e defesas acaloradas de gritos de guerra e de morte. A nossa luta e o nosso grito de guerra é pela vida, a exemplo de Jesus (Cf. Jo. 10, 10). Se tivermos que travar uma guerra, que seja pela vida indistintamente.

O nosso empenho de espiritualidade cristã não é longe da dor das pessoas, do seu sofrimento, do seu abandono, da sua marginalização social, da sua fome, da sua miséria, etc... mas, a nossa espiritualidade do seguimento da pessoa de Jesus, nos exige estarmos no meio do conflito e no confronto diário mantendo o equilíbrio. Realmente, é no momento da crise que percebemos qual é o espírito que nos anima. Seria bom escutarmos o que a comunidade dos Gálatas escutou: “Deixai-vos conduzir pelo Espírito Santo.” Deixar-se conduzir pelo Espírito é ir renovando-se cada vez mais, cada dia até alcançar a estatura de Cristo (Cf. Ef. 4, 13). Isto significa, ter o tamanho, a sabedoria e a graça de Cristo. Tudo isso faz a diferença na sociedade. Quando chegarmos a estatura de Cristo, estaremos crescidos e amadurecidos o suficiente para não tomarmos decisões precipitadas diante do comportamento das pessoas que não professam a nossa fé e nem julgá-las com critérios inadequados, como não convém.

Interessante, o quanto rápido esquecemos daquilo que foi aprendido com Jesus na catequese, nas celebrações, nas formações, nas leituras, nos cursos, nas conversas, etc. e nos tornamos cegos e muitas vezes, ávidos por sangue e morte. E toda lição aprendida das palavras e ações de Jesus parecem que foram jogadas fora. Ou nunca foram entendidas. Para que o nosso viver seja o mesmo viver de Jesus (Cf. Fl. 1, 21), é necessário que sua vida se misture à nossa vida para podermos dizer com Paulo: “Já não sou eu quem vive, mas Cristo que vive em mim.” (Gl. 2, 20b). Sendo assim, sempre que vamos tomar alguma decisão que irá influenciar sobre pessoas e/ou formar opiniões é oportuno se perguntar: “o que Jesus falaria e o que Jesus faria nessa situação?” Duas perguntas com suas respectivas respostas encontradas nos evangelhos.

Em se tratando de pessoas ou de situações cruciantes envolvendo tomadas de posturas, parece que o mais sensato é apelar para aquilo que Jesus nunca deixou de fazer: usar de misericórdia. Inclusive para quem lhe tirou a vida (Cf. Lc. 23, 34). Mas, em toda a atividade de Jesus, acompanhada de suas palavras, não faltou a misericórdia. E é Ele mesmo quem nos diz: “Eu quero a misericórdia e não o sacrifício.” (Mt. 9, 13). Daí procedem os gestos de Jesus, que não foram poucos, para explicar na prática o que significa ter misericórdia.

Ter misericórdia significa ser compassivo, ter compaixão, sentir a dor da outra pessoa. Estar na pele do outro. Sentir o que o outro sente. E Jesus nos pede isso: “Sede misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso. Não julgues e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados... porque com a mesma medida com que medirdes os outros, vós também sereis medidos” (Lc. 6, 36 – 38).

Jesus é a face misericordiosa de Deus. Ele torna realidade a misericórdia de Deus, agindo com um coração grande. E essa é a nossa tarefa: ser a face misericordiosa de Deus para os outros. Não só para quem nos bajula, ou nos dá presentes, mas principalmente para com quem nos odeia, nos espezinha, nos maltrata ou massacra. A vida terrena de Jesus foi a misericórdia em ação. Lembremo-nos da mulher adúltera anônima (Jo. 8, 1 -11); de Maria Madalena liberta de seus demônios (Lc. 8, 2); da multidão desanimada como ovelhas sem pastor (Mt. 9, 36); da mulher pecadora que ungiu os pés de Jesus e os enxugou com os seus cabelos (Lc. 7, 36 – 50); de Zaqueu (Lc. 19, 1 – 9); de Mateus (Mt. 9, 1 – 9); do paralítico curado (Mc. 2, 1 – 12); do ladrão perdoado (Lc. 23, 32 – 43).

Em tempos de conflitos e acirramentos de ódios é bom antes de falarmos alguma palavra mal – dita pensarmos nas atitudes e palavras de Jesus. E fazermos a pergunta: ainda podemos ser reconhecidos pelo nome de cristãos?

Pe. Gilberto Orácio de Aguiar - Doutor em Antropologia e Mestre em Ciências da Religião