‘Temos o dever sagrado de trazer o debate ético para a sociedade’

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Reverendo Davi Charles, Cardeal Odilo Scherer, Rabino Michel Schlesinger, Reinaldo José Lopes e Sheikh Houssan participaram de debate, no dia 29
Publicado em: 31/08/2017 - 10:30
Créditos: Redação

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Líderes de diferentes religiões unidos por um objetivo comum: o fortalecimento de um Brasil ético. Este foi o tema do debate realizado no Teatro Eva Herz, na zona sul de São Paulo, na terça-feira, 29.

Promovido pelo jornal Folha de S.Paulo , em parceria com o Ministério da Cultura, Livraria Cultura e a Congregação Israelita Paulista (CIP), o evento, mediado pelo jornalista Reinaldo José Lopes, reuniu o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo, o Sheikh Houssan el Boustani, do Instituto Futuro da Comunidade Muçulmana, o Reverendo Davi Charles Gomes, Chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie, e o Rabino Michel Schlesinger, da CIP. 

 

 

Chamados a contribuir

Ao iniciar sua reflexão, Dom Odilo ressaltou que a atual crise econômica, política e social do Brasil é consequência de uma grave crise ética e moral. “Todos nós somos chamados em causa para darmos a nossa contribuição para a solução da crise, o que requer o grande empenho de todos os cidadãos, políticos, educadores, comunicadores e religiosos”, disse.   

 “O nosso silêncio e a nossa omissão auxiliam aqueles que querem se distanciar do caminho da ética. Por isso, nós temos o dever sagrado de trazer o debate ético para a sociedade”, afirmou o Rabino Michel. Nesse sentido, o líder judaico salientou que os representantes religiosos não devem ser chamados para o debate apenas quando o assunto é eutanásia, aborto ou manipulação de células-tronco embrionárias. “Não é possível que nós acreditemos que as religiões têm algo a contribuir somente na área específica da Bioética. Acredito que cada um de nós tem uma rica tradição que debateu ao longo dos séculos a questão da justiça, da transparência e da ética”, acrescentou. 

 

Na mesma direção

Segundo o Reverendo Davi, as religiões, especialmente as monoteístas, afirmam que existe uma base moral inscrita no coração do ser humano que funciona de arcabouço para a construção de sistemas éticos. “Podemos ter várias diferenças, mas a nossa discussão ética anda na mesma direção. Assim, damos o exemplo para a sociedade do papel que a religião pode ter nesse debate”. 

O Sheikh Houssan explicou que a religião islâmica, como as demais religiões abraâmicas, incentiva as pessoas a buscarem uma vida de acordo com a ética. “Isso está muito claro no Alcorão Sagrado, principalmente quando Deus nos orienta para sentar, dialogar e divulgar a paz e a ética entre nós... Não pode ser muçulmano se você não estende a sua mão para quem precisa. Dois terços dos versículos do Alcorão Sagrado falam sobre ética, sobre comportamento. Baseamo-nos em duas coisas principais: ter uma relação boa e forte com Deus e ter uma relação saudável com o semelhante. Isso é ética”. 

Sobre a corrupção, o líder islâmico afirmou que o Alcorão destaca que se deve combater a corrupção e os corruptos. “Não podemos cruzar os braços apenas lamentando, temos que fazer algo benéfico, combatendo a corrupção”.

 

Ética no dia a dia

O Cardeal Scherer também chamou a atenção para o risco do descuido da moral no cotidiano diante das grandes questões éticas que o País enfrenta. “Parece que a questão moral ficou relegada ao plano individual. Mas, é justamente nessas questões do dia a dia que se determinam os grandes comportamentos sociais”, afirmou. 

O Reverendo Davi alertou para o perigo de a religião ser instrumentalizada para fins não religiosos. “As tradições aqui representadas dizem a uma voz que esse uso instrumental da religião é uma deturpação não só da vida em sociedade e da ética, mas da própria religião. Isso precisa ser denunciado, até para que as pessoas vejam que estamos buscando uma fé honesta”.

 

Esperança

Para o Rabino Michel, alguém não pode ser religioso e aético ao mesmo tempo. Ele acredita que o povo brasileiro é realmente religioso e ético. “Essa decepção generalizada com a classe política não é um reflexo do que acontece com a população. Estamos passando por uma crise, não soubemos eleger muitos de nossos representantes. Cabe a nós aprendermos uma lição com esses acontecimentos. Tenho esperança de que tudo isso que está acontecendo no Brasil, embora muito traumático, trará frutos extremamente positivos”